O título do livro de que vou falar é belo, sugestivo, mas o
livro é de uma tristeza e de uma melancolia que não têm fim.
O livro foi publicado em França em 1954, pela Gallimard (Ces voix qui nous viennent de la mer), com um prefácio e anotações de Jean Larteguy.
Em Portugal, foi publicado pela Ulisseia em 1959, com uma bela tradução de Maria Lamas.
Porque essas vozes são as dos jovens que aceitaram morrer pelo seu país: as vozes são as das cartas que enviaram aos pais, à namorada, nas vésperas de morrer.
Eles são os soldados japoneses durante a II Guerra. E também os outros que, em guerras anteriores, deram a vida e a juventude.
O livro foi publicado em França em 1954, pela Gallimard (Ces voix qui nous viennent de la mer), com um prefácio e anotações de Jean Larteguy.
Em Portugal, foi publicado pela Ulisseia em 1959, com uma bela tradução de Maria Lamas.
Porque essas vozes são as dos jovens que aceitaram morrer pelo seu país: as vozes são as das cartas que enviaram aos pais, à namorada, nas vésperas de morrer.
Eles são os soldados japoneses durante a II Guerra. E também os outros que, em guerras anteriores, deram a vida e a juventude.
Aceitavam morrer? Nem sempre. Não havia tantos voluntários
como se dizia. A maioria eram estudantes, recrutados, na Universidade de Tóquio
para irem morrer longe, fazendo explodir o próprio avião, ou amarrados a um
torpedo, indo rebentar sobre os alvos americanos.
Não escolheram fazê-lo. Aceitavam o que exigiam deles, por uma
questão de honra, de orgulho e de respeito por si próprios. Mas voluntários, poucos o foram.
Muito se fala do Japão e de como os japoneses aceitam a morte
de maneira diferente do ocidental. Culturas diferentes estarão na base desse sentimento. No entanto, é igual o sentimento de solidão e de dor, quando a morte está na nossa frente.
No entanto, este é um
livro desolador: um punhado de cartas, de pequenos bilhetes de despedida, folhas
de um diário escritas pelos “morituri”...
Resignados, talvez. Mas tristes.
Resignados, talvez. Mas tristes.
“Não morro
voluntariamente, não morro sem pena”, escreve no seu testamento Akio
Otsuka.
Ou Hatsukura: “Se sobreviver, quereria contar um dia como
eram longas estas noites em que não podíamos sequer olhar para as estrelas”. Pg.
36
Ou, ainda, Eiko Oi:
“Mamã, aproxima-se o
dia da despedida mas parto com coragem. Tenha cuidado com a sua saúde; quero
encontrá-la ainda mais forte quando voltar desta amarga experiência.” Morre em 1941, com 26 anos (Pg. 38).
Marcou-me esta leitura há muitos anos quando o meu namorado (hoje, marido) mo ofereceu. Nunca me esqueci destas "vozes"! Perdi o livro de viagem em viagem e reencontrei-o há dias, numa arrumação que queria sistemática e que nunca faço...
Atraiu-me outra vez a simplicidade agressiva da capa – um
simples desenho encontrado junto de um dos soldados-estudantes que se chamava Kyochi Sekguchi e encontrado morto de fome, sozinho, num ilhéu do Pacífico.
Voltei a lê-lo. Sempre com a mesma vontade de chorar. O que
se passou desde então? Quantas ilusões perdidas, quantas esperanças ainda,
quanto desejo de paz?
Lembro a última carta do jovem Kagashima:
“Nunca farei do meu
filho um soldado...não, nunca será soldado. A paz... a paz do mundo... é tudo
quanto desejo.” (morre, em 1945, aos 29 anos)
Lartéguy, ferido em combate, em 1951, durante a Guerra da Coreia, passa uns longos meses no Hospital Militar
de Tóquio, imobilizado.
Quando melhora, sai e vagueia pela cidade, observa, tenta compreender aquela gente. A comunicação é difícil: ele não fala japonês, eles não falam inglês. Viaja, vai a Kyoto que lhe parece mais acolhedora.
"Gostei de Kyoto e não me aborreci lá. Deambulei ao cair da noite pelos velhos templos que o nevoeiro do Inverno invade, esfumados os torils (pórticos vermelhos) e os tectos recurvos. (...)
