quarta-feira, 30 de junho de 2010

Policiais...Mais um capítulo de "Os Olhos de Jade"

OS OLHOS DE JADE

CAPÍTULO 12

Os últimos quilómetros tinham-lhe custado a fazer. A angústia voltara e queria ver Joan o mais depressa possível. Acelerou. Na curva da subida que levava à casa, quando se deixa a estrada para Arundel, quase derrapou.

A tarde caía e via as luzes da casa. À entrada do jardim, buzinou várias vezes. Joan veio a correr, ofegante:

- Michael! Michael!

Saiu do carro e abraçaram-se, comovidos. Joan tremia.

-Que bom é olhar para ti, saber que estás aqui...

-Querida Joan! Tens um ar tão cansado! Sempre a eterna voluntarista...Não podes aguentar tudo sozinha..

Olhava-a com ternura e voltou a abraçá-la com força. Beliscou-lhe a face.

-A Helen esteve cá... E agora chegaste tu!

- Não te deixo sozinha. Sei o que sofres... Não chores...

-Michael! Quem pôde fazer isto, Michael?

-Vamos descobrir, Joan! Não serve para nada, eu sei, porque não a faz voltar à vida, mas ...será vingada!

-Tenho saudades dela, faz-me falta, tudo era fácil quando sabia que a mãe estava aqui à minha espera. Nenhum mal me podia acontecer.

-Eu sei...

-É horrível! Prometes que vamos encontrar o assassino? Quando tu prometias, eu acreditava...

-Prometo ! Posso demorar, mas tento tudo! Não vai ficar um centímetro nesta Hei-de descobrir...

Levantou a mão aberta, e pousou-lhe devagar os dedos na face molhada.

-Juro.

-É muito doloroso, Michael, é muito triste.

- A mãe era forte, queria que fôssemos fortes, mesmo nesta situação...

-Mas eu quero chorar! Não aguento mais este peso, preciso de chorar!

E encostou-se ao ombro de Michael, a soluçar como quando era criança. Ele pôs-lhe o braço à volta dos ombros com ternura:

-Está bem, chora, precisas de chorar, percebo...

Empurrou-a devagar.

-Vamos para dentro. Está frio e temos muito que falar.

-Ando nervosíssima! Vejo coisas, oiço barulhos de passos... Será só a minha imaginação? Precisava de ti.

-Estou aqui! Vou buscar as malas, não demoro nada, vai indo para dentro de casa, está frio!

Joan afastou-se em direcção à casa. Antes de entrar, perguntou:

-Queres um chá bem quente?

-É claro que quero!

Voltou ao carro e tirou as malas. Ficou a olhar em volta. A casa e o jardim da sua adolescência. A casa de tijolos vermelhos, as janelas de guilhotina com pequenos vidros quadrados, a trepadeira de glicínias que subia até ao telhado, junto da porta pintada de branco.

Lembrava-se de a ver, no fim da Primavera, cheia de flores entre o azul e o lilás, perfumadas, e, depois, com folhas pequeninas de um verde aveludado, vivo. Conhecia todos os recantos da casa, da cave ao sótão. Ergueu os olhos para o telhado, desviou-os para a varanda do quarto, viu o parapeito onde se empoleirava para espreitar o que se passava do outro lado da sebe. Os campos verdes e as estradas que serpenteavam no meio das árvores.

Ficara a viver só com a mãe e com o Gabriel muito cedo. Joan entrara numa boarding school em Londres, nem sempre vinha aos fins de semana. Quando voltava, trazia consigo os protestos de sempre, rebelde, provocadora, tentando zangar-se com Gabriel.

Revia-a na farda do colégio, com o blaser cor de beringela e a saia cinzenta, a camisa branca sempre impecavelmente engomada, primeiro de soquetes brancos e mocassins pretos, mais tarde, com meias de seda e sapatos de verniz com um pouco de salto.

Sorriu, a lembrar-se dela. Uma vez, no Natal, chegara e olhara receosa para a mãe. Tinha as orelhas furadas, e umas argolas douradas que se agitavam a cada movimento. A mãe sorrira e fora buscar-lhe uns brincos pequeninos, com safiras. Ele continuara a viver por ali pela casa, a procurar encher a sua solidão inventando brincadeiras e aventuras. Frequentava uma escola em Brighton, ia na camioneta do colégio, que o vinha buscar e trazer, fizera amizades. Era muito miúdo, adaptara-se, mas Joan fazia-lhe sempre falta.

