quarta-feira, 30 de junho de 2010

Policiais...Mais um capítulo de "Os Olhos de Jade"

OS OLHOS DE JADE

CAPÍTULO 12

Os últimos quilómetros tinham-lhe custado a fazer. A angústia voltara e queria ver Joan o mais depressa possível. Acelerou. Na curva da subida que levava à casa, quando se deixa a estrada para Arundel, quase derrapou.

A tarde caía e via as luzes da casa. À entrada do jardim, buzinou várias vezes. Joan veio a correr, ofegante:

- Michael! Michael!

Saiu do carro e abraçaram-se, comovidos. Joan tremia.

-Que bom é olhar para ti, saber que estás aqui...

-Querida Joan! Tens um ar tão cansado! Sempre a eterna voluntarista...Não podes aguentar tudo sozinha..

Olhava-a com ternura e voltou a abraçá-la com força. Beliscou-lhe a face.

-A Helen esteve cá... E agora chegaste tu!

- Não te deixo sozinha. Sei o que sofres... Não chores...

-Michael! Quem pôde fazer isto, Michael?

-Vamos descobrir, Joan! Não serve para nada, eu sei, porque não a faz voltar à vida, mas ...será vingada!

-Tenho saudades dela, faz-me falta, tudo era fácil quando sabia que a mãe estava aqui à minha espera. Nenhum mal me podia acontecer.

-Eu sei...

-É horrível! Prometes que vamos encontrar o assassino? Quando tu prometias, eu acreditava...

-Prometo ! Posso demorar, mas tento tudo! Não vai ficar um centímetro nesta Hei-de descobrir...

Levantou a mão aberta, e pousou-lhe devagar os dedos na face molhada.

-Juro.

-É muito doloroso, Michael, é muito triste.

- A mãe era forte, queria que fôssemos fortes, mesmo nesta situação...

-Mas eu quero chorar! Não aguento mais este peso, preciso de chorar!

E encostou-se ao ombro de Michael, a soluçar como quando era criança. Ele pôs-lhe o braço à volta dos ombros com ternura:

-Está bem, chora, precisas de chorar, percebo...

Empurrou-a devagar.

-Vamos para dentro. Está frio e temos muito que falar.

-Ando nervosíssima! Vejo coisas, oiço barulhos de passos... Será só a minha imaginação? Precisava de ti.

-Estou aqui! Vou buscar as malas, não demoro nada, vai indo para dentro de casa, está frio!

Joan afastou-se em direcção à casa. Antes de entrar, perguntou:

-Queres um chá bem quente?

-É claro que quero!

Voltou ao carro e tirou as malas. Ficou a olhar em volta. A casa e o jardim da sua adolescência. A casa de tijolos vermelhos, as janelas de guilhotina com pequenos vidros quadrados, a trepadeira de glicínias que subia até ao telhado, junto da porta pintada de branco.

Lembrava-se de a ver, no fim da Primavera, cheia de flores entre o azul e o lilás, perfumadas, e, depois, com folhas pequeninas de um verde aveludado, vivo. Conhecia todos os recantos da casa, da cave ao sótão. Ergueu os olhos para o telhado, desviou-os para a varanda do quarto, viu o parapeito onde se empoleirava para espreitar o que se passava do outro lado da sebe. Os campos verdes e as estradas que serpenteavam no meio das árvores.

Ficara a viver só com a mãe e com o Gabriel muito cedo. Joan entrara numa boarding school em Londres, nem sempre vinha aos fins de semana. Quando voltava, trazia consigo os protestos de sempre, rebelde, provocadora, tentando zangar-se com Gabriel.

Revia-a na farda do colégio, com o blaser cor de beringela e a saia cinzenta, a camisa branca sempre impecavelmente engomada, primeiro de soquetes brancos e mocassins pretos, mais tarde, com meias de seda e sapatos de verniz com um pouco de salto.