Um acaso ia permitir-me penetrar na vida japonesa, pôr-me nas mãos Estas Vozes que nos Vêm do Mar, fazer-me compreender a importância deste livro - bíblia da nova geração."
É em Kyoto que encontra, por sorte, um pintor que lhe diz: Ah! Si vous parliez français... Ora ele era francês!
Esse pintor vivera 10 anos em Paris, não esquecia Montparnasse, onde passava os seus dias.
"Guardava uma ternura profunda pela França, porque ela fora a sua juventude feliz e despreocupada."
Tudo se simplifica, e o Japão “abre-se”, pouco a pouco. O Japão cujos jovens (rapazes e raparigas) adoravam André Gide e queriam saber como ele tinha morrido, liam Sartre e La Peste de Camus, interessavam-se pelos filmes de Clouzot e de Autant-Lara. Conheciam e ouviam as canções francesas.
E costumavam dizer: "Feliz como Deus em França"...
Quando melhora, sai e vagueia pela cidade, observa, tenta compreender aquela gente. A comunicação é difícil: ele não fala japonês, eles não falam inglês. Viaja, vai a Kyoto que lhe parece mais acolhedora.
"Gostei de Kyoto e não me aborreci lá. Deambulei ao cair da noite pelos velhos templos que o nevoeiro do Inverno invade, esfumados os torils (pórticos vermelhos) e os tectos recurvos. (...)
Um acaso ia permitir-me penetrar na vida japonesa, pôr-me nas mãos Estas Vozes que nos Vêm do Mar, fazer-me compreender a importância deste livro - bíblia da nova geração."
É em Kyoto que encontra, por sorte, um pintor que lhe diz: Ah! Si vous parliez français... Ora ele era francês!
Esse pintor vivera 10 anos em Paris, não esquecia Montparnasse, onde passava os seus dias.
"Guardava uma ternura profunda pela França, porque ela fora a sua juventude feliz e despreocupada."
Tudo se simplifica, e o Japão “abre-se”, pouco a pouco. O Japão cujos jovens (rapazes e raparigas) adoravam André Gide e queriam saber como ele tinha morrido, liam Sartre e La Peste de Camus, interessavam-se pelos filmes de Clouzot e de Autant-Lara. Conheciam e ouviam as canções francesas.
E costumavam dizer: "Feliz como Deus em França"...
Se o Imperador Meiji (era Meiji) abriu o Japão ao Ocidente e modernizou o país - construindo portos, fábricas, estradas e caminhos de ferro e
impôs o trajo e as maneiras europeias..- foi o General MacArthur quem, com os
seus decretos, deu à mulher japonesa os mesmos direitos que tinha a mulher
americana – inclusivamente o de casar com quem ela decidisse.
Esse amigo novo fala-lhe da existência desse volume de cartas
publicado por uma associação de estudantes da Universidade de Tóquio.
Escreve Jean Lartéguy:
“Não escondem as atrocidades cometidas, nem a estupidez e a intolerância da casta militar.
Escreve Jean Lartéguy:
“Não escondem as atrocidades cometidas, nem a estupidez e a intolerância da casta militar.
Revelam como a jovem
intelligentsia nipónica tomara consciência, através de todas as provações, dos
grandes valores eternos: o respeito pelo indivíduo, pela liberdade,
fraternidade; o horror das guerra de conquista.”
E continuo a ler as cartas, os nomes, os resumos das vidas breves que vão findar:
Tadahide Hamada morre com 23 anos e lamenta-se: “Estou doente com
malária, béri-béri edematoso, mandaram-me para trás para o hospital. Não desejo
voltar para a minha companhia. A única coisa que me apetece é um nigirimeshi caseiro.”
um nigiri meshi, espécie de sushi
O estudante Toshihiro Tanabe morre de frio, nas terras e nos ventos gelados da China Central, com 26 anos, sem saber porquê.
Num poema, desabafa:
“O homem continua a viver sem esperança
Num lugar escondido
Sonhando com os anos que virão.
Estende as mãos no vento glacial
Sonhando com uma flor de fogo.
Sobrevive como uma erva de Inverno.
Sente ainda um pouco de sangue quente
Correr nas suas veias.
