sábado, 18 de abril de 2009

O mistério Salinger



























Música sobre The catcher in the rye

http://www.youtube.com/watch?v=jMJxjDh5aH0


Canção sobre um mundo maravilhoso, de Stacey Kent






Jerome David Salinger nasceu em New York, na Park Avenue, no dia 1 de Janeiro de 1919, filho de um rico comerciante judeu e de mãe de ascendência irlandeso-escocesa.

Frequentou escolas públicas na infância e adolescência e foi, depois, estudar para a Academia Militar de Valley Forge, que frequentou de 1934-1936. Continuou os estudos na Universidade de New York, e na de Columbia, e aí começou a escrever contos para os jornais. Vai completar a sua formação na Europa: Londres, Viena, Paris, Varsóvia.

Por volta de 1940 tinha publicado histórias em vários jornais, incluindo the Saturday Evening Post.
Fez parte da 4ª Divisão de Infantaria como voluntário, na Segunda Guerra Mundial, prestou serviços de contra-espionagem em Inglaterra, estando em serviço em Tiverton, Devon, UK, em Março de 1944, experiência que lhe inspirou mais tarde a história For Esme -with Love and Squalor. Participou na invasão da Normandia, em 6 de Junho de 1944, onde assistiu a algumas das cenas mais sangrentas dessa guerra. Regressou aos Estados Unidos em 1946.

Depois de muitas recusas, Salinger publicou a sua primeira história no New Yorker, em 1948. E escreveu, quase exclusivamente, para esse jornal até 1965. O seu último relato conhecido é Hapworth, 16, 1924 (1965).


No entanto, Salinger é conhecido sobretudo pela novela, The Catcher in the Rye (1951), a história do adolescente, Holden Caulfield, que, expulso do colégio interno (na Pennsylvania), sem coragem para enfrentar os pais, anda "fugido" três dias, em New York.

Ao longo desses dias e noites consegue preservar a sua inocência apesar das várias aventuras em que se perde.
A linguagem viva e coloquial da narração, contada na primeira pessoa, os seus ataques ao mundo adulto e o olhar familiar-sentimental que encontramos na sua ternura pela irmã, Phoebe, tornou a novela muito popular e apreciada pelo público jovem.

Figura de adolescente inesquecível que, acima de tudo, não quer crescer e se choca com o mundo dos adultos. Como inesquecível é a irmã, Phoebe, criança adorável, inteligente, a única pessoa em que ele confia. Numa dessas noites, em fuga, volta a casa, na ausência dos pais, e o diálogo entre eles é é revelador dessa proximidade e grande ternura mútua.


Diz Caufield:
- Sabes o que eu gostava mesmo de fazer na vida? se me deixassem escolher? Lembras-te daquela canção que dizia se um coração encontra um coração que vem através do campo de centeio...

- Não é assim, corrige Phoebe, é "se um corpo encontra um corpo que vem através do centeio..." e diz-lhe que é um poema de Robert Burns. Ele sabia.

- Pois. Imagina todas aquelas crianças que brincam a não-sei-quê, no campo de centeio e tudo o resto. Milhares de criancinhas e ninguém a tomar conta delas, quer dizer ninguém que seja adulto -só eu. E eu estou à beira daquela porcaria da falésia. E só tenho que os agarrar se se aproximam demasiado da beira.Quer dizer, se correm sem olhar para onde vão, eu, atento, apanho-os! Era capaz de fazer isso o dia inteiro. Seria uma "apanha-corações" e mais nada..."

Esse mesmo Caufield que, depois de dar voltas e voltas a pé no parque a ver os patos do lago, diz ao motorista do taxi que o leva numa das noites por Nova Iorque:
- "Para onde vão os patos no Inverno, quando o lago de Central Park gela? Voam? alguém vem buscá-los e os leva?"
O homem vira-se para trás, furioso:
- És maluco? Sei lá eu! Nunca pensei nisso! Ainda se perguntasses pelos peixes..."

O jovem Caufield não quer crescer. Vai comprar um disco para oferecer a Phoebe com uma canção (Little Shirley Beans) que fala de uma menina que, quando lhe caem os dois dentes da frente, se fecha em casa porque tem vergonha.
A letra da canção é simbólica, porque é como uma imagem da infância, da inocência que inevitavelmente se vai perder ao correr dos anos e que Caufield não quer aceitar. Ele gostaria de parar o tempo, evitar a realidade que é o crescer, ficar adulto. Compra o disco e passeia-se com ele até que escorrega e o disco se parte em vários bocados, como se o "sonho" de não crescer se quebrasse e afinal não fosse possível...