Ouviu a voz dela, a chamá-lo.

-Michael, perdeste-te? O chá arrefece!...

-Desculpa. Sim, perdi-me a olhar para o jardim. Estava a lembrar-me de nós todos, aqui. Nunca mais vai ser a mesma coisa. Pensamos sempre que temos o tempo todo à nossa frente, que nada vai mudar e não o aproveitamos... Acho que nem o vivemos como devíamos...

Joan veio ter com ele:

-Tu eras o “beduíno”, lembras-te? A mãe chamava-te Beduíno do deserto, por causa das tuas manias de trocar e vender... Nunca mais ninguém te vai chamar assim.

Olhou-o, triste. De repente, pareceu preocupada.

-Estás magro, Michael! Não tomas conta de ti! Se calhar não comes bem...

-Tens razão, às vezes não tenho tempo, nem paciência.

-Tens que arranjar alguém! Tens que te apaixonar... Não se pode viver assim, és um lobo solitário.

-Arranjar alguém? Complicado como sou? Só uma estrela!

-Brincas, mas não se pode viver tão isolado!

Encostara-se ao irmão.

-Tenho amigos, bons amigos...

-Mas eles têm namoradas com certeza.

-Nem todos. E depois isso não importa. Estou vivo!

-Preocupas-me!

-Não te preocupes, minha querida...

Virou-se para trás:

-O que eu adorava esta casa, Joan. Nos últimos tempos, quando voltava, era tudo extraordinário, outra vez. A mãe estava à espera e parecia que o tempo não passava, nem para ela nem para mim... Sentias isso ?

-Oh! Sim! Tudo voltava a ser igual. A alegria dela, a facilidade que tinha de nos pôr à vontade, em nos fazer falar de nós, dos nossos problemas, sem insistir, sem perguntar... Nunca percebi como o fazia. E eu falava, falava...

-Queria facilitar-nos a vida pondo-nos a falar? Nunca se substituía a nós, queria que fôssemos nós a pensar, a interrogar a vida, a analisar o que se passava à nossa volta, e a saber o que era verdadeiramente importante. Creio que nos queria preparar para a vida...

-Nada volta para trás.Acabou esse mundo encantado...

-Acabou.

Zurigo apareceu à esquina da casa, vindo do fundo do jardim. Tirou o boné de pano da cabeça, meteu-o debaixo do braço e hesitava, sem saber o que fazer do machim. Acabou por o espetar na terra do canteiro de onde partiam os troncos da trepadeira sem folhas.

- Olha o patrãozinho! Que prazer em vê-lo! Bem me parecia que tinha ouvido o barulho dum carro!

-Está muito surdo o Zurigo.

Joan falara baixinho.

-Estava a cortar uns ramos da sebe da azinhaga, estavam partidos nem sei quem foi que os partiu...

-Zurigo, velho companheiro! Estás na mesma!

Michael largou as malas e apertou num longo abraço o corpo magro.

-Não, patrão, estou velho! Estou muito velho e não sirvo para nada... Vê estes cabelos brancos? Velho. E sem dentes...

E afastou-se para enxugar as lágrimas.

-Não estou a chorar, são os olhos que estão a ficar velhos.

Joan chegou-se ao pé dos dois, pôs um braço no ombro de Zurigo e agarrou a manga do casaco de Michael.

-Não parece mal chorar, Zurigo...

-Vamos Joan...

E Michael e pegou-lhe no braço com ternura.

-Ajudo-te a levar as malas para dentro.

Zurigo avançou:

-Não, menina Joan, eu é que levo as malas! Ainda tenho forças para isso. Era só o que faltava...

Michael empurrou a irmã à frente dele.

-Vamos...

-Só quando perdes alguém como ela é que percebes o que perdeste.

-E não tem solução... É para sempre... Separados para sempre, murmurou Michael. Uma eternidade! “Meaning you go this way and I go that”...

Joan voltou-se de repente:

-O que disseste?

-São uns versos de que a mãe gostava, não os consigo esquecer...

-Diz outra vez...

-Não importa... Falam de caminhos que se separam...

