sábado, 5 de outubro de 2013

Tempo para viver...


O mar na Praia do Magoito

Lendo e relendo, vou continuando a descobrir coisas que me interessam. Há dias, foi uma entrevista com Matthew Crawford, Professor da Universidade da Virgínia, entrevistado por Jean-Baptiste Jacquin, para o jornal Le Monde.

Licenciado em Física, e  Doutor em História do Pensamento Político, Matthew Crawford, conta por que razão, em 2001, bateu com a porta do Instituto George C. Marshal, onde era investigador. 

Para ele foi simples escolher: “Era um trabalho bem pago, sim, mas inútil e deprimente.

Hoje continua a investigação, mas é também mecânico, reparador de motos. É nesse momento que decide abrir o atelier de reparação de motos, em Richmond, sua cidade natal.

"Aliança explosiva, diz o entrevistador, que provoca um pensamento tão original quanto percutante".


O seu primeiro livro Intitula-se "Elogio do carburador. Ensaio sobre o sentido e o valor do trabalho" (saíu em França em 2010, nas edições La Découverte), onde fala da importância do "trabalho manual" e onde Platão e Heidegger aparecem no meio dos carburadores, dos tubos de escape e das correias de ligação.



Raffaello Sanzio e os filósofos: "Escola de Atenas"


O que o preocupava e que o preocupa sempre? A atenção. O "conceito político da atenção". A capacidade de (ainda) darmos atenção ao que nos rodeia, às coisas que se passam em redor, àquilo que lemos, às pessoas: enfim, à vida!

De momento, está a escrever um livro sobre o tema, que sairá nos USA, no próximo Verão 2014.  Intitula-se: “ A atenção, um problema cultural.”

E diz: “A atenção é um bem, uma riqueza, mas gasta-se, perde-se num espaço público saturado de tecnologias que pretendem excatamente “captá-la”.

Nada pior do que os aeroportos: cartazes luminosos, écrans, números, publicidades atraem os nossos olhos, enquanto a música e as palavras saem constantemente dos alti-falantes, não nos permitindo concentrar.


aeroporto de Hong-Kong, imagem que ilustra o artigo em Le Monde 

Como isto é verdade!!! Quem não se sentiu completamente perdido, à procura dum voo, do deck onde se faz check-in, da gate das partidas ou chegadas, com aquele barulho à volta? "Achas que é já o nosso voo?"; "Afinal mudaram a hora?"; "Ainda teremos tempo?"; "Já não é a mesma porta?"

Aeroportos do futuro: Paris

Quantas corridas loucas só porque se não ouviu a nova hora do voo? Quanto cansaço?
"E o que se perde, nisto tudo?", pergunta Crawford. 

Televisores, imagens, mensagens subliminares, publicidade enganosa. Quem não sofreu esses ataques contínuos, inconscientemente?


Perdemos a capacidade de conversar e de nos abrirmos aos outros, a capacidade de raciocinar, no meio da mudança e da invasão constante do nosso espaço visual!

"É possível ainda ensinar, conversar com os alunos?", pergunto eu, preocupada com os meus colegas, atacados pelos "power-points", invadidos pelas circulares, ficheiros, relatórios:  papelada mais papelada mais papelada e "ruído" imenso que impede qualquer comunicação...

Graffiti de Desmotz, Bonecos..."Burattini"...
As minhas alunas do 12º da noite e eu, em 2006, e a conversa comunicante...


Ou protegermo-nos da invasão dos “produtos de massa que afluem de toda a parte e absorvem a nossa atenção, orientando o conteúdo dos nossos pensamentos.” 

Imagens por toda a parte, não há tempo nem para pensar.

Cabine telefónica de Bleck-le-rat

E explica por que razão o ser humano se deve proteger desses estímulos externos fortes.: "Toda a mudança no nosso espaço visual leva-nos, de modonatural, aa virar a cabeça e os olhos: é um reflexo de predador."

Como remediar? Qual, então, a finalidade do seu livro?

“O livro que estou a escrever é um grito da alma contra esta massificação dos espíritos. Para se atingir uma certa originalidade intelectual, uma certa profundidade, é indispensável levar o nosso raciocínio mais longe. Para isso, temos de nos proteger contra os demasiados estímulos exteriores.

Esses estímulos funcionam como uma droga, uma adicção, sentados numa poltrona, ou a andar apressados: “quanto mais somos estimulados, mais necessidade sentimos desse - ou de novo- estímulo”, acrescenta. 

Graffiti, Desmotz (Maniaks), "A poltrona" ( e os estímulos?)

Poe "gótico", desenho de Clarcke-Tell

Temos de evitá-los", quando são excessivos, claro. 

Conta como  deu por si, um dia, a ler um livro e, ao mesmo tempo, a ver um programa na televisão e a dar uma olhadela ao Facebook. E ... como percebeu como a sua vida, assim, era tão desinteressante.

E, logo a seguir, fala com entusiasmo, da sua "empresa" de reparações que, segundo ele, lhe permitiu recuperar a capacidade de análise e a reflexão.

