As palavras são terríveis e levam-nos por aí, mesmo sem querermos...
Na lembrança, não há palavras, porém. Vêm apenas as cores, ou os sons, ou a frescura dum cair de tarde, o bater de uma asa de andorinha que
risca o espaço azul.
Sensações de bem estar, ou uma emoção estética forte, também. A beleza o
que é? É tudo, acho. E é tão variada que engloba muita coisa...
Ao abrir, por acaso, uma caixa de fotografias, saltou-me para o
colo uma mancha azulada e os olhos ficaram cheios de azul. Azul no chão, azul
no céu, azul nas paredes das casas, nuvens rosadas sobre o azul.
Como era
possível tanta beleza? Um mundo azul de nuvens, em que passeamos a procurar um
equilíbrio porque aquele espaço não parece humano e hesitamos a pôr os pés no chão.
O Paraíso? Um mundo
terrestre ou um mundo divino? Ou de sonho?
E leio esta frase de
Nietzche, citada por Thomas Mann (*): “Queremos penetrar a razão do humano,
queremos prender aquilo de que precisamos para sonhar para lá do homem”. Tão justa...
Espalhadas sobre o sofá, fico a juntar as fotografias, a separá-las, a
isolar um bocadinho de céu – ou será de chão?- um pedacinho de azul, uma janela
com vista para o desconhecido? Sonhar para além do homem?
É a minha cara que espreita, dentro duma fotografia, espantada.
Entrará pela janela o Pássaro do Paraíso, ou virá uma asa branca cheia de rumores?
Tudo é possível, naquele momento. Tudo podia acontecer...
Perco o
meu olhar no monte de fotos, espalho-as com a mão, e volto trás uns dez anos. É Chefchaouen, ou, afectivamente, Chaouen. Uma cidade quase inimaginável antes de se ver. Ao norte de Marrocos,
perto de Tetouan, na cordilheira do Rif, num vale com montanhas à volta.
Há algo de mágico logo à chegada. A suavidade das cores envolvem-nos como
sedas. As mesmas que vejo penduradas nas lojas, com os colares de âmbar e pulseiras de
pedras marinhas.
No entanto, há vida, há esplanadas, há restaurantes! E cheira
a Kebabs e a cominhos e aos doces de
amêndoa. Há meninas que passeiam de braço dado ao cair da noite. As mais velhas
trazem um lenço na cabeça, parece-me ver em todos os lábios um sorriso.
Sonho? Realidade? Quem sabe? É belo e isso basta-me.
Vou subindo à procura do hotel. As ruas não têm ar de ruas,
sobem, sobem e os pés parecem-me pisar algodão,
por cima dos degraus caiados de branco e de azul clarinho. Fico pasmada a olhar. A noite desce.
Tudo coberto a cal branca e a cal azul-desmaiado, superfície
acetinada das paredes onde a mão escorrega com prazer.
Cidade quase sem gente. Algumas crianças vêm ver-me, curiosas. E depois fogem. Onde estarão as mães?
Sonho?
E as ruas continuam a subir e o céu parece perto. Tão perto!
E tanto azul!
E penso: Ah! Um pouco mais de azul e eu era asa!
Mas entretanto tinha chegado ao hotel...
Que bonito texto!
ResponderEliminarAdorei ler!
Lindas memórias, de quem muito viajou!
Um beijinho
Boa noite :)
Bela história, memórias.
ResponderEliminarBeijinho grato por esta partilha. :))
Maria João, esbarrei nas suas palvras? Ou as suas palavras invadiram a minha desesperança? Obrigada pelo texto LINDO.
ResponderEliminarBeijinhos
Maria João, claro que sonhar é viajar e viaja-se tanto...
ResponderEliminarViaja-se acordado, viaja-se a dormir: sonhando e viaja-se viajando!
Estou certa que no caso da Maria João, o sonho em qualquer das suas formas, esteve e está bem presente!
O sonho é uma constante da vida - já o sabia e dizia Gedeão! ou...
Pelo sonho é que vamos - outra grande verdade nos disse Sebastião da Gama.
Não deixe de sonhar, Maria João.
Um beijinho.:))
Sonhei porque viajei muito? Ou viajei porque muito sonhei?
A primeira vez que a leio, por sugestão do seu marido e gostei muito. Belo texto. Obrigada pela partilha.
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