-Oh! Michael, a separação é horrível! Sempre tive medo de ficar sozinha... A morte assusta-me...

-Viver e morrer...É a nossa condição, não é? E não acredito que depois de mortos nos vamos encontrar outra vez... A eternidade sozinhos, já pensaste o que é? Tenho pena de não acreditar...

-Nada tem sentido agora...

- Sim. Nada disto tem sentido.

-Tens razão...A verdade é que nunca mais vamos ver a mãe.

-Para dar algum sentido à nossa vida sem ela, só nos resta agir de qualquer modo...

-Agir...? Mas, como, Michael?

-Há um assassino à solta, não há?

-Tens razão, Michael... Procurar o assassino.

Fora, começara a cair uma chuvinha miudinha. O nevoeiro envolvia tudo. Entraram.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Os velhos policiais portugueses? Resposta a Nela San...


Perguntou-me Nela San como era a literatura policial portuguesa.

Nela San tem um blog especializado em livros policiais oriundos de várias “geografias” (gialli-e-geographie).

Fiquei a pensar que, de facto, pouco sabia. A velha máxima “ninguém é profeta na sua terra...” Talvez. Mas não gosto de máximas... E fui procurar.

Claro, havia "O Mistério da Estrada de Sintra", de Eça e Ramalho, considerado uma das primeiras obras de mistério e de suspense e procura. E Fernando Pessoa também se interessara pelas histórias policiais e de mistério...

Mas...

Depois lembrei-me de alguns escritores de outros tempos, escritores portugueses que escreviam com pseudónimos de consonância anglo-saxónica, seguindo, nos assuntos e nos heróis, a moda dos policiais americanos: Chandler, Hammett e outros eram os inspiradores e Nova Iorque o mundo.
Dinis Ramos Machado (Lisboa, 21 de Março de 1930 - Lisboa, 3 de Outubro de 2008) foi um jornalista e escritor português.


Lembro-me que havia o escritor Dinis Machado, com um pseudónimo à escocesa: “Dennis MacShade”.

E outros nomes: Ross Pynn, W. Strong-Ross, Dick Haskins pseudónimos de jornalistas ou escritores.

Apareciam em colecções, juntos com livros de Ross MacDonald e do seu detective Lew Archer.

Ou de S.S. van Dine, Erle Stanley Gardner mais o Perry Mason e a sua secretária impecável, Della Street.

De Anthony Berkeley, Mickey Spillane, Rex Stout e as orquídeas de Nero Woolf e sei lá quem mais... Ingleses ou americanos, era igual.

Era o mesmo tipo de investigadores, o mesmo tipo de casos. E passavam-se sempre noutros mundos!

Nada tinham que ver com Portugal e a sua realidade.

A explicação de alguns “especialistas” é que os leitores do tempo não aceitavam bem os autores nacionais, o que os levava a escolher um nome inglês como pseudónimo.

Dinis Machado pareceu-me que se distinguia um pouco dos outros. Mais tarde, publicará um livro bem interessante, “O que diz Molero”.

Mas, durante anos, refugiou-se nesse pseudónimo americano-escocês (3), inventado para fazer sair na colecção Rififi -que dirigia a convite de Roussado Pinto (outro escritor policial encoberto pelo nome de Ross Pynn), a sua “trilogia” de romances policiais.

O seu herói, Peter Maynard, que é um assassino profissional (como o Mr. Ripley, de Patricia Highsmith), tem "preocupações filosóficas, é dado aos monólogos e às citações literárias, e age sempre sozinho”.

São estes os livros de MacShade: A Mão direita do Diabo, Requiem para D. Quixote e Mulher e arma com guitarra.
(refiro sempre o que diz o blog “rua da Morgue” completíssimo sobre tudo o que se refira a literatura policial)

Lembro "O que diz Molero" (1977), o livro encantador –que aconselhei várias vezes aos meus alunos.

Era uma leitura boa, entrava-se num mundo de miudagem a crescer, com os seus entusiasmos todos: o cinema, as histórias de gangsters, e a descoberta da vida que vai “entrando”, pouco a pouco, com as suas desilusões, ou com algumas ilusões.

Lá vinham os “camones”, os americanos, e toda uma linguagem cheia de humor, divertida, inventiva, com gíria e calão à mistura. A história é ingeniosa, prende do princípio ao fim.