Apesar de ter as mãos cobertas de lama
E dos seus dias caírem no abismo do esquecimento.
(...)
Enquanto os homensn na sua solidão,
Puderem, cada um, contemplar a sua estrela
Acreditarei na liberdade do espírito
E lembrar-me-ei de que sou homem....” (p.54)
Num poema, desabafa:
“O homem continua a viver sem esperança
Num lugar escondido
Sonhando com os anos que virão.
Estende as mãos no vento glacial
Sonhando com uma flor de fogo.
Sobrevive como uma erva de Inverno.
Sente ainda um pouco de sangue quente
Correr nas suas veias.
Apesar de ter as mãos cobertas de lama
E dos seus dias caírem no abismo do esquecimento.
(...)
Enquanto os homensn na sua solidão,
Puderem, cada um, contemplar a sua estrela
Acreditarei na liberdade do espírito
E lembrar-me-ei de que sou homem....” (p.54)
Pássaros amarelos, de Wu Guoting
J.M.W. Silver, A Execução
Ouço as palavras de Genta Kamimura:
“Não fiz outra coisa no regresso senão pensar no suicídio. Mas há a minha
mãe que espera que eu regresse. Chorei do fundo do coração. Presentemente quando
estou sozinho choro. Ironia da sorte! Ironia dos homens! Fiquei aprovado no
exame para aspirante (...) neste exército que detesto. Prefiro morrer. Se não
fosse a mamã certamente ter-me-ia matado ontem. Quando tiver acabado esta vida
de cadáver vivo terei quase 30 anos.”
Enganava-se: morreu com 24 anos e nunca voltou a casa (Pg. 74).
Enganava-se: morreu com 24 anos e nunca voltou a casa (Pg. 74).
Um dos capítulos é dedicado aos kamikazé: os pilotos-suicidas. E que, na
maior parte dos casos, não queriam suicidar-se, eram escolhidos para se suicidarem.
Oda Crogh, Lanterna Japonesa
Kamikazé quer dizer “vento divino”, na velha história do
Japão. No sec XIII Kubilai, neto de Gengis Khan - senhor da China do Turquestão, da Coreia e
da Manchúria- exige vassalagem ao Japão que a recusa.
Corre o ano 1281 e Kubilai khan envia uma frota sobre o Japão. Um tufão destrói os navios. A esse tufão salvador chamaram : kamikaze, o Vento Divino que protegera o Império do Sol Nascente...
A onda, de Hiroshige
Corre o ano 1281 e Kubilai khan envia uma frota sobre o Japão. Um tufão destrói os navios. A esse tufão salvador chamaram : kamikaze, o Vento Divino que protegera o Império do Sol Nascente...
Hokusai, Dia de Vento
Estes soldados faziam parte de um corpo de comandos preparados para morrer. Vestiam-se de modo
diferente e o dólmen militar tinha apensa uma fila de 7 botões negros
enfeitados com três pétalas de flor de cerejeira...
Ichizo Hayashi é cristão e morre em Okinawa com vinte e três anos. Dias antes, escrevera à mãe, a despedir-se.
"Chegou o momento de lhe dar uma notícia muito triste. Nunca a poderei amar tanto como sou amado por si. Que irá pensar desta carta? estou desesperado e triste. (...) Terá ainda o seu filho Makio. (...) Viva com alegria. A minha alma estará sempre junto de si. As suas alegrias serão as minhas, mas, se estiver triste eu também estarei." (Pg.171)
Minoru Susuki foi queimado pela bomba atómica em Hiroshima, no dia 6 de Agosto de 1945. Resistiu uns dias no hospital, de onde escreveu aos pais:
"Teria gostado de ser um bom filho, mas já não tenho tempo; vou morrer. (...) Nunca poderei pagar a vossa dedicação e os vossos sacrifícios: vou morrer e não sei como lhes pedir desculpa. O meu corpo não tardará a estar morto, mas a minha alma ficará convosco, junto de Buda. Suplico-lhes que não chorem, pai, mãe e vós minhas irmãs! (...)
O Outono vai chegar, o canto dos gafanhotos, a floresta despojada das suas folhas e o Inverno lembrar-vos-ão a minha morte, mas não chorem."
Morreu no dia 25, com vinte anos.
O que concluir?
