Vou rabiscando notas,
em cadernos, caderninhos, papéis. E escrevo o que recordo, a pensar que talvez um dia -de
repente- me apareça um livro escrito!imagem do inglês
Lembrei-me da tia
Teresa, irmã da minha avó paterna. Era uma figura tão viva! A minha bisavó era uma espanhola da Estremadura - ou da Andaluzia. Viviam na Ribeira de Nisa, onde o meu pai nasceu.
O meu pai gostava de
nos dizer que a nossa bisavó devia ser da Andaluzia. Porque ele gostava mais da Andaluzia, amava os seus poetas, e gostaria de pertencer, de algum modo, a essa região cheia de
poesia e de tragédia.
Outras vezes dizia que o avô dele era um almoxarife estremenho. O meu pai gostava de contar histórias diferentes! E sorria, enquanto as contava, talvez se risse da própria imaginação.
Outras vezes dizia que o avô dele era um almoxarife estremenho. O meu pai gostava de contar histórias diferentes! E sorria, enquanto as contava, talvez se risse da própria imaginação.
A tia Teresa era viúva. Vejo-a nos vestidinhos pretos, um casaquinho e um
lenço ao pescoço, preto também. Magrinha, tinha um grande sorriso sem dentes e
uns olhos inteligentes.
Vinha do campo, cheirava a campo, trazia-nos as giestas e as estevas da Primavera. Penso que ela vinha sempre nessa estação do ano.
As mãos eram pequeninas e agitavam-se muito. Às vezes, com um lencinho bordado, limpava os lábios.
flores da Primavera (foto de R.A.M.)
Vinha do campo, cheirava a campo, trazia-nos as giestas e as estevas da Primavera. Penso que ela vinha sempre nessa estação do ano.
uma Primavera alentejana: barro de Estremoz
As mãos eram pequeninas e agitavam-se muito. Às vezes, com um lencinho bordado, limpava os lábios.
buganvílias na minha varanda
Contava histórias,
talvez da Ribeira de Nisa, já não sei. De repente, punha-se a dançar o
fandango. Não me esqueço do que nós gostávamos de a ver!
Passava-se tudo na
cozinha, porque grande parte dos nossos divertimentos foram naquela cozinha.
Ampla, com a sua janela sobre o quintal dos limoeiros do nosso vizinho e a lareira funda, que parecia encaixada na parede, com o fogão de lenha a brilhar cheio de dourados.
Era o mundo onde se
realizava a imaginação, onde surgiam as novas brincadeiras combinadas depois do jantar, quando acabássemos de ajudar
a Florinda a limpar os pratos e a arrumar a cozinha. Quanto mais cedo nos despachássemos, mais cedo começava a brincadeira!
Ali, no ladrilho
branco e vermelho, encostadas à lareira a fazer de palco, ensaiávamos as canções, os bailados, as representações e as poesias declamadas.
E ouvíamos, no rádio,
os folhetins do momento. Naquele espaço, a Florinda ria e chorava com Os Fidalgos da Casa Mourisca e a
Rosalina tremia de medo, muito nervosa, ao ouvir as peripécias do dramático
romance, A Mulher de Branco, de
Wilkie Collins.
A Florinda encostava
a mesa do lado do fogão e ficava sentada, com a cabeça apoiada na mão e um
sorriso desconfiado, sem saber se havia de rir. A Rosalina era ainda uma miúda e ria-se, um pouco nervosa, e batia as palmas connosco.
A tia Teresa
olhava-nos com os seus olhos escuros, espertos e doces, que pareciam afundados
nas órbitas, afastava uns cabelos que dançavam com ela, e chamava-nos para
dançar.
- Venham!
As perninhas magras que não paravam e os sapatos pesados faziam-nos rir. Fantástico aquele sapateado, os
pés a saltitar, ora um, ora outro, e o riso dela, enquanto um fiozinho de ouro
lhe batia no pescoço ao ritmo da dança - encantava-nos.
A tia Teresa e eu (*)
Ela puxava-nos, a rir, mas
nós, inibidas, escondíamo-nos detrás do avental da Florinda e não queríamos
dançar.
Penso que me
envergonhava, porque fui sempre tímida, mas acho que ficava com pena de não ir
saltar com ela. Os meus olhos não a largavam um minuto. Ia ou não ia? Apetecia-me tanto! E ficava a pensar:
“Por que não vou dançar?”
Ao mesmo tempo, era
espanto o que sentíamos: uma senhora daquela idade - que para nós já era velha-,
a dançar assim!
