quarta-feira, 4 de agosto de 2021

LEMBRAR O POETA ARQUIMEDES DA SILVA SANTOS, NO ANO DO SEU CENTENÁRIO

Arquimedes da Silva Santos.

Passou este ano 2021 o centenário de Arquimedes da Silva Santos. Muitos não se lembrarão dele, alguns nunca o leram nem souberam da sua existência, tirando os seus admiradores fiéis e alguns leitores e amigos.  É importante, porém, lembrar o seu nome e a sua acção em prol da Cultura e sobretudo da Educação. (1)

O tempo passa, inexorável, tudo esquece nesta aragem veloz e muitos  pensam só nos “valores novos” a descobrir. Mas uma coisa não impede a outra. E sem os grandes escritores que passaram não seríamos como somos nem outros o virão a ser.

Confesso que redescobri há pouco tempo “Voz velada”, apesar de o livro ter estado na estante muitos anos. Talvez tenha lido os poemas que esqueci. Desta vez li-o com atenção e prendeu-me a simplicidade profunda dos seus versos e a suavidade das imagens que evoca.

“Um clarão.

Uma flama.

Um relâmpago.

 

Til de luz

Tal um lume

No crepúsculo

 

E eternas

Nos esperam

Logo as trevas.”

Arquimedes da Silva Santos nasceu em 18 de Junho de 1921 em Póvoa de Santa Iria e morreu no dia 8 de Dezembro de 2018 em Lisboa.

Foi um grande nome do Neo-Realismo português (2). Médico licenciado pela Universidade de Coimbra inclina-se para a Psiquiatria e Pedagogia, interessando-se cedo pela especialidade da Neuropsiquiatria Infantil. Chegou a estudar em Paris essa especialidade.

Publicou os primeiros poemas na revista O Diabo (1938) e Sol Nascente (1939) e colaborou em diversos jornais e revistas como a Seara Nova, Vértice, Via Latina, etc.   

Em 1944, prepara para a revista Novo Cancioneiro um livro de poesias parcialmente incluído no livro volume inédito “Canto Emudecido” – recebendo o primeiro prémio de Poesia lírica num concurso literário em Santarém, no ano de 1945.

Poeta, escritor, ensaísta, interessou-se igualmente pela Música e pelo Teatro, colaborou na Gazeta Musical, fez parte do grupo Teatro dos Estudantes Universidade de Coimbra – de que foi presidente.

 

Muito se passou na sua vida e muito ignoro. Continuo a busca. Sei que o ligava uma amizade forte e Bernardo Santareno (que conheci, amigo do Manuel, com o nome verdadeiro de Martinho do Rosário), também ele médico, além de escritor e dramaturgo. Foi amigo de Jorge Namorado, conheceu Soeiro Pereira Gomes, Fernando Namora e outros nomes do Neo-realismo.

Arquimedes da Silva Santos “foi assistente do Centro de Investigação Pedagógica do Instituto da Fundação Gulbenkian de Ciência, e nessa fundação ministrou um curso de Psicopedagogia da Expressão Artística, no Centro Artístico Infantil do Acarte. 

Foi também professor da mesma disciplina na Escola de Educação pela Arte do Conservatório Nacional. Igualmente professor-coordenador na Escola Superior de Dança do Instituto Politécnico."

Falando deste Centro de Investigação Pedagógica, explica – em entrevista em Setembro de 2000 à revista de Educação “Noésis” (3)-  que ali se tentavam resolver dificuldades escolares sobretudo de origem emocional e afectiva através de pedagogias que tinham que ver com a música, o drama, o movimento e as artes plásticas. 

Eu tinha formação pedopsiquiatra e vi que a melhor maneira, o ponto de vista educativo, de agir na vida das crianças com dificuldades era através das expressões artísticas quer seja da música, as artes plásticas, da psicomotricidade, da dança e do drama.” E mais adiante na mesma entrevista acrescenta: 

“Eu era um professor que dava liberdade aos meus alunos para podermos fazer as coisas de maneira a enriquecermo-nos, a encontrarmo-nos, a sermos. A minha linha de acção era a essa. Não o saber ou o ter mas sim exactamente o ser.”

Leio estas informações na página do Grupo do Facebook “Antifascistas da Resistência”. As palavras são de Helena Pato que faz ali uma breve biografia do autor.

Arquimedes da Silva Santos defende a Educação pela arte, a arte integrada no quotidiano das escolas, desde o pré-escolar, conjugando a pedagogia, a psicologia e as expressões artísticas.” (4)

Em 2018, recebe o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa. Em 1998, recebe a Comenda da Ordem do Infante Dom Henrique pela Presidência da República e, em 2001, a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública.

