Pensei esta manhã: como gostava de ter sido uma pessoa
como o Tchekhov!
Admiro não apenas o escritor terno, compreensivo mas arguto,
como também a humanidade do homem que
ele foi, passe o pleonasmo. Generoso, cheio de amor e compaixão pelo outro, no
sentido literal e bom da palavra compaixão: estar junto, com amor... Não apenas por
palavras, mas por acções concretas.
Retrato pintado por Ossip Braz, grande retratista russo
Releio um livrinho com depoimentos sobre Tchekhov, um deles
de Kornei Tchukovsky, outro de Gorky, um de Vladimir Ermilov e outro da mulher de Anton, a actriz Olga Knipper.
É muito interessante esta leitura para conhecer o “outro lado” desta pessoa. Intitula-se "Tchekhov" e foi publicado pela Arcádia na colecção BAB.
É muito interessante esta leitura para conhecer o “outro lado” desta pessoa. Intitula-se "Tchekhov" e foi publicado pela Arcádia na colecção BAB.
Chukovsky, por Ilia Repin
Conta o escritor Kornei Chukovsky que o conheceu bem: “A casa dele estava sempre cheia de gente, era uma casa aberta a todas
as pessoas que ele convidava, ou apraceiam a visitá-lo. Que ele ajudava. Cada
um que chegava estabelecia-se onde queria e se não houvesse lugar, estendiam-se
esteiras no chão. Era generosidade ou necessidade da companhia que lhe faziam. Por
vezes queixava-se desta balbúrdia: Só tenho convidados, convidados, por isso
ainda não pude escrever uma linha” (p. 79).
a casa de Melikhova
Fosse na casa de Melikhova, a propriedade que comprara em 1892, ao sul de Moscovo, porque adorava o campo, as árvores que ele próprio plantou e que "tratava como filhos", segundo dizia o irmão Nicolai; fosse em Moscovo, ou na casa da Crimeia, Tchekhov “tinha uma paixão – diz Chukovsky- a paixão de receber, de ser
anfitrião, que guardou até ao fim dos seus dias.”
Moscovo Casa-Museu
Para Tchukovsky, sem esta sua abertura e desejo de convivência e de partilhar
a vida e as dificuldades dos outros “nunca teria criado essa grandiosa
enciclopédia da vida russa dos anos 1880-90, que são os contos de Tchekhov.
Quando neles chora com amargura a “maldita realidade russa” fazia sentir a
grandeza do seu poder sobre os homens”.
Tchukovsky respeita-o imenso, todo o seu artigo está cheio de pequenas coisas admiráveis que ele conta com admiração: "Tchekhov subordinou a sua existência inteira a um grande ideal de nobreza a si próprio imposto desde a juventude."
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"O que é preciso é trabalhar dia e noite sem tréguas, ler, estudar, ter vontade... o tempo é precioso!" Trabalhar...para ser melhor!
Tchekhov teve uma infância difícil, uma adolescência dura em que teve de pensar em si próprio, completamente só, sem dinheiro, em Tangarog. Deu lições para sobreviver aos 16 anos e dormia na casa de um e almoçava na casa de outro dos seus amigos. A família, com problemas de dinheiro, tinha-se mudado para Moscovo.
Anton Tchekhov nasceu em 29 de Janeiro de 1860, em Taganrog, no Mar de Azov, e morreu em Badenweiller, na Floresta Negra, onde fora tratar-se da tuberculose, em 15 de Junho de 1904. De facto, em Março de 1897, declarara-se a tuberculose.
Em 1898, depois da morte do pai, compra uma casa na Crimeia (a Sibéria quente, como ele dizia), porque se julgava que fazia bem à doença a proximidade do mar. Leva a mãe e a irmã a viver com ele. Em Yalta recebe todos os escritores que o admiram, de Gorky a Tolstoi que, antes, visitara em Iasnaya Polyana.
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"O que é preciso é trabalhar dia e noite sem tréguas, ler, estudar, ter vontade... o tempo é precioso!" Trabalhar...para ser melhor!
Tchekhov teve uma infância difícil, uma adolescência dura em que teve de pensar em si próprio, completamente só, sem dinheiro, em Tangarog. Deu lições para sobreviver aos 16 anos e dormia na casa de um e almoçava na casa de outro dos seus amigos. A família, com problemas de dinheiro, tinha-se mudado para Moscovo.
