"Já no largo Oceano navegavam,
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Das naus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando.”
Os Lusíadas, CANTO VI
Os Lusíadas, CANTO VI
Archip Kuinji, Luar no mar
Joseph Conrad
“No céu negro, as estrelas surgiram brilhando sobre um mar cor de tinta da china que, salpicado de espuma, lhes reenviava estilhaços de uma brancura evanescente nascida do escuro turbilhão das ondas. Longínquas, do mais profundo da sua calma eterna, brilham as estrelas, duras e frias, por cima do tumulto¸ de todos os lados, o seu grupo envolvia a tormenta do navio vencido: mais cruéis do que os olhos de uma multidão triunfante e mais inatingíveis do que o coração dos mortais.” (Joseph Conrad, "Le nègre du Narcisse", Livre de Poche, pg 118)
Livro com algo de inquietante, pelas descrições e pelo 'encenar' de uma vida fechada num mini-cosmos: o do navio 'Narciso'. Na sua viagem de regresso a Londres, em Bombaím, é recrutada nova tripulação. A viagem abre-se numa incógnita, o livro vai-se lendo sem largar...
Desconhecidos uns dos outros, na maior parte, vão-se espreitando, desconfiados. O narrador vai incluir-se na tripulação do navio, sem nunca dizer o seu nome. Há ali nórdicos, ingleses, americanos – e, todos, de repente, se vêem perdidos, reféns do mar em fúria.
É das tempestades do mar que fala, pois das que são da vida ele não fala - mas nós adivinhamo-las.
John Constable, Nuvens de Chuva
Desconhecidos uns dos outros, na maior parte, vão-se espreitando, desconfiados. O narrador vai incluir-se na tripulação do navio, sem nunca dizer o seu nome. Há ali nórdicos, ingleses, americanos – e, todos, de repente, se vêem perdidos, reféns do mar em fúria.
É das tempestades do mar que fala, pois das que são da vida ele não fala - mas nós adivinhamo-las.
Josph Maillord William Turner, Tempestade
Ódios surdos que surgem do nada, desconfianças, invejas, tudo vai girar em redor do negro, o americano James Waits, o último a entrar no barco, carregando um saco e um cofre de madeira cheio de coisas cobiçáveis.
Ninguém sabe de onde vem. Ele diz apenas: "Eu sou do navio"...
Apesar de forte e saudável na aparência, logo nos primeiros dias, se “dá” por doente dos pulmões, não larga a cama e, pouco tempo depois, diz-se em estado grave, com a morte por perto...
Em torno dele, geram-se medos e atracções porque um homem que caminha com a morte ao lado (como diz o narrador) é de recear. Devemos tentar “tê-la” do nosso lado.
E, durante toda a viagem, a morte vai rondar o barco e os homens e está presente em todas as cenas mesmo que nunca referida. O regresso a terra firme quando será? Se é que será um dia...
Ninguém sabe de onde vem. Ele diz apenas: "Eu sou do navio"...
Apesar de forte e saudável na aparência, logo nos primeiros dias, se “dá” por doente dos pulmões, não larga a cama e, pouco tempo depois, diz-se em estado grave, com a morte por perto...
William Turner
E, durante toda a viagem, a morte vai rondar o barco e os homens e está presente em todas as cenas mesmo que nunca referida. O regresso a terra firme quando será? Se é que será um dia...
William Turner
O que me lembrou o livro? Os perigos das tempestades vividas noutras leituras. Turner. E Camões. Sim, o Camões d’ "Os Lusíadas", da tempestade, do Adamastor, de tantos episódios arrastados de canto para canto em que o homem, pobre mortal, “bicho da terra tão pequeno”, luta.
Perigos iguais são os destes marinheiros, iguais a angústia, o medo, o sentimento de abandono por parte do céu – o “céu sereno”, indiferente e frio, de que fala o nosso poeta. Indiferente mesmo na beleza e colorido do vermelho do sol nascente, depois da tempestade.
No alto, as estrelas brilham frias e longínquas na sua beleza, tal qual as “vaghe stelle dell’Orsa”, perdidas, de que fala Giacomo Leopardi.
Turner, Sol nascente
No alto, as estrelas brilham frias e longínquas na sua beleza, tal qual as “vaghe stelle dell’Orsa”, perdidas, de que fala Giacomo Leopardi.
Os deuses não se interessam, o homem está entregue a si próprio e à sua pequena grande força. É essa força, esse desespero que os mantem vivos, atados com as cordas ao navio, quando este quase é engolido pelas águas negras; quando a carga e os mantimentos são levados borda fora pelas vagas que varrem o convés de lado a lado, entram pelos camarotes, vão até ao profundo do navio, e destroem tudo...
William Turner, Naufrágio
John Constable, Nuvens (estudo)
Depois, vem a pequena grande força do capitão e do imediato quando - já longe os ventos e debaixo do sol ardente- os marinheiros ameaçam amutinamento e um homem na sombra, um desertor de outro barco, covarde e provocador, mexe os cordelinhos destes “puppazzi” involuntários.
E o capitão e o barco 'Narciso' vencem. "Vencem", porque 'Narciso' é uma das personagens principais da história…
E o capitão e o barco 'Narciso' vencem. "Vencem", porque 'Narciso' é uma das personagens principais da história…
E o negro do Narciso? Oh, ele é só mais um boneco, ao sabor tempestade, um "bicho da terra tão pequeno", com a morte empoleirada no ombro…
Quem era Joseph
Conrad?
De seu nome Józef Teodor Nalecz Korzeniowski é um escritor nascido e educado na
Polónia, mas britânico de adopção. Nasce em 3 de Dezembro de 1857, na Polónia e
morre a 3 de Agosto de 1924 em Bishopbourne, na Inglaterra.(wikipedia)
Entre o primeiro livro, Coração de Trevas (Heart of Darkness) e o último, The Rover (1923) sucedem-se muitos livros que vale a pena ler!
http://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Conrad
http://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Conrad
Gostei muito de ler o post, e adorei as pinturas escolhidas. Lindas!
ResponderEliminarUm beijinho grande:)
Que maravilha as associações com o texto.
ResponderEliminarGostei muito.
Beijinho. :))