Quando volta a Dorset, Hardy vai tornar-se num dos maiores romancistas do seu tempo - um autor que vai falar da vida com pessimismo e poucas ilusões.
Li Judes l’ obscure em francês na colecção “Livre de Poche” (2) - hoje penso que fiz mal pois o 'inglês' que Hardy escreve é muito bom e fácil de ler.
Dostoievski
"Judas, o Obscuro" é um romance inesquecível e doloroso. Só
o grande romancista russo Dostoievsky consegue provocar uma tal
intensidade de dor pela trágica vida das suas personagens de um modo tal que o sofrimento parece "colar-se" ao leitor.
Brilhante contista, soube traçar perfis psicológicos contraditórios e portadores conscientes dos seus desejos sexuais, muito ao contrário dos seus contemporâneos - e personagens conscientes da opressão da sociedade.
Neles, a tristeza é crescente, no aparente paradoxo da barreira profunda que vai da “pessoa
tranquila e educada que vivia e apreciava a sociedade de Londres" à realidade do Hardy "revoltado, ferido no seu íntimo, que castigava os valores do mundo em que vivia”.
O romance é publicado em 1886 e é muito mal recebido pela crítica. (5) É considerado um romance degenerado e ofensivo para a Igreja. A igreja - como é evidente - não lhe perdoa e o livro é proibido de circular nas livrarias.
O que incomodava os críticos era o
facto de Hardy defender "que o ser humano pode ser destruído por
'forças malignas' que existem no mundo 'usando o seu poder' para transformar
as coisas 'num inferno de maldade." Explicando melhor: não querem "aceitar" que os homens podem ser autênticas "forças malignas" que perseguem e destroem a vida dos outros homens.
Old Brompton, Londres (MJF)
No fundo Thomas Hardy expõe nos seus romances as severas condições e problemas sociais na Inglaterra victoriana e isso não agrada à sociedade conservadora e hipócrita dos tempos.
Seja como for, a verdade é que, chocado e desiludido, Thomas abandona a ficção e concentra-se só na poesia - o seu primeiro amor - durante o resto da vida, sendo considerado um dos grandes poetas de língua inglesa.de novo na poesia. Publicará algumas novelas.
Judas o Obscuro é um livro doloroso, um livro estranho. Há livros que nos fazem “doer” mais do que outros. Judas o Obscuro fez-me sofrer. O romance cria uma tal intensidade, um sentimento de tristeza tão profunda e contínua que nos prende àqueles destinos.
Gostei do livro e fiquei desde o primeiro momento presa à intensidade do drama. Desejando que o enredo dramático da história mudasse e vendo, porém, tudo avançar no sentido da desgraça, da incompreensão, do desencontro com o outro - aquele de quem, segundo o autor, desejaríamos tanto aproximar-nos.
Diz-lhe à partida: “Não te vou esquecer, Judas”, sorrindo enquanto a carruagem se afastava. “Porta-te bem, sê bom para os animais e para os pássaros e lê tudo o que puderes!”
Mas o professor esquece-o e a carta prometida nunca chega.
Judas decide ir para Christminster. É ‘a cidade das luzes’ como lhe chamava Judas porque as via, ao longe, brilhar na noite. Cidade das luzes também, metaforicamente, "a cidade do saber".
Esta cidade é um lugar inventado pelo autor, que se inspira na cidade de Oxford e na sua Universidade.
E pensa que talvez encontre o professor. Procura trabalho, precisava de ganhar o dinheiro para a viagem. E aceita tudo: o primeiro trabalho será afastar os pássaros, na seara de um lavrador. Passa os dias em cima das medas de trigo a sacudir os corvos com um pau.
E pensa: “Coitados. Estão famintos! E tantos grãos caídos no chão". Nesse momento sente a injustiça que “os pássaros, tal como ele, viviam num mundo hostil. Para quê assustá-los?
Tem pena e deixa que os corvos comam os grãos de trigo e a palha. O patrão que o espreitava, dá-lhe uma sova e corre com ele depois de lhe ter pago uns magros tostões.
Encontra trabalho na quinta de uma jovem mulher que o seduz e se finge grávida para o obrigar a casar. Trabalha a terra sem descanso, vai vender os produtos que colhe. Quando percebe o logro em que caíra, deixa-a e foge de casa.