Casa-Museu de Taganrog, onde nasceu
Em 1898, depois da morte do pai, compra uma casa na Crimeia (a Sibéria quente, como ele dizia), porque se julgava que fazia bem à doença a proximidade do mar. Leva a mãe e a irmã a viver com ele. Em Yalta recebe todos os escritores que o admiram, de Gorky a Tolstoi que, antes, visitara em Iasnaya Polyana.
O escritor Gorki visitou-o muitas vezes em Yalta, na Crimeia, onde tentava curar a sua tuberculose. Conversavam horas a fio, de tudo. Tchekhov recordava, a rir, os ciúmes de Tolstoi: ciúmes que tinha de todos: queria ser ele o único, para todos!
E é sobre todas estas conversas e momentos que Gorky escreve um montinho de páginas inesquecível!
Tchekhov conservava os sonhos e gostava de falar neles. Sonhos para o mundo,
sonhos para os humanos...
“Estou a aborrecê-lo com os meus sonhos?, perguntava ele a
Gorky. Gosto de falar neles.”
Gorky, em poucas páginas, faz um retrato magnífico! O seu amor pela vida, pela diversão, pela brincadeira - que ele compara ao de Dickens...
A sua procura de justiça, a tentativa de "melhorar-se" sempre. "Dominar-se, educar-se..." (p.134)
As pessoas educadas "não se humilham para suscitar piedade", recomenda aos irmãos numa "carta" (...) "não intrigam" (...) "se têm um talento, respeitam-no"...
"Todos devemos evitar ser injustos", recomendava aos irmãos. Tinha horror ao despotismo que era o do pai, à violência (todos os dias pensava, logo de manhã: "o pai vai-me bater?")
Não pesar sobre os outros : "morrer sem incomodar ninguém". A preocupação ética -hoje tão fora de moda! "Deve-se libertar a alma da mesquinhez, alcançar a doçura, dominando-se" (p.135)
Para ele a "vontade" humana era essencial, e é um tema constante na sua obra: "adoptem uma estética, uma vontade poderosa".
Critica o modo de viver dos seus contemporâneos: "Senhores, viveis mal!"
A sua lição de vida penso que é esta: tudo é possível se nós quisermos, se fizermos o esforço necessário para isso - e nos "vencermos", sem nos entregarmos às fraquezas.
Trabalhou duramente como médico, deslocava-se às suas custas para ir visistar os doentes, longe, debaixo de neve, sem nunca hesitar.
"Todas as manhãs à porta da casa já estava uma fila de gente à espera do doutor". Porque ele os tratava bem, lhes falava, os ensinava.
A sua procura de justiça, a tentativa de "melhorar-se" sempre. "Dominar-se, educar-se..." (p.134)
As pessoas educadas "não se humilham para suscitar piedade", recomenda aos irmãos numa "carta" (...) "não intrigam" (...) "se têm um talento, respeitam-no"...
"Todos devemos evitar ser injustos", recomendava aos irmãos. Tinha horror ao despotismo que era o do pai, à violência (todos os dias pensava, logo de manhã: "o pai vai-me bater?")
Não pesar sobre os outros : "morrer sem incomodar ninguém". A preocupação ética -hoje tão fora de moda! "Deve-se libertar a alma da mesquinhez, alcançar a doçura, dominando-se" (p.135)
Para ele a "vontade" humana era essencial, e é um tema constante na sua obra: "adoptem uma estética, uma vontade poderosa".
Critica o modo de viver dos seus contemporâneos: "Senhores, viveis mal!"
A sua lição de vida penso que é esta: tudo é possível se nós quisermos, se fizermos o esforço necessário para isso - e nos "vencermos", sem nos entregarmos às fraquezas.
Trabalhou duramente como médico, deslocava-se às suas custas para ir visistar os doentes, longe, debaixo de neve, sem nunca hesitar.
"Todas as manhãs à porta da casa já estava uma fila de gente à espera do doutor". Porque ele os tratava bem, lhes falava, os ensinava.