Molero deve "pôr-se na pele" de um detective (mandam os seus superiores, Mister Deluxe e Austin) procurar traçar o itinerário de fuga de um rapaz ( o herói é sempre chamado só “rapaz”).

Este rapaz -que vivera as normais histórias da infância e adolescência (pobres)- desaparecera. Partira à a ventura? Para uma viagem com rumo desconhecido “à procura do sentido da vida e à descoberta de si próprio”: quem sou eu?

Anos antes, aparecera Reinaldo Ferreira, o célebre “Repórter X”. Jornalista, poeta, realizador de cinema e “inventor” de histórias mirabolantes que aterrorizaram Lisboa nos anos de 1917: o crime tenebroso (e inventado) que se terria passado numa rua de Lisboa e se chamará "O Mistério da Rua Saraiva de Carvalho" (levado ao cinema, com o título de "O homem dos olhos tortos", o assassino).

Outros escritores, outros nomes: W. Strong Ross, pseudónimo de Francisco Valério de Rajanto de Almeida [sic].

Cito alguns títulos : "A Fantástica Experiência" e "O homem que morreu muitas vezes".

Outros esritores policiais, ainda:

Ross-Pynn -pseudónimo do escritor, jornalista e editor, Roussado Pinto, criador do "Jornal do Incrível" e que, durante anos, publica policiais na Colecção Rififi por ele criada.

Foi o organizador de muitas "Antologias Policiais" valiosas.

Alguns títulos de Ross-Pynn com a intervenção do seu detective, Joe Stássio: "O nome dela era Claire" (o primeiro), "O Caso da Mulher Nua", “O Caso da mulher Deportada”, por exemplo, hoje na colecção "Dêagá"/ “OE”.

(Podem ir ver mais coisas no blog "rua da morgue", blog bem interessante, dedicado à literatura policial. Ali encontrarão essas e outras informações úteis sobre escritores do género.)

Ou, ainda, outro nome: Dick Haskins (1) -cujo verdadeiro nome é António Andrade de Albuquerque, escritor- publica o primeiro livro em 1954, intitulado "O Isqueiro de Ouro", cujo protagonista se chama Disk Haskins.
Foi um grande sucesso na altura: é traduzido e publicado em mais de 20 países.

Em 1964, misto de policial e de livro de espionagem, sai o livro “O Minuto 180”.

Não se pode considerar um “policial-puro”, dizem os entendidos (o blog citado). Confesso que me não lembro já do livro, acho que nunca o vi, nem li, mas vou procurar...).

Talvez com “O Último degrau”(Colecção Enigma) se aproxime um pouco mais do tal clássico “policial.

Mas -hoje em dia- o que é um "policial puro", ou "clássico", perante os livros de Ruth Rendell, Patricia Cornwell ou Barbara Vine, etc? Psico-patologia, medicina legal, DNA, etc.

Outros títulos de Dick Haskins: "Lisboa 44", "Estado de Choque", "O sono da morte", etc. Há imensos títulos a descobrir!

(ver o blog "rua da morgue", do dia 16 de Maio de 2009: fala deles)

E deixo-te, Nela San, com estas "velhas" e saudosas literaturas...

Tu conheces os novos autores, deles não preciso -nem sei- falar...

Notas:

1. A editora ASA reeditou em 2001 e 2002 algumas das suas obras, numa colecção intitulada “Obras de Dick Haskins”.

2. A reedição dos romances policiais de Dinis Machado, pela editora Assírio & Alvim, entre 2008 e 2009, inclui um inédito, Blackpot, publicado em Novembro de 2009;

3. O romance "O que diz Molero" foi reeditado em 2009 pela Editora Livros Quetzal.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Rever "Get Smart", com nostalgia...

A série "Get Smart" passa actualmente na televisão franco-alemã Arte (por volta das 17 e 10, mas infelizmente "dobrada" em francês).

Rever "Get Smart" leva-me atrás no tempo "uma data de anos"...

Oh! Sim. Rever "Get Smart" com nostalgia...

Com a nostalgia que passa o seu manto azulado por cima do que vivemos, que nos faz sorrir do que éramos, do que víamos, do modo como vivíamos a vida...

Com ela, vem a ternura sobre nós próprios, distantes na memória, outros, mas nós...
Mais jovens, ingénuos (?), ou, talvez, mais “críticos” do que hoje.


