quarta-feira, 30 de maio de 2012

"Que confusão!", disse o Ratinho...



E tinha razão. A casa parecia revolvida por um furacão. Loiças no chão, em cima das mesas, um pandemónio quando chega a hora de comer. Há muitos dias que o Ratinho protesta. 


O ouricinho segue-o sem palavras, olha-o, aprova mas não diz nada.
- Viste a cozinha em que estado está, insiste o Ratinho. Como é possível?
- Ratinho, não posso fazer nada. Estão a pintar os armários, o tecto. 
- É horrível!
- O que queres? Tinha e ser. Estavam feios  e velhos...

- Desde quando é que os velhos têm de ser pintados?, retorquiu, com um meio sorriso.
O Ratinho é muito irónico e não resiste à “blague”, como diria o Ega.
-  O trabalho tinha de ser feito!
- Sim, sim.. Mas tanto tempo...
- Pois é, muito tempo nisso tens razão.

Pensava no incómodo que tinha sido tudo aquilo. Passara uma semana. Havia pó branco por todo o lado, pegadas de fantasma que percorriam para trás a para diante o corredor, panos a tapar o que era impossível tapar...

- Já viste a tua sala? Eu cá nem lá ponho os pés. Poeirada, fico cheio de alergias!

O ouricinho acenava com a cabeça, que sim, que ele também.
- Dói-me a cabeça das tintas à noite, disse, suavemente. É do pó.

O  ratinho continuava, a espreitar agora à porta da sala, onde se recusava a entrar.

duas imagens da loja de antiguidades de Farnham (MJF)

- Olha para isto! Parece aquela loja de antiguidades que viste em Guildford!

Sacudiu as patinhas de um imaginário pó.

Ri-me a pensar nos argumentos que ele ia buscar. Lembrava-me dessa casa em Farnham e naquela confusão: uma vivenda cheia de coisas variadas, de cima a baixo, nas escadas, nos corredores, nas paredes...
- Percebo a tua impaciência. Não posso fazer mais nada. Temos de esperar mais um dia.
- Um dia?! Acreditas em tudo... Vais ver!

Foram-se embora para o meu quarto. Era ali que se tinham refugiado nos últimos dias, encostados ao vidro da janela, a olhar para fora, como se fosse uma barricada contra os bárbaros. Ele, o ouricinho e a gatinha japonesa, agora muito amiga deles.
Ouço um grande suspiro. É o ouricinho. Ele sabe que eu estou em grande tensão, que tudo aquilo me incomoda tanto como a eles.
- Ó Ratinho, acaba com isso! Ela não tem culpa!
Ficou para trás a olhar com os seus olhinhos preocupados. Foi buscar uma roda de plástico para brincar.

Olhei em volta, desconsolada.
Loiças por toda a parte, desarrumação total. E quem ia arrumar aquilo?
Até o pacote dos corn flakes do pequenos almoço estava ali misturado! E o chá de cidreira!


 Há anos que adiava aquela obra. Só me faltavam as queixas do ratinho!
Perdoo-lhe, claro, conheço o seu feitio impetuoso, protestatário. Está no feitio dele.  E exagera sempre. Sabia que naquele momento preciso já estava um pouco arrependido.

De facto, disse pouco depois:
-Eu não disse que tu tens culpa!
Parecia arrependido.

- É só que nos sentimos muito desconfortáveis... Gosto tanto da tua casa! De estarmos sossegadinhos contigo a ouvir as nossas músicas. A ver o céu lá fora, ir à varanda ver as flores da primavera...

- E o tomateiro!, disse o ouricinho entusiasmado. E as cebolinhas...
Também a mim me faltava esse sossego!

A nossa música, tem razão. Ele adora ouvir Chet Baker, Lester Young e a voz de Ella Fitzgerald e Dinah Washington. Mas a sua preferida é sem dúvida Billie Holiday.  
Quantas vezes, dou por ele, sentado no cantinho do sofá amarelo a ouvi-la.
Quando os pintores acabaram o trabalho, vieram os três ter comigo.

- Desculpa, mas sentíamo-nos tão desconfortáveis!

- Eu sei, Ratinho, todos nos sentimos mal nesta confusão. Temos que pensar, porém, que há coisas na vida que têm mesmo que ser feitas. Mesmo que nos contrariem a tranquilidade e não sejam agradáveis...

O ratinho e o ouricinho estavam de cabeça baixa. A gatinha já estava empoleirada na janela.
Voltei a olhar em volta e agora o suspiro foi meu:
- Meu Deus! E como vou eu arrumar tudo isto?


Havia pó, livros, tudo estava fora do sítio...

O ratinho apresou-se a dizer:

- Ora! Tens o teu anjo loiro, a Masha, Ela limpa tudo!
Pintura da pintora francesa Marie Laurencin

Era verdade: abençoada Masha, a minha amazona ucraniana!

De repente, o Ratinho ergueu a cabeça, deu a sua gargalhada e pediu:

- Vamos fazer as pazes? Pões-nos uma música da Billie Holiday?


http://youtu.be/ubG3jZ-h0AU


11 comentários:

  1. Às vezes as grandes confusões precedem momentos bons. Tiveram sorte o ouricinho e o ratinho porque, outras vezes, só restam destroços...
    Beijinhos e Saudades
    Luísa

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    1. Tens razão, a seguir pode vir o repouso. Virá, vais ver!

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  2. Foi um inferno, mas valeu a pena! Já pensaste quantas casas montámos e desmontámos?!

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  3. Fiquei cansada só de ver!! Qualquer coisa que se faz é um pesadelo, mas como diz o Manuel, sempre vale a pena depois. Eu montei e desmontei sete casas, sempre ilusionada, mas agora já não me apetece mais que sossego, era incapaz de começar de novo!
    Beijinhos grandes, espero que já tenhas tudo em ordem e estejas feliz.

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    1. Agora tudo em ordem! As tuas mudanças são das 7 partidas do mundo????
      Eu contando todas...também fiz 7! Número cabalístico...
      beijinhos

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  4. Estas obras são horríveis!
    Cansam tantam! Mas às vezes tem mesmo que ser.
    E depois de passada a "tormenta" compensa ver tudo novinho.

    Felizmente têm aí uns compinchas que ajudam a levantar os ânimos: Ratinho Poeta e Companhia!

    Um beijinho grande (se for preciso uma ajuda para a arrumação...é só dizer!)

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  5. A pintura é muito bonita. De quem é?

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    1. Tens razão, Isabel, já lá pus a legenda. É um quadro de Marie Laurencin, pintora com muito interesse!
      Quando fizer mais obras...chamo por ti! bem precisei!
      bjs

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  6. As obras são um inferno. Porém, depois de tudo nos sítios fica tudo mais lindo!:)

    Beijinhos e não desespere. :)

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  7. Ainda bem que as obras já acabaram.
    um beijinho

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