Sorriu, a lembrar-se dela. Uma vez, no Natal, chegara e olhara receosa para a mãe. Tinha as orelhas furadas, e umas argolas douradas que se agitavam a cada movimento. A mãe sorrira e fora buscar-lhe uns brincos pequeninos, com safiras. Ele continuara a viver por ali pela casa, a procurar encher a sua solidão inventando brincadeiras e aventuras. Frequentava uma escola em Brighton, ia na camioneta do colégio, que o vinha buscar e trazer, fizera amizades. Era muito miúdo, adaptara-se, mas Joan fazia-lhe sempre falta.

Ouviu a voz dela, a chamá-lo.

-Michael, perdeste-te? O chá arrefece!...

-Desculpa. Sim, perdi-me a olhar para o jardim. Estava a lembrar-me de nós todos, aqui. Nunca mais vai ser a mesma coisa. Pensamos sempre que temos o tempo todo à nossa frente, que nada vai mudar e não o aproveitamos... Acho que nem o vivemos como devíamos...

Joan veio ter com ele:

-Tu eras o “beduíno”, lembras-te? A mãe chamava-te Beduíno do deserto, por causa das tuas manias de trocar e vender... Nunca mais ninguém te vai chamar assim.

Olhou-o, triste. De repente, pareceu preocupada.

-Estás magro, Michael! Não tomas conta de ti! Se calhar não comes bem...

-Tens razão, às vezes não tenho tempo, nem paciência.

-Tens que arranjar alguém! Tens que te apaixonar... Não se pode viver assim, és um lobo solitário.

-Arranjar alguém? Complicado como sou? Só uma estrela!

-Brincas, mas não se pode viver tão isolado!

Encostara-se ao irmão.

-Tenho amigos, bons amigos...

-Mas eles têm namoradas com certeza.

-Nem todos. E depois isso não importa. Estou vivo!

-Preocupas-me!

-Não te preocupes, minha querida...

Virou-se para trás:

-O que eu adorava esta casa, Joan. Nos últimos tempos, quando voltava, era tudo extraordinário, outra vez. A mãe estava à espera e parecia que o tempo não passava, nem para ela nem para mim... Sentias isso ?

-Oh! Sim! Tudo voltava a ser igual. A alegria dela, a facilidade que tinha de nos pôr à vontade, em nos fazer falar de nós, dos nossos problemas, sem insistir, sem perguntar... Nunca percebi como o fazia. E eu falava, falava...

-Queria facilitar-nos a vida pondo-nos a falar? Nunca se substituía a nós, queria que fôssemos nós a pensar, a interrogar a vida, a analisar o que se passava à nossa volta, e a saber o que era verdadeiramente importante. Creio que nos queria preparar para a vida...

-Nada volta para trás.Acabou esse mundo encantado...

-Acabou.

Zurigo apareceu à esquina da casa, vindo do fundo do jardim. Tirou o boné de pano da cabeça, meteu-o debaixo do braço e hesitava, sem saber o que fazer do machim. Acabou por o espetar na terra do canteiro de onde partiam os troncos da trepadeira sem folhas.

- Olha o patrãozinho! Que prazer em vê-lo! Bem me parecia que tinha ouvido o barulho dum carro!

-Está muito surdo o Zurigo.

Joan falara baixinho.

-Estava a cortar uns ramos da sebe da azinhaga, estavam partidos nem sei quem foi que os partiu...

-Zurigo, velho companheiro! Estás na mesma!

Michael largou as malas e apertou num longo abraço o corpo magro.

-Não, patrão, estou velho! Estou muito velho e não sirvo para nada... Vê estes cabelos brancos? Velho. E sem dentes...

E afastou-se para enxugar as lágrimas.

-Não estou a chorar, são os olhos que estão a ficar velhos.

Joan chegou-se ao pé dos dois, pôs um braço no ombro de Zurigo e agarrou a manga do casaco de Michael.

-Não parece mal chorar, Zurigo...

-Vamos Joan...

E Michael e pegou-lhe no braço com ternura.

-Ajudo-te a levar as malas para dentro.

Zurigo avançou:

-Não, menina Joan, eu é que levo as malas! Ainda tenho forças para isso. Era só o que faltava...

Michael empurrou a irmã à frente dele.

-Vamos...

-Só quando perdes alguém como ela é que percebes o que perdeste.