“Quantas vezes, resolvo um problema de Física, enquanto arrumo as peças da moto...”

À procura da concentração perdida, contra a hiperactividade e perturbações da atenção. Ainda possível!

“Estudos científicos, continua, revelaram que a nossa memória para funcionar correctamente tem de se extrair momentaneamente do meio ambiente.”

Com a consciência dos riscos, poderemos condicioná-los. Extrairmo-nos do meio ambiente, procurando o silêncio, ou ouvindo uma música suave, o bater das ondas do mar, vendo uma paisagem que nos tranquiliza, ou "vivendo" um filme que nos traz paz de espírito e nos diverte, penso eu. 


O maravilhoso (e calmante) filme de Woody Allen, "Radio Days"

Enfim, ter tempo para viver...

a minha amiga Victoria B. que tem quase 90 anos, e eu, em Telavive (2008)

O Mar, algures no Oceano Atlântico...

“A capacidade de cada um atingir uma coerência individual está fragilizada.”

Pergunto eu : que solução temos afinal? E concluo...

aparelho TV 1958

Ter consciência do problema, acima de tudo. Falar com os mais jovens, os mais sujeitos a esse contínuo rolar de mensagens, imagens, desconcentração.

Saber “dosear” a informação. Recusar os ambientes em que existem estímulos constantes. Procurar o silêncio e o repouso de uma sala. Ter tempo para conversar com os amigos...



(Ou, como Matthew Crawford, o sossego de um atelier de reparação de motos...)

Como em todas as coisas, temos de saber “usar” os instrumentos de que nos servimos: porque são apenas instrumentos!

E as tecnologias avançadas são também instrumentos, não são vida, gente, pulsar de pensamentos e de sentimentos.

Saber dominar esses “vícios”, dominando-nos, criando horários restritivos. 

Enfim, como diria uma amiga minha “dosificando-nos”...

Bom trabalho! Atenção...

9 comentários:

  1. É verdade que para tudo na vida tem que haver a dose certa!
    Mais um excelente post que nos faz pensar.
    Nem todos conseguem ter essa capacidade de "saber olhar".

    Gostei de ver a foto da Sra. professora com as suas alunas. Recordando esse tempo, hoje, que por acaso é Dia do Professor!

    Resto de dia feliz querida sra. professora, com quem também tenho aprendido tanto!

    Um beijinho!

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    1. A Sra Professora mais velha ficou muito contente, Sra Professora mais nova! Tens de estar atenta - tu que sabes olhar! Não te deixes apanhar...pelo trabalho!
      beijinhos e bom weekend, aluna mais recente...

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  2. Maria João, nem imagina do quanto sinto falta de ter mais tempo para mim e para as pessoas que me são queridas!!

    Mas esta falta de tempo é devida ao trabalho...:)).
    Mas não deixa de ser preocupante.

    Um beijinho grande e saudoso.:))

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    1. O tempo é um predador de nós! (Que frase!!!!). Rouba-nos tudo e, como diz, até os momentos para estar com quem queremos...
      Sei que o seu trabalho é absorvente, mas é um trabalho que lhe dá coisas! Basta ir ver o seu blogue! beijinhos

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  3. Já Montaigne afirmou: " A principal ocupação da minha vida consiste em passá-la o melhor possível". É isso!
    Um beijinho, feliz domingo.

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    1. É isso! mas não é simples e até o Montaigne soube disso... Beijinhos!

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  4. “O livro que estou a escrever é um grito da alma contra esta massificação dos espíritos. Para se atingir uma certa originalidade intelectual, uma certa profundidade, é indispensável levar o nosso raciocínio mais longe. Para isso, temos de nos proteger contra os demasiados estímulos exteriores.”
    Gostei muito desta análise que fez do ruído.
    É verdade a conversa tão eficaz e necessária é adiada. Os timings para se cumprir o programa são uma pressão constante. Mede-se a qualidade pelo cumprimento do serviço. A massa intelectual fica um pouco esquecida. a imagem é a forma eficaz de chegar. O défice de concentração é cada vez maior e o treino da memória é mais raro. Perde-se o todo...
    Tanto mas tanto para dizer. Se voltasse à escola iria sentir alguma asfixia. O que é verdadeiramente importante perde-se...
    Gostei de ver as fotografias e de olhar para este registo.
    Engraçado, há coincidências interessantes, recebi da Holanda um e-mail de uma menina de 14 anos que regressou ao seu país mas não esqueceu Portugal.
    Beijinho grato.:))

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    1. Obrigada, Ana! Eu sei que se voltasse ao ensino me sentiria como diz asfixiada... Já o sentia, mas na noite podia escapulir-me e eram poucos alunos e o tempo era mais. Podíamos ainda viver! Agora, de dia é uma prisão tipo Alcatraz, e, à noite, acabou...
      Fico à espera do teu livro! beijinhos

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  5. Maria João, acerta em cheio! Nas escolas vive-se entre burocracia e frustração, não há espaço para as pessoas que moram nos alunos, nos professores e nos funcionários (agora rebaptizados de assistentes operacionais!)
    Beijinhos
    Luísa

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