Da fragilidade do homem, do horror das guerras? Da constatação que, por Ásias, Áfricas, Europas e Américas... poucos podem decidir do destino de muitos?
Claro. Tudo isto é quase banal...
Resta-nos aprender o que se passa com os outros, os que sofrem como nós!
Não há monstros e assassinos "por lá"... Não há só vítimas e bons "por cá"...
A conclusão é que o homem é igual, está sozinho e sofre do mesmo modo!
* * *
Alguns filmes (dois, pelo menos), se fizeram no Japão sobre estas histórias de vidas... Histórias verdadeiras.
+ + +
Jean Larteguy:
"Nos sete botões de aluno aviador
Estão gravadas as flores de cerejeira
Voaremos hoje sobre a tempestade
Em direcção à nuvem clara que
A esperança põe no céu."
Ichizo Hayashi é cristão e morre em Okinawa com vinte e três anos. Dias antes, escrevera à mãe, a despedir-se.
"Chegou o momento de lhe dar uma notícia muito triste. Nunca a poderei amar tanto como sou amado por si. Que irá pensar desta carta? estou desesperado e triste. (...) Terá ainda o seu filho Makio. (...) Viva com alegria. A minha alma estará sempre junto de si. As suas alegrias serão as minhas, mas, se estiver triste eu também estarei." (Pg.171)
Minoru Susuki foi queimado pela bomba atómica em Hiroshima, no dia 6 de Agosto de 1945. Resistiu uns dias no hospital, de onde escreveu aos pais:
"Teria gostado de ser um bom filho, mas já não tenho tempo; vou morrer. (...) Nunca poderei pagar a vossa dedicação e os vossos sacrifícios: vou morrer e não sei como lhes pedir desculpa. O meu corpo não tardará a estar morto, mas a minha alma ficará convosco, junto de Buda. Suplico-lhes que não chorem, pai, mãe e vós minhas irmãs! (...)
O Outono vai chegar, o canto dos gafanhotos, a floresta despojada das suas folhas e o Inverno lembrar-vos-ão a minha morte, mas não chorem."
Morreu no dia 25, com vinte anos.
as folhas do ácer vermelho do Japão, no Outono
Da fragilidade do homem, do horror das guerras? Da constatação que, por Ásias, Áfricas, Europas e Américas... poucos podem decidir do destino de muitos?
Claro. Tudo isto é quase banal...
Resta-nos aprender o que se passa com os outros, os que sofrem como nós!
Não há monstros e assassinos "por lá"... Não há só vítimas e bons "por cá"...
A conclusão é que o homem é igual, está sozinho e sofre do mesmo modo!
* * *
Alguns filmes (dois, pelo menos), se fizeram no Japão sobre estas histórias de vidas... Histórias verdadeiras.
"Ouçam as vozes do Mar", filme de 1955
"Os Últimos Amigos", 1995
Jean Larteguy:
As guerras são terríveis! Ninguém sai a ganhar.
ResponderEliminarÉ uma estupidez que deixa rastos de destruição por onde passa e acredito que as pessoas que de alguma maneira foram vítimas de guerras, nunca esquecem, nem ultrapassam as marcas.
A violência não leva a nada.
Deve ser um livro muito triste, mesmo.
Um beijinho e boa viagem! :)
Há gente que sofre tanto, tanto, que é uma vergonha que nós nos queixemos por tudo.
ResponderEliminarMas hoje vai ser um dia alegre para ti, o do teu aniversário, celebrado na tua terra. Que seja um dia para recordar, beijinhos grandes.
Vinha aqui só de passagem, mas depois fiquei a ler os extractos das cartas - que mortes tão tristes e terríveis.
ResponderEliminarEspero que haja um sentido no depois que nos possa ajudar a compreender porque é que acontecem.
De seguida, volto para outro comentário diferente.
Muitos Parabéns! E que hoje esteja a ser um dia muito feliz (espero que por aí ao contrário daqui esteja sol)
ResponderEliminarum beijinho
Gábi
E eu que comprava quase todos os livros da Ulisseia, não comprei este !...
ResponderEliminarMaria João,
ResponderEliminarMuito interessante. Vou registar.
A arte e as palavras tocaram-me.
Um dia feliz.
Beijinho. :))