É o que sinto ao “rever” a série e o heróico Maxwell Smart, o Agente 86 da Control, a Central de Contra-Espionagem do Governo Americano...

Oh! Sim, o Agente 86 (o actor Don Adams) e a inseparável Agente 99 (a simpática Barbara Feldon) e o Chefe (o paciente e resignado Chefe, o actor Edward Platt)!

A nostalgia e a saudade nimbam (que poético, não é?) as imagens no écran. Sorrio e fico a ouvir:

“Oh! Max!”, diz a Agente 99, na sua voz apaixonada e que lhe sai um pouco pelo nariz, olhando embevecida para o seu herói, Max.


Max, o corajoso agente –corajoso ao ponto de desprezar a vida ("Oh! Chief, I love it!"), arriscando-se constantemente em aventuras cada vez mais loucas.

Metendo-se de cabeça em todos os sarilhos, salvando-se deles por milagre.

Ou loucura? Ou inconsciência total?
Que importa?
Seduz-nos aquela inconsciência. E a Agente 99 tem suficiente inteligência e desembaraço pelos dois... Sim, com a nostalgia vê-se tudo de outro modo: a ingenuidade dos “gags”, as patetices de Max...

As figuras despertam simpatia.

Até um sorriso vai mesmo para os “maus”, os espiões inimigos -da Central de Espionagem, a cruel "Khaos" e os capangas de Siegfried -o implacável inimigo de Max- vestidos de gabardines, chapéus negros e óculos escuros, antecipando o "look" dos Blues Brothers.

Oh! Sim, os inolvidáveis John Belushi e Dan Ackroyd, do filme de Jonh Landis (1980)... Mais nostalgia, claro. Sorrio, hoje, “revendo” os meus filhos, pequenos, sentados no chão em frente da televisão.
A Florinda, encostada ao sofá, olha e ri-se. O seu sentido do humor é apurado e sabe distinguir as mais pequenas graças.

Vem-me à memória, nessa névoa azul da nostalgia, o hábito que tinha o meu filho de se deitar no chão, nesses tempos, abraçado ao gira-discos, a ouvir as canções dos "Beatles".

Sim. É bom rever "Get Smart", a sorrir...

Meus amigos, lembram-se de "Get Smart"?

Foi uma série televisiva criada nos anos 60 (1965-70), por Mel Brooks e Buck Henry, que satirizava os filmes de espionagem e os “agentes secretos” com licença para matar...

Maxwell Smart, o Agente 86, era representado pelo actor Don Adams (Donald James Yarmy). Em cinco décadas na televisão, foi este o seu papel mais famoso.

Don Adams nasceu em 13 de Abril de 1923 em Manhattan e morreu em 25 de Setembro de 2005.


Figura bem conhecida das séries televisivas, também escreveu alguns dos próprios "episódios" que representava e foi realizador de cinema.

O pai -de origem húngara- tinha um restaurante em Manhattan. Adams faz os estudos universitários e, ao deixar a universidade, vai trabalhar como porteiro num teatro.

Em 1941, alista-se na Marinha, no 3º Regimento de Infantaria, que vai para Samoa.
Vai ele, um primo e os dois irmãos.

Depois da Guerra, passa um ano no Hospital Wellington, Nova Zelândia, gravemente doente, devido a complicações causadas pelo paludismo (a estranha "blackwater fever", aliada à malária, era normalmente fatal) que apanhou nessas regiões.

Durante três anos sucessivos, Don Adams vai ganhar o Emmy Awards pela sua interpretação da figura do espião Maxwell Smart (1967–1969).

Adams contracena com Barbara Feldon, nascida em 12 de Março de 1933, na Pennsylvania.

Modelo e actriz de televisão e cinema, é lançada por Mel Brooks nesta série -no papel da encantadora Agente 99.

Distingue-se pela elegância, pelo sorriso terno e ingénuo, e pela inteligência do olhar aparentemente apagado.

Engraçado ver como todas as suas toilettes hoje -tal como o penteado- nada perderam do seu encanto e parecem actuais.

Ela própria é um tipo de beleza sem data...

