sexta-feira, 3 de setembro de 2021

“CAMINHADAS COM ROBERT WALSER”, POR CARL SEELIG

Robert Walser (1), escritor suíço que foi muito apreciado por grandes escritores do mundo, está praticamente esquecido. Desconhecido do grande público – e do público mais culto, desconfio eu que também. Gostava de chamar uma vez mais a atenção sobre o autor de "A Rosa", agora através do livro em que Carl Seelig o recorda.
 
 Robert Walser nasceu em 1878 em Biel na Suíça e morreu em 25 de Dezembro, numa manhã de Natal cheia de neve, no ano de 1956, durante o seu passeio solitário, em Herisau. Já aqui falei no blogue da sua história e solitário fim de vida.

 
Mas por que vai morrer sozinho na neve?
 
No seu tempo, nomes como Thomas Mann, Robert Musil, Herman Hesse, Franz Kafka - que lhe chamava Mestre - ou Walter Benjamin e Elias Canetti admiravam-no. O que será feito do seu nome hoje? Confesso que não me lembro de ouvir falar nele...
Franz Kafka

Confirmou-me a minha amiga Cláudia Ribeiro (livreira no Porto, na Livraria Lumière) que Walser continua esquecido, num desinteresse total e que ninguém procura o nome dele nem os seus livros. 
Foi a Cláudia que me assinalou a saída deste livrinho, escrito por Carl Seelig, “Caminhadas com Robert Walser” que eu tinha tanta vontade de ler. (2) E assim o pude ler e ficar a saber um pouco mais.

Carl Seelig (1894-1962) era um escritor e um editor de origem suíça que foi amigo de Walser e guardião e seu executor literário. 

  Seelig editou autores como Stefan Zweig, Max Brod e Joseph Roth, nomes conhecidíssimos da Literatura do Império Austro-Húngaro, e escreveu a primeira biografia de Einstein. 

“Caminhadas” é um pequeno livro que se lê com prazer e curiosidade. Relata as conversas e pequenos diálogos com o escritor, durante uma série de anos até à sua morte. 

Passeavam a pé, deambulavam – verdadeiros 'peripatéticos' (3) dos nossos tempos – almoçavam, iam de comboio daqui para ali e tornaram-se amigos. 

 Com ele, Walser - passado algum tempo de desconfiança e silêncio- passou a falar abertamente.

O livro começa na data de 26 de Julho de 1936: 

As nossas relações começaram com algumas cartas prosaicas: perguntas e respostas breves e concretas. Eu sabia que Robert dera entrada como doente mental na clínica de Waldau em Berna no início de 1929 e que vivia desde Junho de 1933 no sanatório do Cantão de Appenzell-Ausserrhoden, em Herisau. Eu sentia a necessidade de fazer algo por ele e pela publicação das suas obras.” (op.c.pg.19)
Este alguém, que o foi procurar durante anos seguidos ao manicómio  apenas para conversar com ele, irem passear a pé ou de comboio, ou  almoçar em pequenos restaurantes da zona é um homem extraordinário, Carl Seelig.

Walter era um caminhante aplicado e o mesmo era Seelig. Uma vez (contou ele a Seelig) chegara a ir a pé de Berna a Genebra e regressado no mesmo dia.

Subiam à montanha, eram dois bons caminhantes e trepadores e faziam-se companhia. E foi por essa companhia que lhe fez Seelig  que Robert Walser não morreu sozinho nem desconhecido no seu tempo. E pela acção de Seelig as suas obras foram publicadas.


Robert Walser deve ter escrito nove romances - dos quais restam quatro- muitas de poesias e mais de mil contos. Era um homem simples que nunca quis ser mais do que era e era isso, a simplicidade, que admirava nos outros; desdenhava todos os pensamentos de grandeza. 

Para o diabo a ânsia de se ser mais do que se é. Uma verdadeira catástrofe que põe em todas as coisas existentes uma máscara de maldade e de fealdade”, dizia.

 
Elias Canetti (1905-1994)

Elias Canetti, prémio Nobel da Literatura em 1981 escreve sobre ele (4): “A sua obra literária é uma tentativa incansável de silenciar o medo e, para se salvar, transforma-se frequentemente naquele que é “pequeno”, o que serve outros. 

A sua profunda e instintiva aversão perante o “grande”e tudo o que tem estatuto e pretensões faz dele um escritor essencial ao nosso tempo asfixiado pelo poder.”   

Elias Canetti de quem falarei aqui em breve, escreveu um ciclo romanesco de oito tomos, cujo primeiro livro “Auto da Fé” (1935) o tornou conhecido. Foi, aliás, o único romance da sua carreira pois dedicou-se sobretudo ao estudo dos “fenómenos de massas” (“Massa e Poder”, 1960)

 Na sua terra natal, Walser trabalhara muitas vezes como criado e vivera pobremente no quartinho de um sótão no bairro dos criados do Hotel Blaues Kreuz.
Robert Walser ainda jovem

A verdade é que em 1929 Robert Walser vai ter um esgotamento mental e é internado no manicómio Waldau, em Berna. Mais tarde, entra no sanatório psiquiátrico de Herisau (Appenzel) onde viverá até morrer.

Em 1933 deixa completamente de escrever e os restantes vinte e três anos de vida passa-os ali, anónimo e ignorado pelo mundo.

Teve, porém, a sorte enorme de ter o amigo que, a partir de 1936, nunca o abandonou e o vai acompanhar até ao último dia. Esse amigo extraordinário foi Carl Seelig.

Há relações maravilhosas, afectos, que dão sentido à nossa vida -quando nos sentimos abandonados e tantas vezes a indiferença dos outros se torna em distância e causa tanta solidão. 

É um livro que acho muito interessante até por isto mesmo - pelo valor dado à amizade.

(1) Robert Walser nasceu em Bienne ou Biel (Suíça) em 15 de Abril de 1878. Morreu em 1956 quando passeava na neve, no dia de Natal de 1956

(2) Carl Seelig, “Caminhadas com Robert Walser”, BCF EDITORES, “Pro Helvetia” (Fundação Suíça para a Cultura), 2019.

(3) Os "filósofos peripatéticos", termo que surge desde Aristóteles porque ele 'filosofava enquanto andava com os seus discípulos'. A palavra, vinda do grego, significa: "o que ensina passeando".

(4) Elias Canetti, escritor judeu nascido em Ruse no nordeste da Bulgária na margem do Danúbio. 

   Romancista, ensaísta com várias nacionalidades: búlgara e britânica (1952) e depois suíça. Depois da morte do pai, em 1912, a família vai para Viena mas, em 1916, fogem para a Suíça. Canetti usou a língua alemã. Depois da anexação da Áustria em 1939 pela Alemanha nazi Canetti fugiu para Londres. Ali recebeu a nacionalidade britânica em 1952. Volta à Suíça várias vezes onde morre em Zurique (onde estudara entre 1917 e 1921) em 1994.

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