Ficou-me na memória
esta figura, de uma simpatia e uma alegria enormes, que nos trazia um mundo diferente!
(*) Legenda da fotografia: A tia Teresa atrás, ao lado do meu pai, eu estou virada para ela. Ao lado dela a avó Branca, mãe da minha mãe; à frente, ao meu lado estão as primas Rosa Luís e Lita...
(*) Legenda da fotografia: A tia Teresa atrás, ao lado do meu pai, eu estou virada para ela. Ao lado dela a avó Branca, mãe da minha mãe; à frente, ao meu lado estão as primas Rosa Luís e Lita...
Sobre o Fandango, que pertence à cultura da Península Ibérica, e depois levado para o Brasil...
leiam...
"Dança tradicional em toda a Península Ibérica, desde o século XVIII, o fandango mantém em todas as suas versões regionais algumascaracterísticas semelhantes em termos musicais, tais como o compasso ternário, tempo vivo e uma acentuação muito ritmada.
Características que, de resto, são comuns a outro tipo de danças populares, tanto em Espanha, com a malagueña, ou em Portugal, com o vira. Os instrumentos musicais utilizados são a harmónica, também chamada de"piano de cavalariça", e a gaita de beiços na Estremadura, enquanto que no Minho o fandango toca- se com a gaita de foles, as violas, clarinete, ferrinhos e pandeiro."
Gosto tanto destas histórias!
ResponderEliminarA sua tia Teresa tem mesmo um ar simpático e divertido!
Era um tempo diferente, em que a imaginação andava à solta nas histórias e nas brincadeiras. Hoje é tudo tão controlado!
Também me lembro de ouvir folhetins na rádio, porque os ouviam lá em casa.
Eram tempos diferentes...com algumas coisas piores, mas outras melhores.
Aponte tudo, para nos ir contando. Caderninhos preciosos!
Um beijinho grande e um bom domingo :)
Ó Isabel, obrigada pelas tuas palavras sempre doces! O teu caderninho é que me tem salvo, se não eram só papéis que ia perdendo por aqui e por ali... boa semana!
EliminarEntão quando esse acabar tem que ter outro :)
EliminarMenos mal que tinhas a foto da tia Teresa, porque não lhe tinhas feito justiça, siceramente. Estava a imaginar uma velhinha insignificante, e afinal era uma mulher lindíssima. Quem me dera ser assim ( mas com dentes, mesmo postiços...).
ResponderEliminarMaravilhosa história, era assim a vida das crianças de classe média, senti-me muito identificada, gostei muito, e das flores espectaculares. Ainda posso recordar a emoção com que li Os Fidalgos da Casa Mourisca!!!
Beijos grandotes
Não podia ser insignificante... E quem dança o fandango!
EliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarTal como a Isabel, delicio-me com estas histórias. Lembro-me tão bem das histórias imaginadas do Dr. Falcão, com o cigarro entre os dedos e a voz rouca carregada de palavras sonoras e musicadas. Cresci a ouvi-lo. Tenho saudades, sempre, desses tempos em que a amizade e a ternura faziam sentido.
ResponderEliminarBeijinhos
Eu sei que eras muito amiga do meu pai! Cresceste a ouvi-lo, é verdade! beijinhos
EliminarComo me acuerdo de esa fotografia y de ese dia !! , Un dia muy feliz! Claro que me acuerdo de tia Teresa !¿ No era la madre de Jacinto que siempre vivio con nosotros y ,al que yo queria con locura? !! Tanto cariño me dio !! Yo creo que si No sabia que supiera bailar !! Que sorpresa !! Me encanta que cuentes esas historias que forman parte de nosotros mismos Una no gana para sorpresas !! Que buenos tiempos !! Gracias por contar esa parte de nuestras vivencias.
ResponderEliminarLita Falcão
Alguns papeis
ResponderEliminarsão documentos
Bjs
Falcão,
ResponderEliminarfotos que contam histórias, isso é fantástico.
uma vitória que se segue e que tem muito de vc.
http://cozinhadosvurdons.blogspot.com.br/2014/03/uma-vitoria-luz-do-conhecimento.html
bjs muitos
Que recordações tão bonitas!
ResponderEliminarQue nos deixam a sorrir, mesmo não se tendo passado connosco. Tão ternurentas...
Quanta alegria...
Nas horas mais cinzentas, é a estas recordações que temos de ir buscar forças!
Um beijinho amigo e saudoso.