-E não tem solução... É para sempre... Separados para sempre, murmurou Michael. Uma eternidade! “Meaning you go this way and I go that”...

Joan voltou-se de repente:

-O que disseste?

-São uns versos de que a mãe gostava, não os consigo esquecer...

-Diz outra vez...

-Não importa... Falam de caminhos que se separam...

-Oh! Michael, a separação é horrível! Sempre tive medo de ficar sozinha... A morte assusta-me...

-Viver e morrer...É a nossa condição, não é? E não acredito que depois de mortos nos vamos encontrar outra vez... A eternidade sozinhos, já pensaste o que é? Tenho pena de não acreditar...

-Nada tem sentido agora...

- Sim. Nada disto tem sentido.

-Tens razão...A verdade é que nunca mais vamos ver a mãe.

-Para dar algum sentido à nossa vida sem ela, só nos resta agir de qualquer modo...

-Agir...? Mas, como, Michael?

-Há um assassino à solta, não há?

-Tens razão, Michael... Procurar o assassino.

Fora, começara a cair uma chuvinha miudinha. O nevoeiro envolvia tudo. Entraram.

8 comentários:

  1. "Nunca mais ninguém te vai chamar assim":eu pensei exactamente o mesmo quando perdi o meu pai (e também: ninguém te vai amar assim).
    Tem a certeza de que é um policial o que quer escrever?Eu de momento prefiro a psicologia das entre-linhas,mais que saber quem é o assassino.De momento!
    É curioso que uma pessoa como você,sensível e amante da liberdade,petrifique o maravilhoso falcão,não o deixe voar,e também estes olhos de jade,tão frios!? Es broma.
    Uma pergunta:tem algum libro publicado?Conte-me,Beijinhos

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  2. Não é um policial "clássico", como diriam os entendidos. Talvez quisesse lá pôr coisas de mais... Coemecei-o em Tel Aviv quando o meu cão morreu. Precisava de dizer muitas coisas. Depois dei-lhe uma volta. Já o meti nuns envelopes, ando a tentar publicá-lo. Veremos.
    Publiquei só um livro ("Ilhas na Bruma", em S. Tomé e Príncipe) e "as Histórias da Casa Amarela" a minha filha fez uma "publicação" na Índia de que tenho vários exemplares. Posso mandar-lhe. Mas... para onde, cara amiga?
    O falcão anda a perparar-se para voar. O Manuel (o meu marido de há séculos!) diz-me o mesmo: que devo escrever outras coisas, libertar-me...
    Staremo a vedere...
    beijinhos e obrigada pela sua atenção, sempre.
    (posso mandar-lhe Os Olhos de Jade, pela internet! Acho que tenho o seu email...Quer?)

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  3. o falcão anda a "preparar-se", não a "perparar-se"... Distracções...

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  4. Borboletas de Jade deixou um novo comentário na sua mensagem "Os velhos policiais portugueses? Resposta a Nela S...":

    "Saudações nobre amiga e uma vez mais de passagem por quilômetros de novidades que encontro aqui. Confesso me identificar com o texto por ser uma raposa velha na arte de policiar ao longo de minha vida.Profissão dura e difícil de se lidar bem diferente dos romances floridos e cheio de alusão a realidade. Vida longa e próspera."
    Mr. Butterfly
    Namastê.

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  5. Obrigada, Amigo Mr. Butterfly, "velha raposa na arte de policiar ao longo da vida", obrigada por vir ver o que se passa neste blog!
    Namastê
    o falcão

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  6. Claro que quero!!
    O que acontece é que eu necesito uma parcela de intimidade e de liberdade,(sei-a capaz de respeitar esta paranóia minha).
    Talvez um dia nos encontremos as duas,aqui ou aí,nunca se sabe.

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  7. Vou procurar o seu email e mando... mas já não "vejo" o seu blog...O que lhe aconteceu?
    Não se preocupe, eu respeitaria sempre a sua intimidade! É coisa que significa muito para mim também.
    Ficamos assim "incógnitas" mas não desconhecidas!
    Um beijinho

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  8. Já mandei para o seu email...
    Critique à sua vontade!
    Já encontrei o seu "blog"!

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