“Falava do fundo do
coração, com seriedade e sinceridade, mas de repente era capaz de troçar do que
dissera e de si próprio. É nessa doce e melancólica troça sentia-se o
cepticismo subtil do homem que sabe o que valem as palavras, os sonhos; sob
essa troça escondia-se também uma modéstia encantadora, uma delicada
sensibilidade.” (p.12)
Conta Gorky:
“O dia estava claro e quente; as cigarras sussurravam (...). Ao
fundo, um cão satisfeito ladrava alegremente:- É vergonhoso e triste, mas é a verdade! Há muita gente que
inveja os cães...”
E seguem-se várias histórias, várias conversas. Um dia, um jovem professor veio do interior do país ver Anton
Tchekhov. Gorky recorda esse encontro, com pormenores.
Tímido, vem e fala-lhe num tom de respeito, cheio de frases filosóficas e
de floreados de estilo, todo “cheio de vento”. Assim passam uma tarde inteira. Tchekhov ouve, mas também pergunta muito. Quer saber como vivem os professores. E os alunos? Ouvira que, naquela região, batiam nos alunos.
"É verdade que batem nos alunos?" Ele quer saber. Ele queria sempre saber dos outros.
O professor protesta, diz que ele nunca bateu nos seus alunos mas tinha um colega, que sim. E lamenta a sorte dos professores:
"Pobres, muitas vezes tuberculosos, com mulher e filhos e mal pagos, a habitar num compartimentozinho da cave da escola, sem conforto e mal aquecido..."
Houve um pobre e desgraçado que, desesperado com a vida, um dia se enervou e excedeu-se...
"Pobres, muitas vezes tuberculosos, com mulher e filhos e mal pagos, a habitar num compartimentozinho da cave da escola, sem conforto e mal aquecido..."
Houve um pobre e desgraçado que, desesperado com a vida, um dia se enervou e excedeu-se...
Diz o professor a Tchekhov: "Com esta vida, estes sofrimentos, até se pode bater num anjo sem razão. E os nossos alunos não são anjos..."
O professor, no final, diz-lhe comovido: “Vim à sua casa como quem vem procurar um
chefe, vim tímido e a tremer. Falei “cheio de vento” porque queria mostrar que
não era um pobre diabo qualquer. E deixo-o como um amigo querido, que
compreende tudo”.
E acrescenta:
"É uma grande coisa a compreensão do outro! Foi uma bela e boa lição. Fiquei a saber que os homens a sério, de escol, são simples, mais compreensivos, mais perto de nós pelo coração do que essas nulidades no meio das quais vivemos e se dão ares. Nunca o esquecerei!"
E acrescenta:
"É uma grande coisa a compreensão do outro! Foi uma bela e boa lição. Fiquei a saber que os homens a sério, de escol, são simples, mais compreensivos, mais perto de nós pelo coração do que essas nulidades no meio das quais vivemos e se dão ares. Nunca o esquecerei!"
Depois de ele sair, Tchekhov sorri e comenta: "Uma boa pessoa. Não ensina muito tempo... - Porquê?, pergunta Gorky. - Será perseguido...expulso." (p.16)
Da Ucrânia, Gorki escreve-lhe sobre o conto “Na ravina”: “Acabo de ler o seu conto a uns camponeses. Gostava que visse como foi belo esse momento. Os ucranianos puseram-se a chorar. E eu chorava com eles.” p.92
Da Ucrânia, Gorki escreve-lhe sobre o conto “Na ravina”: “Acabo de ler o seu conto a uns camponeses. Gostava que visse como foi belo esse momento. Os ucranianos puseram-se a chorar. E eu chorava com eles.” p.92
É uma constante essa comoção que Gorki sente ao ler o
escritor. “Quantos momentos deliciosos vivi com os seus livros, quantas vezes
chorei ao lê-los, eu que sou um homem duro.”
Um homem duro pode ter um coração grande como o de Gorki! Eu, que não sou um "homem duro", farto-me de engulir as lágrimas, ao lê-lo. Contos, peças...
Lembro os amigos, o grande pintor Isaac Levitan que tanto conviveu com ele em Moscovo, as idas às galerias, a injustiça para com a pintura de Levitan da parte dos críticos.
Penso na sua "Gaivota", a actriz Olga Knipper com quem casa, tarde, em 1901, com quem pouco convive: ela, actriz, em Moscovo, ele, doente, em Yalta. Mas, em 1904, quando ele morre, ela está ao seu lado.