O realizador, Mel Brooks, (de seu nome Melvin Kaminsky), nasceu em 28 de Junho de 1926, em Brooklyn, filho de Maximilian Kaminsky, judeu alemão vindo de Dantzig e de Kate Brookman, filha de judeus russos vindos de Kiev.
Realizador de muitas comédias como: O Jovem Frankenstein (quem não viu o filme Frankenstein Junior, com Gene Wilder e Martin Feldman?), Balbúrdia no Oeste, a Primavera de Hitler, com grandes actores cómicos, ou ainda As Loucuras de Mel Brooks.

Espero que se divirtam, a recordar... Faz bem.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Jean-Claude Izzo, escritor policial, e o livro "Total Khéops"

Paul Cézanne, O Golfo de Marselha

Hoje quero falar de Jean-Claude Izzo, um escritor policial francês, diria antes, um escritor marselhês...
Quem é Jean-Claude Izzo?

Nasce em 1945 em Marselha. Filho de pais emigrantes italianos, de origem meio espanhola, meio italiana...

Foi livreiro, desempregado [sic], vendedor no Marché aux Puces, foi jornalista em Marselha e em Paris.

Morre em 2000, na sua cidade.

O primeiro livro intitula-se "Les Marins Perdus". É um romance de fantasia, de viagens emocionantes à roda do mundo, do qual encontrei apenas uma tradução em português, "Os Marinheiros Perdidos", Brasil) e dele é tirado um filme -da realizadora francesa, Claire Devers, com Marie Trintignant e Bernard Giraudeau nos principais papéis.
Em 1995, recebe o "Prémio Trophée 813", pelo livro "Total Khéops" (Caos Total) de que hoje quero falar. Em 1996 publica "Chourma" e em 1998 "Soléa". Os três volumes formam a "Trilogia Marselhesa".

"Total Khéops" (Total Chaos / Caos Total) é um livro muito duro!Que narra a infância de três amigos, nos bairros pobres de Marselha, a separação, e o caminho em direcção ao futuro. Que não existe...

Ugo (Ugolini), Manu e Fabio.

E Lole, “la Gitane”, como lhe chamavam, que os acompanha sempre, calada e séria, nas brincadeiras pelos pátios e pelas ruas, ou ao pé do porto.

“Eu sou polícia, tu és ladrão...”

E a vida continua, dá voltas e voltas. O tempo passa-lhes por cima. Marselha continua idêntica, bela e indiferente.

Vai longe o tempo em que descobriam a vida juntos, com os livros, os discos, os sonhos...

Ray Charles e "What' Id' Say" e "I Got a Woman" foi a descoberta musical desse rpimeiro ano, que ouviam num Teppaz, em altos berros.

Diz Fabio, recordando o passado, vivido vinte anos atrás:

“Inventávamos o mundo. À nossa imagem”.

Com a figura dos heróis: Ulisses, as sereias (quem matou as sereias?, pergunta Fabio, indignado), as viagens, as aventuras, Lord Jim e tantos outros.

Depois... crescem. A tropa transforma-os. O mundo cai-lhes em cima, duro e cruel, e as oportunidades com que “sonharam” não chegam.

Durante tempos vivem de expedientes. E há um momento em que fazem assaltos a mercearias, tabacarias, pequenos armazéns...

Até que...um dia, num desses assaltos, tudo corre mal: o dono da armazém resiste e Manu dispara à queima-roupa, ferindo-o gravemente.

Fabio não aguenta essa experiência, volta para casa a vomitar, e decide afastar-se dos amigos. Regressa ao exército.

Quando volta, escolhe ser “polícia”.

Fabio vai ser o "polícia" da história, Manu e Ugo, os "ladrões"...

Mas um polícia desiludido, que acredita em valores que desapareceram, e tenta fazer o seu trabalho o mais humanamente que pode, equilibrando-se entre a força necessária e a "conversa", a aproximação, enquanto ela é ainda possível.

Nesses bairros degradados, onde o racismo grassa e o medo tolhe todos, e gira a desolação e a raiva.

Os superiores não apreciam essa sua atitude “matizada” sobre a vida e sobre as pessoas. Sobre os delinquentes. Para eles o mundo é a branco e preto: polícia ou ladrão...

Por isso, Fabio Montale é um polícia marginalizado, que não “conta”, a quem são dados os casos que não têm importância, as rixas de bairro, roubos, facadas e pouco mais.