Depois, segue-se a história-sequência, em vários livros, consagrada à excêntrica família Glass que começa com o conto A Perfect Day for Bannafish (Dia Perfeito para o Peixe-banana), publicado em 1949 no New Yorker, em que aparece pela primeira vez a figura de Seymour Glass que será o herói de outras histórias -contadas na primeira pessoa por Buddy, o irmão mais novo- mais tarde reunidas, com o título de Nine Stories (em 1953, esses nove contos são publicados em Inglaterra com o título de For Esme-With Love and Squalor).

Seguem-se Franny and Zooey (1961), e Raise High the Roof beam, Carpenters, e Seymour: An Introduction (estas duas são publicadas, juntas, em 1963).
Sobre a vida de Salinger de hoje pouco se sabe pois vive isolado há muitos anos em Cornish, no New Hampshire, não concedendo entrevistas e recusando qualquer tipo de publicidade. Uma entrevista em 1974 que deu a um jornalista do New York Times foi feita pelo telefone.

Sobre a sua vida passada: Salinger casou três vezes. O primeiro casamento foi com uma jovem, chamada Sylvia, que encontrou na Europa, e foi uma breve história. O segundo , com Claire Douglas, ainda estudante no Dartmouth College, deu origem a dois filhos, um rapaz e uma rapariga. Depois de várias relações afectivas falhadas, Salinger casa, finalmente, com uma enfermeira chamada Colleen, 30 anos mais nova do que ele, com quem continua casado.
De carácter reservado, vivendo recluso, foi objecto de uma biografia, feita por Ian Hamilton (1988). Esta sua imagem de isolamento, com uma privacidade doentiamente preservada, conduziu a um interesse sempre renovado sobre o autor e a sua obra - que se mantém até aos dias de hoje.
As memórias escritas por duas pessoas que viveram próximas dele:
Joyce Maynard, sua ex-amante
e Margaret Salinger , sua filha

O que terá feito ou escrito durante estes anos de reclusão, detrás da sua máquina de escrever ? O que reservará aos leitores no futuro? Por que interessa ainda hoje a obra de Salinger?
Tantas perguntas a que tentará responder o leitor que o ler...
Devo dizer que li muito Salinger nestes últimos tempos. Reli a correr The catcher in the rye, e, logo, Nove Contos; li pela primeira vez "Carpinteiros levantem alto o pau de fileira" que tinha começado há muitos anos.
O título é estranho, mas penso que se encontra no texto uma tentativa de explicação: sugestão, apoio ? para os leitores.
A frase aparece pintada, a sabão, no espelho da casa de banho, por Boo Boo, a irmã mais velha, onde Buddy ( o herói-autor) vai ter num dia especialmente difícil - o dia do casamento de Seymour, o irmão amado, o herói de quase todas as histórias frase que ela escrevera para o noivo:
"Carpinteiros levantem alto o pau de fileira. Como Marte, aí vem o noivo, notável entre os poucos notáveis. Por favor, Seymour, sê feliz, feliz, com a tua bela Muriel. É uma ordem!"
Livro talvez mais irregular do que The catcher in the rye ( primeira tradução portuguesa, Uma agulha no palheiro, segunda, À espera no centeio) ou do que os "Nove Contos" -fantásticos- mas cheio da mesma ironia amarga, da mesma solidão do personagem central e dos outros a quem se chega, na sua procura.

Seymour é o irmão mais velho, o bem amado, o actor infantil famoso, a pessoa super-sensível, o falador incansável (Buddy chama-lhe "falador abusivo"), o contador de histórias ( logo no início Buddy lembra a vez em que ele conta à irmã mais nova, bébé de dez meses, uma lenda chinesa, para a adormecer, história de que ela jura lembrar-se quando cresce), Seymour o contador de estrelas e de constelações, o herói de muitas das outras histórias dos Nove Contos. O noivo dos Carpinteiros levantem alto o pau de fileira, que não aparece no dia do casamento porque se sentia demasiado feliz e não aguenta a intensidade do que sente, e passa, depois, a "raptar" a noiva...

Que vai depois passar a lua de mel à Flórida e numa manhã passada na praia (A Perfect Day for Bananafish), a pensar, a não-pensar, a não fazer nada e a sentir à volta o absurdo que se passa, ou talvez a não-sentir, volta para o hotel e...

Não posso contar.

Seria por isso que Caufield queria "apanhar" os corações? Para impedir que eles, na corrida doida, na precipitação, na ânsia, levados pelo vento, sofressem, caíssem e se perdessem?

Ou para evitar que crescessem (caíssem)?

Deixo-vos com uns versos de Vinicius de Moraes:

Se tu queres que eu não chore mais
Diz ao tempo que não passe mais...
Choro o tempo, o pranto meu...
Ele e eu...


Uma das últimas fotografias de Salinger

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