Anton sente-se mal, ela consegue chamar um médico. Badenweiller é uma cidade alemã, de termas, tranquila, e nesse fim de tarde, havia pouca gente no hotel.
Ele diz em alemão quando o médico chega: "Estou a morrer..."
O médico dá-lhe uma injecção de cânfora e aconselha champagne. Tchekhov bebe um pouco, encosta-se e morre.
"Como uma criança que tivesse adormecido", conta Olga. E, sozinha, vela-o toda a noite.
Ver as suas peças em Moscovo, no Teatro Maly, foi algo de tão magnífico que ainda hoje me parece mentira. Seguir, no palco, com cores suaves, a frágil silhueta de Nina, a gaivota, as suas emoções e sofrimento e observar o drama das outras personagens, era comovente! Vivíamos com eles, intensamente, o papel que representavam, sofríamos, mesmo sem entendermos o russo que falavam...
Comovi-me, depois, ao pé da sua tomba simples, simples, no cemitério Novodevitchy de Moscovo.
"O meu santo dos santos é o corpo humano, a saúde, a inteligência, o talento, a inspiração, o amor, a liberdade mais absoluta".
Como não estar de acordo com o bom Doutor Tchekhov?
Lembro os amigos, o grande pintor Isaac Levitan que tanto conviveu com ele em Moscovo, as idas às galerias, a injustiça para com a pintura de Levitan da parte dos críticos.
Penso na sua "Gaivota", a actriz Olga Knipper com quem casa, tarde, em 1901, com quem pouco convive: ela, actriz, em Moscovo, ele, doente, em Yalta. Mas, em 1904, quando ele morre, ela está ao seu lado.
Ele diz em alemão quando o médico chega: "Estou a morrer..."
O médico dá-lhe uma injecção de cânfora e aconselha champagne. Tchekhov bebe um pouco, encosta-se e morre.
"Como uma criança que tivesse adormecido", conta Olga. E, sozinha, vela-o toda a noite.
Ver as suas peças em Moscovo, no Teatro Maly, foi algo de tão magnífico que ainda hoje me parece mentira. Seguir, no palco, com cores suaves, a frágil silhueta de Nina, a gaivota, as suas emoções e sofrimento e observar o drama das outras personagens, era comovente! Vivíamos com eles, intensamente, o papel que representavam, sofríamos, mesmo sem entendermos o russo que falavam...
Comovi-me, depois, ao pé da sua tomba simples, simples, no cemitério Novodevitchy de Moscovo.
"O meu santo dos santos é o corpo humano, a saúde, a inteligência, o talento, a inspiração, o amor, a liberdade mais absoluta".
Como não estar de acordo com o bom Doutor Tchekhov?
eu, ao lado do túmulo de Tchekhov, em Moscovo
A Maria João É essa pessoa que diz que gostaria de ter sido: generosa, boa, humana, amiga! É uma das melhores pessoas que conheço!
ResponderEliminarAdorei ler sobre Tchekhov. Essas ( como ele) são as verdadeiras pessoas, as que vale a pena conhecer, nos livros e na vida real!
Gostei imenso da pintura em tons de azul que aqui colocou. E da sua fotografia!
Um beijinho grande com carinho :)
Gostei muito deste post, adoro Tchekhov e não o conhecia humanamente, fiquei satisfeita de que fosse tão boa pessoa, por isso e pela vida difícil que viveu de jovem conseguiu criar os personagens que criou e ser como foi. Há grandes artistas que como pessoas são uns impresentáveis, e embora sejam duas coisas independentes, penso que sempre é reconfortante saber que os génios também o são na sua forma de ir pela vida.
ResponderEliminarFeliz dia, com este sol radiante.
Beijinhos
Bom dia de sol, Maria! Que os raios de sol de Cadiz te protejam... Aqui está bonito também e o Dr. Tchekhov dá vida a um morto.. Pelo menos, a um doente dava! Um beijo
EliminarTu é que és boa como o pão! E grande amiga dos teus amigos. Obrigada, sempre, querida professora de todas as crianças : estava-me a sentir uma criança... beijos
ResponderEliminarIsabel, boa como o pão como dizem em Itália; esqueci-me de dizer que a capa azul é de uma edição romena, mas não sei mais nada,.. Bom finde!
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