E o imprevisto (ou previsto?) acontece...

“Não tínhamos nada”, continua Fabio a recordar, “nem futuro. Só a vida. Mas a vida era menos do que nada.”

"Eu sou polícia, tu és ladrão..."

"Loucos", dirá Lole. "Não soubemos fazer nada das nossas vidas. Então... tanto faz, polícia ou ladrão..."

Retrato pesado da realidade desse porto, das dificuldades, da miséria, das máfias várias, disfarçado numa história poilicial autêntica “série noire”, bem negra...

A história de uma amizade prolongada e forte até à adolescência e depois pela juventude fora o sentimento que perdura apesar das diferenças que os separam na vida real. Tudo envolvido num tom de melancolia, tristeza pelo bem perdido, náusea, sentimento de perda, solidão...

Ugo, Manu e Fabio.

Vinte anos depois dessa amizade, (não vou contar mais), Fabio Montale é obrigado a resolver um crime brutal - crime esse que o atinge pessoalmente.

E vêm à memória os tempos em que Manu, Ugo e ele eram uns adolescentes, como estes que tem de reprimir. Filhos dos imigrantes - como ele, filho de pai imigrante – e com as mesmas dificuldades enfrentadas por estes.

Outros imigrantes, hoje magrebianos sobretudo, estes jovens deparavam-se com a mesma ausência de oportunidades, de “saídas” que os condicionara a eles.

“O futuro era isso, esperar emprego de estágio de qualquer coisa, fosse o que fosse. E sempre era melhor do que não esperar nada.” A amargura do tom faz-nos arrepiar.

E acrescenta, no mesmo tom: “A adolescência deles era andar sempre na corda bamba. O pior é que, no caso, deles, normalmente caíam”, conclui, sem esperança.

“Agora [como no tempo deles] conheciam as regras. Jogas. Se ganhas, tanto melhor. Se perdes, pior para ti.”

A honra dos sobreviventes é sobreviver... Este é o nome de um dos capítulos do livro.

Sobreviver.

Nesses bairros do porto, é de sobrevivência que se trata:

“Os que saem da fila, espalham o frio à roda deles. E o medo aos outros.(...) Adolescentes ainda e já adiantados na delinquência. Assaltantes, dealers, metidos no racketting.”

Depressa, percebemos que Marselha é uma das personagens da história. A mais amada. A protagonista. Com o seu encanto escondido, a beleza e o horror, as ruas e ruelas onde contracenam ricos (sabe-se lá como ficaram ricos, não importa)e poderosos e pobres, os jovens de pele escura ou negros cuja escolha possível é entre a pobreza e o crime. Sempre, meridionais. Filhos de emigrantes, imigrantes eles mesmos. Numa luta de vida e de morte pela sobrevivência...

Jean-Claude Izzo escreve num estilo seco, inteligentes e sóbrio, cortado, sem nada ceder ao sentimentalismo.

O que não impede de nos comovermos. Pelo contrário...

domingo, 20 de junho de 2010

Billie Holiday - Strange Fruit


O que dizer mais sobre Billie Holiday que não tenha já tentado dizer? Mas há sempre qualquer coisa que vale a pena, sobretudo trazê-la ao pé de nós, uma e outra vez.
Sempre.
Para já, quero lembrar-vos a existência de um “blog de Jazz” que visito frequentemente para “ver” o que há “de novo” –ou “de velho”?- de música Jazz.

Chama-se “Borboletas de Jade”.

Ali há sempre coisas novas: quero dizer: coisas antigas sobre o grande velho Jazz –de New Orleans à Costa Ocidental- tudo “re-visitado”, como novo.

"Vivo", outra vez.

Billie, a eterna Billie Holiday, a mais sensitiva, a mais dolorida –e dolorosa- voz do jazz.

Faz 50 anos em Julho que Billie Holiday morreu...

Ultimamente, tem-se dedicado o meu colega, e já amigo, Mr Butterfly, do "Borboletas de Jade", a escrever sobre Billie Holiday.

Todas as histórias da vida de Billie Holiday. Muita coisa tenho aprendido, apesar de sempre me ter interessado por ela.

Li, aliás, há uns dois anos, uma óptima biografia "Billie Holiday, Wishing on the Moon" (Desejando a Lua), por Donald Clarck (Da Capo Press, 2000), com uma séria introdução do autor -livro que vos aconselho.