E um dia chega em que Judas viaja para a grande cidade. Um dos seus momentos preferidos é ver passar os sábios no largo da Universidade quando saem em conversa animada que ele decide ser com certeza uma conversa especial.
Especial é o amor que vai sentir por Sue
Bridehead, sua prima afastada que chega à cidade. Sue atrai-o profundamente e Judas
apaixona-se.
Sue é uma personagem que o autor trata muito bem - as personagens femininas de Hardy são sempre caracteres superiores. É uma jovem mulher, bela e sensível, é a Nova Mulher "livre-pensadora" que surgira naquela sociedade conservadora - e cujo estatuto de rebelde não é bem aceite.
Mas o amor também não vai ser fácil para Judas. Sue não se deixa amar - amando-o- porque preza acima de tudo a sua liberdade e independência, tem muita ambição, quer vir a ser alguém na vida. E o amor parece-lhe poder ser uma "prisão".
Acaba por aceitar o amor de Judas mas recusa-se a ceder às convenções religiosas, não quer casar pela Igreja porque não acha importante a instituição do casamento. Judas aceita e decidem viver juntos sem casarem.
Não sei se o esperavam, mas a verdade é que vão ser banidos pela sociedade religiosa, puritana e impiedosa de Christminster. Vai ser difícil realizar as esperanças. Vão conhecer a miséria e o afastamento de todos. Sombras, trevas e luz cruzam-se na vida de Judas, porque as sombras e as trevas surgem na obra do autor.
"Onde está a felicidade”, perguntava o nosso Camilo, no título de um romance. A resposta dá-a Hardy pela boca de uma personagem: “a felicidade é apenas um episódio acidental num drama feito de sofrimento.” (7)
É um livro que se termina com a sensação de fechar uma vida que tinha estado próxima de nós, com pessoas a quem nos tínhamos afeiçoado.
Thomas Hardy queria ser enterrado em Dorset mas decidiram fazer uma homenagem ao escritor agora tão admirado.
Foi enterrado na Abadia de Westminster, no "Poet's Corner", o lugar onde estão enterrados os grandes nomes da Literatura Inglesa. recordo-me de Jan Austen, Dickens, Shakespeare e etc.
parte do "Poet's Corner"
Sobre a biografia do autor deixo uma nota poética: o seu coração foi enterrado noutro lugar, ao lado da primeira mulher, como ele tinha desejado.
"Em Janeiro de 1928, depois de doença cardíaca, Thomas Hardy morre. Teve um funeral de honra e as suas cinzas foram guardadas na Abadia de Westminster. Mas o coração não foi queimado - é transferido para o seu condado natal de Dorset e enterrado perto do túmulo da primeira mulher, Emma".
***
(1) Thomas Hardy nasce em 2 de Junho de 1840 e morre em 11 de Janeiro de 1928, em Max Gate, Dorset.
(2) “Judes l’obscur”, editions Albin Michel, colecção Livre de Poche, 1950. Com um Prefácio muito interessante do escritor Edmond Jalloux.
(4) Claire Tomalin, “Thomas Hardy, The Time-torn Man”, Penguin Books, London, 2006. Jornalista e biógrafa é autora de outras biografia muito interessantes: de Jane Austen, de Katherine Mansfield e de Charles Dickens. E de outros escritores ingleses.
(5) Os três romances são : The Master of Carterbridge (1886), Tess of the de Ubervilles (1891) e Judes The Obscur (1895).
(6) Christminster é uma cidade 'imaginada'. Para a criar Hardy inspirou-se na cidade universitária de Oxford.
(7) a personagem é Elisabeth-Jane no final do romance The Master of Casterbridge..
https://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Hardy
Gostei de ficar a saber mais sobre o autor e sobre os seus livros - tenho a ideia de ter visto filmes baseados nos três romances. Um beijinho e uma boa noite
ResponderEliminarSim, Gábi, houve vários filmes alguns muito bons, com grande actores ingleses como Alan Bates e Julie Christie ("Longe da mulltidão") e o filme "Tess", de Roman Polansky e o "Master of Canterbridge", que não vi, inglês creio também. Grande escritor. Beijinhos e boas leituras e "escritas"!
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