Antifascista, preso político torturado pela PIDE e condenado pelo Tribunal Plenário da Ditadura do Estado Novo, nos tempos de Salazar, “confessava-se” multidimensional, com interesses e intervenção nas áreas cívica, política, artística, científica e educativa.

Penso no meu pai que de certeza o apreciava. Costumava chamar aos espíritos abertos e curiosos de tudo “espíritos poliédricos”. “Multifacetados”. Parece-me estar ainda a ouvi-lo.

Nos poemas a voz do poeta ergue-se da realidade ingrata da vida com amor, os olhos na beleza apesar de nós sentirmos o rondar da morte aflorar em muitas das poesias. Delicadamente, sem forçar o tom, o efémero da vida, o sinal da morte estão lá. Como no capítulo “Circunstanciais” dedicado “Aos amigos perdidos”

5

 Às suas grades se espreita

Recluso

Círculo que o limita

Cerra os dentes, não aceita

Qualquer intruso,

Qualquer visita...”

5

“Noites de agoiro, de pesadelo,

Roseando além a meio.

Pia a coruja de olhos de réptil

A ameaça do receio.

E amedronta porque tem medo

Da manhã cedo...”

6

“Tronco de estéril figueira brava

Torcido, seco, mirrado

Mal um palmo de sombra dá

Onde nem erva cresce ou ave canta

Hirto no descampado.”

Morreu em 2019 com 98 anos. Pouco se fala dele – ou nada por aqui, mas em Vila Franca de Xira as comemorações sobre o seu centenário foram muito completas.

Em 2007, no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, aquando da inauguração das novas instalações, foi-lhe dedicada uma exposição bibibliográfica, intitulada “Arquimedes da Silva Santos, Sonhando para os Outros” e lançado o livro “Plinto”.

Quis lembrar o seu nome e as suas belas poesias. É com respeito quis falar dele hoje. Faria 100 anos este ano.

Alguns poemas ficaram-me nos olhos e no coração, como esta dedicada “aos amigos perdidos”, em 1945.

“Vezes mil desmaio e caio

E mil e uma me levanto e ando.

- Morte, até quando?”

***

(À companheira da hora indecisa)

“Daquela Primavera...

Desfolhava pétalas

Amor liberto

Luar numa oliveira

Santa Clara –

Pelo sossego do rio

O arvoredo e a brisa.

 

Duas primaveras...

Um terço desde a partida

- Menos só –

E quanto até à ilha

E à morte?”

***

“O guardador de pombas

Solta-as pela tardinha.

E voam e revoam

Em círculos e curvas e espirais

Ruflam céleres

E fogem

E tornam e retornam

E com o pôr do sol

Recolhem aos pombais.

E o guardador de sonhos

Julga tê-las

Com seus fios e assobios.” (2)

***

   (1) Arquimedes da Silva Santos nasceu em 18 de Junho de 1921 em Póvoa de Santa Iria, em 1921 e morreu no dia 8 de Dezembro de 2018

(2) Neo-Realismo: Podemos dizer que foi uma das principais correntes estéticas das décadas de 40, 50 e 60 do século XX. A verdade é que houve paralelamente continuadores de outros movimentos estéticos como o Surrealismo ou o movimento da “presença”. Foi talvez mais um “volte-face” no sentimento estético e das ideias sociais. Desenvolveu-se abrindo sobretudo a mentalidade nacional aos debates sociais que se travaram nesse tempo, o marxismo, o socialismo e o anti-cololonialismo.

(3)   Na “Noésis”, nº 55, de Setembro de 2000. Revista de Educação do Ministério da Educação.

(4)   O “Novo Cancioneiro”, revista lançada em Coimbra em 1941. Insere-se na afirmação da estética poética neo-realista e publicará vários livros entre 1941 e 1944.

(5)  Página do Grupo do Facebook “Antifascismo e Resistência". As palavras são de Helena Pato.

   (6) “Voz Velada”, Poemas, Textos Vértice, 1958, livro editado pelo autor, capítulo Poemas do Efémero

https://www.eselx.ipl.pt/noticias/centenario-de-arquimedes-da-silva-santos

http://www.museudoneorealismo.pt/pages/1077)

3 comentários:

  1. Não conheço. É bem injusto que gente com talento nunca mais seja recordada, enquanto que há obras, em todas as artes, que ganharam um reconhecimento excessivo e estão a envelhecer mal. O Enrique e eu estamos a repassar os filmes "de culto", e há muitos que não conseguimos rever até ao final...
    Bjnhssss

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  2. Maria João, gostava de a poder contrariar mas, infelizmente, confirmo que Arquimedes da Silva Santos está esquecido. E, não é de agora. Tal já se verifica pelo menos nos últimos 25 anos...
    Beijinhos.:))

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  3. Não conheço o autor, mas gostei muito do que li.

    Beijinhos e continuação de boa semana:))

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