Ignoro se está traduzido em português... Na apresentação do livro, citam-se passagens de "recensões" ao livro:

"Agora temos finalmente uma biografia definitiva, diz o New York Times Book Review na sua apreciação, biografia "escrita por alguém com o respeito, a empatia e a abertura de espírito de um biógrafo [cujo] retrato abarca todas as facetas da natureza paradoxal de Billie, desde o seu orgulho à imensa vulnerabilidade, desde a sua infantilidade à elegância inata e à espantosa força!" Bem verdadeiro!

No blog a que me refiro, vi, pela primeira vez, a fotografia –tipo "foto antropométrica" - de “cadastrada”, quando a frágil Lady Day foi presa, acusada de posse de droga, fotografada por funcionários do departamento de Prisões em Maio 1947, ela com 32 anos na época.

Esteve presa oito meses, na Prisão Federal em Alderson, West Virginia, condenação por drogas e agressão.Cito algumas frases do "Borboletas de Jade:

“Billie Holiday morreu em 1959. No dia de sua morte ela tinha US$ 0,70 no banco e US$ 07 na bolsa. O resto o vício em heroína havia consumido. O que sobreviveu foi a voz que cantou com uma beleza sem paralelo na história do jazz.

“Dizer que Billie Holiday foi só uma cantora de jazz é como dizer que os Beatles foram só uma banda de rock”, refere.

"A vida da cantora é um retalho de histórias não confirmadas e, muitas vezes, inacreditáveis."

Depois, descobri noutro "post" a letra (o video já conhecia) da canção “Strange Fruit”, a canção brutal que ela canta de um modo quase “arrancado” da alma, vivida, “vivendo-a” dentro dela, quase agressiva e insuportável no sofrimento.

A canção –escrita pelo compositor judeu Levvis Allan- fala de um linchamento no sul dos Estados Unidos. E do seu enforcamento numa árvore donde pendem como “estranhos frutos”...
Deixo-vos um pouco do que vem no blog “Borboletas de Jade sobre esta música:
Ao contrário do que se acredita a música não foi escrita pela cantora mas pelo poeta Lewis Allan, também conhecido como Abel Meropool. A música é um protesto contra o racismo no sul dosEstados Unidos. O estranho fruto que dá nome à música se refere aos corpos dos negros linchados e depois dependurados pelo pescoço em árvores. Billie Holiday tinha o hábito de terminar seus shows com a música. O teor político da canção causou problemas para a cantora."

Cito o que li no blog “Borboletas de Jade sobre esta música: Ao contrário do que se acredita a música não foi escrita pela cantora mas pelo poeta Lewis Allan, também conhecido como Abel Meropool. A música é um protesto contra o racismo no sul dos Estados Unidos. O estranho fruto que dá nome à música se refere aos corpos dos negros linchados e depois dependurados pelo pescoço em árvores. Billie Holiday tinha o hábito de terminar seus shows com a música. O teor político da canção causou problemas para a cantora."

Strange Fruit

Southern trees bear strange fruit/,
Blood on the leaves and blood at the root/,
Black bodies swinging in the southern breeze/
,Strange fruit hanging from the poplar trees.
Pastoral scene of the gallant south/,The bulging eyes and the twisted mouth/,Scent of magnolias, sweet and fresh/,Then the sudden smell of burning flesh./Here is the fruit for the crows to pluck,/For the rain to gather, for the wind to suck,/For the sun to rot, for the trees to drop,/Here is a strange and bitter crop
."

Estranho Fruto

"Árvores do sul produzem uma fruta estranha,

Sangue nas folhas e sangue nas raízes,

Corpos negros nadando na brisa do sul,

Fruta estranha pendurada nos álamos.

Pastoril cena do valente sul,

Os olhos inchados e a boca torcida,

Perfume de magnólias, doce e fresco,

Depois o repentino cheiro de carne queimada.

Aqui está a fruta para os corvos arrancarem,

Para a chuva recolher, para o vento sugar,

Para o sol apodrecer, para as árvores deixarem cair,

Aqui está a estranha e amarga colheita. "

Deixo-vos a canção, amigos leitores, para pensarmos juntos.

Para não esquecer...

Ouçam Billie Holiday agora. Interpretação inigualável!