O
cante alentejano foi hoje considerado pela UNESCO Património Imaterial da
Humanidade!
Que
algo de “imaterial”, como um canto, seja património do mundo é muito bom. Que seja o imaterial cante da miha terra, ainda melhor! Inútil dizer-vos que gostei muito.
Um
cantar cujas origens são ainda desconhecidas mas que, possivelmente, estarão ligadas às "liturgias" judaicas e árabes e cristãs. (*)
Talvez um dia se saiba, mas mesmo sem saber fico contente pois são duas raízes da nossa identidade, queixe-se lá quem quiser. Quando me falam das nossa raízes célticas, aí já desconfio…
Talvez um dia se saiba, mas mesmo sem saber fico contente pois são duas raízes da nossa identidade, queixe-se lá quem quiser. Quando me falam das nossa raízes célticas, aí já desconfio…
Por
alguns considerado “matriz” do nosso povo, é evidente que não é matriz única. Com
a complexidade que essas coisas têm.
Hoje
foi “valorizado” o cante do Alentejo, a nível mundial, como merece. E fico
feliz!
o cante em Monsaraz
o cante, grupo do Redondo
Penso
nos meus amigos alentejanos, nos emigrados para fora da sua terra saudosa e
imigrantes noutros lugares do país nem sempre bem recebidos. Estrangeiro é
estrangeiro e o racismo começa logo no nosso patamar, como diz o meu amigo
Manuel.
Bem
recebidos, mal recebidos – como outros portugueses fora do seu canto, ou como
outros seres fora do seu habitat, do seu calor… - recolheram-se com os seus gostos e as suas
comidas e seguiram em frente. Talvez cantassem ás vezes as suas saudades...
"Menina(o) e moça(o) me levaram de casa de meus pais para longes terras". Já o "cantava" Bernardim Ribeiro, alentejano...
"Menina(o) e moça(o) me levaram de casa de meus pais para longes terras". Já o "cantava" Bernardim Ribeiro, alentejano...
Não
posso deixar de vos contar uma história real. Mais uma anedota de alentejanos?
A verdade é que o alentejano é o primeiro “criador” dessas anedotas…
Há
muitos alentejanos na zona onde vivo, espalhados pelos aglomerados que se
criaram na segunda linha: Caparide, São Domingos de Rana, Tires e mesmo em São João
do Estoril, até Cascais.
Na
minha escola havia muito miúdo que ainda não perdera –nem nunca perderá o seu
sotaque, porque é para sempre: a mim bastam-me uns dias no Alentejo, uma
emoção, eu que vivi tantas décadas fora do país, começo a um “falar alentejano”
suave.
Esta
miudagem dos estoris, que é o que é, muitas vezes gostava de ridicularizar os
colegas alentejanos. Logo nas primeiras aulas:
Se
algum deles fazia uma asneira, logo a classe ria: “Stora, não ligue, é
alentejano, é chaparro!”
E, ainda: “É martunto! Vem lá do Alentejo
profundo!” E tudo acompanhado de grandes gargalhadas do público já “conquistado”…
Chaparral
vinha a propósito e despropósito de tudo. Irritava-me aquilo. Era uma turma de
9º ano, já tinham idade para entender…
O Bruno refilava forte, mas o Albano calava-se no seu cantinho, murado na timidez.
O Bruno refilava forte, mas o Albano calava-se no seu cantinho, murado na timidez.
O
que fazer?, pensava. Discursos a sério entravam-lhes
por um ouvido e saiam pelo outro.
Tentei
falar todos os dias de alguma coisa do Alentejo. Trazia um escritor alentejano
para lhes ler, uma poesia de José Duro, falava dos contos de Brito Camacho,
menos conhecidos mas tão cheios do espírito
do Alentejo, um boneco de barro de Estremoz, uma paisagem ou pintura que representasse um momento da vida
alentejana. Falava das planícies infindáveis e da solidão dos montes. Os pastores, os ceifeiros, os ganhões, os "malteses" - de tudo lhes contei. Da dureza dos verões escaldantes, da pobreza daquelas gentes.
Mas
acho que o que os convenceu foi quando, desesperada e já cansada de tantas “técnicas”, disse: “Eu
sou alentejana, e gosto muito de ser alentejana!”
Ia
vindo a turma abaixo, de espanto. Eram ainda ingénuos os meus alunos e, como
tal, espantaram-se: “O quê? A stora é alentejana? Não pode ser…”
Contei-lhes
um pouco da minha vida: Portalegre onde nasci, as pessoas que vi por lá, a dificuldade
de se partir de um sítio, a tristeza de se ser recebido mal noutro. Enfim, foi
uma tentativa.
