sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Ler e para quê? Para que sim!


Frank Weston, Lady reading



Cá venho com mais uma leitura.... Um artigo de John Sutherland no Suplemento literário do Financial Times (3 de janeiro 2014), intitulado: How to win, lose and use Money in a novel way(Como vencer, perder e usar o dinheiro de uma "nova" maneira (jogo de palavras novel (nova)/novel (novela).


 “O dinheiro – e a injustiça da sua distribuição- estão muito no nosso pensamento de hoje em dia. Ferve, sobretudo, nas cabeças dos jovens políticos idiotas da geração que tem à volta de vinte e tal, 30 anos: a “pinched generation.” 

"Pinched generation", como ele lhe chama. Geração “beliscada”? Atingida? Magoada?

Não é com certeza o que eles vão procurar mas bem podiam ir ler os escritores do século XIX. Lá encontrariam uma “entendimento” útil sobre os factores desta injustiça."


E, com humor, fala de Balzac, cheio de dívidas e a escrever e a queixar-se : “por detrás de uma grande fortuna está sempre um crime”
Balzac, escultura de Rodin

Ou das dúvidas/dívidas de Fiodor Dostoievsky no "Jogador" e na vida - que se poderiam resumir na frase: “Se Deus te ama, far-te-à rico. E assim, fim dos problemas", ficava tudo resolvido!

Dostoievsky retratado por Perov

E Charles Dickens que fala constantemente de dinheiro nos seus romances e, mais do que outra coisa:  de “não ter dinheiro”! Da pobreza autêntica, dura e crua...


E J. Sutherland lembra a “golden generation”, dos inesquecíveis Dickens, ou George Eliot, ou Jane Austen e das suas personagens: jovens em cujas dificuldades monetárias talvez os jovens de hoje pudessem encontrar algum consolo.


Sofriam dos mesmos problemas económicos. Raramente podiam casar antes do 40 e nem lhes passaria nunca pela cabeça comprar uma casa! O dinheiro? Ah, sim, esse estava sempre na mão dos outros. As donzelas que amavam, sabendo-os “mostly skint” (sem um tostão) casavam com os velhos com dinheiro."

Porque, em oposição a essa geração de jovens “pelintras”, havia a “wallet generation- power”, os “instalados na vida”, mais velhos e com a carteira bem recheada, os quais, na maior parte dos casos, lhes roubavam as bem-amadas.


Charles Dickens por volta de 1850


Num conto terrível (Dombey and Son) de Dickens, um menino que está doente e vai morrer, pergunta ao pai: 
Pai, mas para que serve o dinheiro?”, coisa a que o pai não sabe responder. 

Anos mais tarde, destruido com a morte dese filho, arruinado, talvez descubra  que, no fim e ao cabo, o dinheiro só serviu para não ter vivido nada como devia ter sido. Nada prestou na sua vida...


"David Copperfield", romance maravilhoso, reeditado pela Relógio d´Água

E o que foram as vidas do pequeno David, ou das personagens de "Tempos difíceis" ou "Oliver Twist"? Uma luta constante contra a miséria...

Imagem do filme "Oliver Twist", do romance homónimo de Dickens

E George Eliot? Esta grande escritora era uma “self made rich woman” que, segundo Sutherland, sabia bem o valor do dinheiro, porque ganhou cada “penny” da sua fortuna, sozinha! 


Lembra o romance “Silas Marner” (The Weaver of Raveloe), e a personagem do tecelão que lhe deu o nome. O trabalhador infatigável, o lutador que ganhou, apenas com o seu esforço. 


imagem da série da BBC, com Ben Kingsley

Os heróis e as heroínas de Eliot podem herdar fortunas mas esse dinheiro nunca é uma coisa central na sua ficção. 

Dorothea Brooke, a heroína de “Middlemarch”  dizia: “Quando temos mais dinheiro do que necessitamos, então devemo-lo usar para fazer um mundo melhor!”

Coerente, foi o que fez: ajudar os outros, criar possibilidades de tornar menos dura a vida dos que nada têm.

um selo que comemora a saída de Pride and Prejudice

“Jane Austen, pelo contrário,  nunca falava de “trade” (comércio, negócios) ou “work”... Foi um erro homenagear a escritora pondo a sua efígie nas notas de 10 libras. Admiro Jane Austen, diz Sutherland, pelo seu trabalho literário. Mas o seu lugar mais adequado não é as notas de 10 esterlinas...”

a nota de 10 libras, saída em Outubro de 2013

E continua:

"Se há alguém que nunca pensou no dinheiro do que ela. Nunca se fala de dinheiro nos seus romances: ou há...ou não há. Em princípio, há..."

Desenho da irmã Cassandra e imagem da nota, que deu que falar...

Para terminar, que mensagem fica para os jovens de hoje, cheios de dificuldades e mais  pinched do que nunca...?

Pensem que foi sempre assim, e que nunca foi fácil. Contentem-se porque estão vivos e tal como diz George Eliot têm 35 anos à vossa frente...e não atrás.

Certo. Mas se fosse assim tão simples como isso animá-los. Pobre “pinched generation”!

Deixo uma canção dos Pink Floyd... "Money", of course, diria John Sutherland!





7 comentários:

  1. Em Espanha a tradução seria a geração "pinchada", existe a mesma palavra, e suponho que significa o mesmo: furada, como a roda dum carro, mas sem arrajo, neste caso triste. Já lhe chamam a "geração perdida", esperemos que a maioria consiga remontar. É um tema sangrante, só quem está a passar por elas sabe bem o que é, e trata-se de gente nascida na abundância e de carne e osso, não personagens de novela. Os tempos não são os de Dickens, e é muito doloroso o que está a trazer esta maldita crise económica — porque é tudo uma questão de dinheiro, seja ele o que fôr. Quando não há para sobreviver com dignidade, tudo o mais passa a um segundo plano. Precisamente hoje apanhas-me muito sensiblizada com este tema.
    Bom finde, está um sol radiante, a por ele!!!
    Beijinhos

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    1. Tudo isto é assustador e, infelizmente, é real nem sequer é um bom livro de ficção como o de Dickens (que falou da sua "realidade" bem real!).
      Aqui até se chamou a "geração à rasca"... mas não é uma tradução para pinched. Pinchada não existe em português, furada sim. Talvez seja a ideia: furada, rota, destruída. Melhor e menos duro "que pode vir a ser destruída"!
      Um beijo. aqui está um solinho assustado, deve ser da cries!

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  2. O dinheiro não é tudo, mas é preciso ter o suficiente, para se poder ser feliz. E para comprar livrinhos!
    Bons livros de que aqui fala!

    O Ratinho gosta de saber! Gosto deste ratinho!

    Um beijinho e bom fim-de-semana :)

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    1. É bem verdade, não é tudo...mas ajuda muito! O ratinho anda cheio de vontade de dizer coisas mas eu não tenho tido tempo para o ouvir! Anda até zangado, acho. Em breve terá de aparecer uma história dele se não ninguém o atura! beijos e bom finde....

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    2. Já tenho saudades duma história...ouça-o lá!...Para bem de todos!

      Um beijinho grande :)

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    3. Acho que tenho de pensar nisso... bom domingo!

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  3. Pois, tudo isso é uma triste verdade... Mas, com dizia a minha saudosa prima Maria Amélia... "o dinheiro não é tudo... para quem o tem"... Pinchar existe na nossa língua e significada "saltar" (cf, Dicionário de Moraes).

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