segunda-feira, 20 de abril de 2009

A minha ilha













A minha Ilha



Sentada no jardim, imaginava os pássaros de todas as cores que esvoaçavam pela ilha, volteando, fazendo barulho e, de repente, se calavam, misteriosamente, quando a chuva caía.

Os pássaros amarelo-e-verdes, que eu via construir os ninhos, entrelaçando fitas de andala, como pequenos cestos que depois baloiçavam nos ramos arqueados da buganvília, ou nos braços doces da goiabeira. Que num instante desfaziam o trabalho meticuloso de tantas horas para irem buscar outro poiso, deixando o ramo de onde pendiam despido e sem vida. Os que saltitam, de arbusto em arbusto, fazendo estalar a comprida cauda negra, fina e móvel: os truqui sum deçu, os passarinhos de Deus que, segundo a lenda são-tomense, vão de manhã acordar o Senhor nos céus.
Lá longe, na floresta, está o ôssobô e o seu canto mavioso que anuncia as chuvas. Perto, na praia Gamboa, na pobreza e no cinzento de tantas vidas fechadas, a poesia das garças brancas, o leve bater de asa suspenso sobre o verde-vivo do capim. E os pássaros azuis. E os vermelho-e-negros. Os infinitos pássaros sem nome que alegram a ilha.

Ao cair do dia, no meu jardim, emocionavam-me os crepúsculos rubros, o desenho fino dos coqueiros, sombras estilizadas a escurecer até ao horizonte, onde se confundiam, em linhas sobrepostas, de contornos arredondados, com a bruma da floresta montanhosa, o misterioso ôbô.
O jardim molhado cheira a terra, a ervas, a flores.
Punha-me a imaginar baía, a balaustrada branca que acompanha o Água Grande e segue, depois, à beira do mar azul-turquesa, pela estrada Marginal, onde as raízes curvas e grossas dos caroceiros rebentam as pedras dos passeios. Os caroceiros têm folhas verdes, de cetim brilhante, na estação das chuvas, e douradas e vermelhas, estriadas de roxo, no fim da Gravana.

Ao pé dos barcos ferrugentos, encalhados há muito, erguem-se as acácias vermelhas com seus ramos horizontais, abertos. E, sempre, a baía na beleza calma, eterna, parada, qual branco vidro coalhado onde pairam barcos.

E pensava que nunca esqueceria a minha ilha.
Via-me a acordar, na noite de qualquer cidade longínqua, a fixar o horizonte, de olhar perdido, à procura dos céus enevoados da minha África. Os céus de fogo, com as árvores da papaia esboçadas a tinta negra. Os coqueiros a inclinarem-se suavemente, as altivas palmeiras imperiais, agitando os ramos, loucas despenteadas.

Com a saudade, viriam as imagens o cheiro da terra molhada, cheiro a queimado e a especiarias, acre e doce, indistinto mas inconfundível, que me envolveu no primeiro dia, a meio do calor sufocante da noite, da confusão de malas, de gritos e empurrões, de risos e de cores.

Voltariam as gentes da minha casa, os gritos da Milly, as gargalhadas roucas da Dáy, o murmúrio arrastado da voz da Nina, os amuos do Sr. Semedo, as malandrices do Wildger e do Maiquel...

E surgiria, como da primeira vez, a imagem da Baía Ana de Chaves na noite, com as águas escuras, impenetráveis, cheias de reflexos coloridos dos barcos e das luzes amarelas dos velhos edifícios da Alfândega.
Ao fundo, a linha do horizonte que era um risco negro no azul-escuro do mar.






1 comentário:

  1. Devia haver, livree exclusiva, uma ilha para cada mulher tecida de sonhos sensíveis. Sorte a de quem as memórias...

    Beijos

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