Disse-lhes, no final da aula:
“Agora vão ver o que descobrem sobre a minha cidade. E sobre o Alentejo.”
Sem o esperar, na verdade, resultou.
Nos dias seguintes houve um entusiasmo pela região do Alentejo. O Bruno e o
Albano respiravam fundo, falava, à vontade. De vez em quando lá vinha um “olha
o alentejano!” mas era já dito de outra maneira…
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cante_Alentejano
Bibliografia:
1) Michel Giacometti, Fernando Lopes Graça: MÚSICA REGIONAL PORTUGUESA, PORTUGUESE FOLK MUSIC, volume 4, ALENTEJO; PORTUGALSOM, Discoteca Básica Nacional, Projecto Discográfico do Ministério da Cultura, editado por Strauss - Música e Vídeo S.A.; 1998
1) Michel Giacometti, Fernando Lopes Graça: MÚSICA REGIONAL PORTUGUESA, PORTUGUESE FOLK MUSIC, volume 4, ALENTEJO; PORTUGALSOM, Discoteca Básica Nacional, Projecto Discográfico do Ministério da Cultura, editado por Strauss - Música e Vídeo S.A.; 1998
2) João Ranita da Nazaré. Momentos Vocais do Baixo Alentejo: Cancioneiro da Tradição Oral. [S.l.]: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1986
Nota: O "Cante" é um canto colectico, profano, que acompanha os trabalhos da lavoura, ou os repousos, nas festas, em grupo.
Virá dos antigos "Modos" gregos (formas de organizar os sons), dos cantos sacros da liturgia cristã?, ou é um "cante" em correlação com as práticas rituais judaicas (estudo em 1960 revelou características vocais semelhantes às dos cantos cerimoniais sefarditas)?, influências árabes, pela maneira de ornamentar o canto sobretudo dos solistas? Deixo aqui algumas sugestões de "trabalho"...
Virá dos antigos "Modos" gregos (formas de organizar os sons), dos cantos sacros da liturgia cristã?, ou é um "cante" em correlação com as práticas rituais judaicas (estudo em 1960 revelou características vocais semelhantes às dos cantos cerimoniais sefarditas)?, influências árabes, pela maneira de ornamentar o canto sobretudo dos solistas? Deixo aqui algumas sugestões de "trabalho"...
(*) Nuno Guerreiro Josué: “Foi nas sinagogas
sefarditas que encontrei melodias que me faziam de imediato lembrar as “modas”
alentejanas das terras dos meus país.
As semelhanças encontram-se no
todo, mas elas notam-se principalmente em pontos de contacto muito específico –
o maior dos quais a sua forma “responsiva”, pois tanto na oração judaica como
no cantar tradicional alentejano há um “líder” e um coro que responde.
Bibliografia geral:
1) Michel Giacometti, Fernando Lopes Graça: MÚSICA REGIONAL PORTUGUESA, PORTUGUESE FOLK MUSIC, volume 4, ALENTEJO; PORTUGALSOM, Discoteca Básica Nacional, Projecto Discográfico do Ministério da Cultura, editado por Strauss - Música e Vídeo S.A.; 1998
2)
João Ranita da Nazaré. Momentos Vocais do Baixo Alentejo: Cancioneiro da
Tradição Oral. [S.l.]: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1986
Sem muros nem amos
ResponderEliminaro belo cante
Parabéns, Maria João.
ResponderEliminarGosto muito do cante alentejano e do Alentejo. :))
Memórias bonitas.
Os bonequinhos são uma maravilha!
Beijinho.
É uma boa lição de pedagogia de compromisso e relação. Eu acredito que é só assim que se educa...
ResponderEliminarBeijinhos e saudades
Gostei imenso deste post e gostei muito do vídeo. Este andar ritmado, ao som da melodia, é muito bonito.
ResponderEliminarFiquei muito contente com este acontecimento, por isso imagino que a Maria João como adora o "seu" Alentejo esteja muito mais feliz!
É bom!
(Estive a espreitar os livros da estante, da foto, mas consegui perceber poucos títulos...)
Um beijinho grande e bom fim-de-semana:)
Parabéns enquanto Alentejana (eu tenho uma costela porque o meu avô paterno também era, de Serpa :)
ResponderEliminarum beijinho grande
Gábi
E gostei muito deste texto.
ResponderEliminarum beijinho
Gábi