quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Chaouen na memória: A viagem é o sonho?



Sonhar é viajar? Sonhei porque viajei muito? Ou viajei porque muito sonhei?

As palavras são terríveis e levam-nos por aí, mesmo sem querermos...

Na lembrança, não há palavras, porém. Vêm apenas as cores, ou os sons, ou a frescura dum cair de tarde, o bater de uma asa de andorinha que risca o espaço azul. 

Sensações de bem estar, ou uma emoção estética forte, também. A beleza o que é? É tudo, acho. E é tão variada que engloba muita coisa...

Ao abrir, por acaso, uma caixa de fotografias, saltou-me para o colo uma mancha azulada e os olhos ficaram cheios de azul. Azul no chão, azul no céu, azul nas paredes das casas, nuvens rosadas sobre o azul. 

Como era possível tanta beleza? Um mundo azul de nuvens, em que passeamos a procurar um equilíbrio porque aquele espaço não parece humano e hesitamos a pôr os pés no chão

 O Paraíso? Um mundo terrestre ou um mundo divino? Ou de sonho?

 E leio esta frase de Nietzche,  citada por Thomas Mann (*): “Queremos penetrar a razão do humano, queremos prender aquilo de que precisamos para sonhar para lá do homem”. Tão justa...

Espalhadas sobre o sofá, fico a juntar as fotografias, a separá-las, a isolar um bocadinho de céu – ou será de chão?- um pedacinho de azul, uma janela com vista para o desconhecido? Sonhar para além do homem?

É a minha cara que espreita, dentro duma fotografia, espantada. Entrará pela janela o Pássaro do Paraíso, ou virá uma asa branca cheia de rumores?

Tudo é possível, naquele momento. Tudo podia acontecer...

Perco o meu olhar no monte de fotos, espalho-as com a mão, e volto trás uns dez anos. É Chefchaouen, ou, afectivamente, Chaouen. Uma cidade quase inimaginável antes de se ver. Ao norte de Marrocos, perto de Tetouan, na cordilheira do Rif, num vale com montanhas à volta.


Há algo de mágico logo à chegada.  A suavidade das cores envolvem-nos como sedas. As mesmas que vejo penduradas nas lojas, com os colares de âmbar e pulseiras de pedras marinhas.

A Praça e a Mesquita de mármore cor de rosa, o enorme cedro no meio: parece-me estar fora do mundo.


No entanto, há vida, há esplanadas, há restaurantes! E cheira a Kebabs e a cominhos e aos doces de amêndoa. Há meninas que passeiam de braço dado ao cair da noite. As mais velhas trazem um lenço na cabeça, parece-me ver em todos os lábios um sorriso.



Sonho? Realidade? Quem sabe? É belo e isso basta-me.

Vou subindo à procura do hotel. As ruas não têm ar de ruas, sobem, sobem  e os pés parecem-me pisar algodão, por cima dos degraus caiados de branco e de azul clarinho. Fico pasmada a olhar. A noite desce.


Espreito numa casa e o azul já está lá dentro. Saio e o azul está cá fora e, se me viro para trás, sinto-me  rodeada de azul.


Tudo coberto a cal branca e a cal azul-desmaiado, superfície acetinada das paredes onde a mão escorrega com prazer.


Cidade quase sem gente. Algumas crianças vêm ver-me, curiosas. E depois fogem. Onde estarão as mães?

Sonho?

E as ruas continuam a subir e o céu parece perto. Tão perto! E tanto azul!



E penso: Ah! Um pouco mais de azul e eu era asa!

Mas entretanto tinha chegado ao hotel...

5 comentários:

  1. Que bonito texto!
    Adorei ler!
    Lindas memórias, de quem muito viajou!
    Um beijinho

    Boa noite :)

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  2. Bela história, memórias.
    Beijinho grato por esta partilha. :))

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  3. Maria João, esbarrei nas suas palvras? Ou as suas palavras invadiram a minha desesperança? Obrigada pelo texto LINDO.
    Beijinhos

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  4. Maria João, claro que sonhar é viajar e viaja-se tanto...
    Viaja-se acordado, viaja-se a dormir: sonhando e viaja-se viajando!
    Estou certa que no caso da Maria João, o sonho em qualquer das suas formas, esteve e está bem presente!
    O sonho é uma constante da vida - já o sabia e dizia Gedeão! ou...
    Pelo sonho é que vamos - outra grande verdade nos disse Sebastião da Gama.

    Não deixe de sonhar, Maria João.

    Um beijinho.:))


    Sonhei porque viajei muito? Ou viajei porque muito sonhei?

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  5. A primeira vez que a leio, por sugestão do seu marido e gostei muito. Belo texto. Obrigada pela partilha.

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