segunda-feira, 6 de maio de 2013

No dia da Criança? Escolas e violência, por cá e por lá... Lembrando um velho filme...





Hoje venho falar de outro problema e não é  de cá, apenas: o bullying (1) - (assédio, humilhação pública, tareias, etc) de estudantes mais prepotentes sobre os mais frágeis, ou desprotegidos: os gordos, os ruivos, os que falam de outro modo, vítimas da risota...

Coisa que sempre se viu por cá mas que tende a aumentar, com consequências por vezes graves. Há dias, morreu um auxiliar que, ao querer reconciliar dois estudantes desavindos, sucumbe com um ataque de coração.


Em França, porém, a agressividade sente-se de outro modo. Mais premente? Não sei, mas mais regular, mais frequente,  de certeza.

Ou o mesmo? É difícil ser professor - tal como aqui: alunos mal-educados, pais e familiares agressivos que batem nos professores e os insultam... 


Quem não recorda o filme que mais falou dessa violência estudantil, em tempos em que nós nem sonhávamos que se amplificasse tanto. Falo de Blackboard Jungle (Sementes de Violência, em Portugal), de Richard Brooks (1955), com grandes actores, entre eles Glenn Ford, o professor, neste caso. 



Onde pela primeira vez se ouviu  o "rock" de Bill Haley and His Comets e a canção "Rock Around the Clock", hoje que vem por aí uma saraivada de estrelas enviadas pelo "Comet Haley"!!




Violência porque os valores laicos - ou religiosos-  de que há tempos falei aqui deixaram de existir? 

Não é verdade, existem, mas vivemos numa sociedade de violência, de concorrência, de liberalismo desenfreado em que o valor da solidariedade, o desejo sincero de paz, o respeito do outro e das suas ideias, se diluiu em tonalidades tão brandas - no meio do horror das imagens - que assustam.



Romain Rolland e Gandhi, dois senhores, duas inteligências, que pensaram nos valores...

violência (e medo), capa do Nouvel Observateur


Por quê agredir o outro? 
A que se deve essa violência entre colegas, adolescentes aparentemente normais, que  de repente explodem e são capazes de matar? Ou matarem-se... 

A que se deve  o desejo de perseguir o outro, o diferente, o mais fraco?

É sempre bom compreender, para agir melhor.



flores para um adolescente morto

Li uma entrevista muito interessante (in Nouvel Observateur, 25 Abril-1 de Maio) feita a um Professor Emérito de Psiquiatria Infantil, Philippe Jeammet, que tenta uma explicação.

A violência é uma fatalidade? 

 Deixo algumas das perguntas e das (suas) respostas:

- Subida da violência nas escolas?

“É preciso sermos prudentes. Não acredito que houvesse essas mudanças de comportamento tão em profundidade. Só que a educação mais liberal, sendo mais livre, leva a que a preocupação com os outros, a delicadeza ou os limites impostos sejam menos marcados do que antes.

(...) Encorajar a criança a exprimir-se e a intervir, evitando a repreensão, tudo isso põe um pouco em questão a autoridade do adulto."

- Esse liberalismo da educação pode levar à violência?

“A violência é normalmente uma resposta a uma ferida narcisista, ao sentimento de não nos darem valor”.

(E penso: quantas vezes o narcisismo pode ferir os outros, ignorando-os, servindo-se deles, ou, perversamente, possuindo-os, oprimindo-os para sua glória apenas...) 


Caravaggio e "Narciso"

 (...)

“Uma certa forma de maldade, que sempre existiu, pode espalhar-se por toda a parte, não apenas na escola. Troçar do outro tornou-se normal. É preciso atacar. Embaraçar as pessoas. Não importa hoje a troca positiva em que nos nutrimos do outro, mas sim o pô-lo em cheque, desconfiando dele. Não numa atitude de dádiva, compreensão, mas sim numa relação de poder. De facto, antecipamos a possibilidade de ser objecto de derisão apontando outro como sofre-misérias.”

-  E os suicídios de alunos?


imagem do "N.Obs":  enterro de uma adolescente que se suicidou

“Sim... Suicídio em que a ideia não é morrer mas sim partir, agir, escapar.”

(...)

“O problema, para estes jovens, é a conjugação do medo e da solidão. Esta criança poderia queixar-se e não o fez.”

Referia-se ao caso específico de dois adolescentes, um rapaz e uma menina que preferiram a morte!  

Ele, porque tinha o cabelo  ruivo e os colegas lhe tornavam a vida impossível com brincadeiras, humilhações, como matilha  chefiada por cão raivoso; ela, porque na internet "correram" imagens que, ingenuamente, pusera no FB de alguém que considerava amigo - que não suportou ver, ridicularizada por todos, ofendida pelos comentários.


imagem de Nouvel Observateur

Estes adolescentes preferiram a fuga, o aniquilamento do problema o qual não tinham coragem nem vontade de afrontar no aniquilamento de si próprios.

A morte por não suportar viver  o quotidiano de ataque, de humilhação, de perseguição e de terror. Ou o desgosto de si próprio, frente às palavras que ferem, aos  gestos que magoam psíquica e fisicamente. Uma tortura, afinal - à qual preferem a morte!




- E a hostilidade para com os professores?

Faz parte do mesmo movimento destructivo do assédio, é o mesmo protesto :“isto não me  interessa". Neste caso,  é o trabalho que é rejeitado. Opõem-se para existirem. O falhanço escolar é uma maneira de triunfar da incerteza, de encontrar uma certa forma de poder, esta droga humana por excelência. Prefere ser actor do próprio falhanço do que sofrê-lo.”

- Soluções?

“Em vez de repetir: é assim, e não se discute”, melhor seria tentar dar aos alunos o gosto de ir à escola, explicando o porquê dessaa escola: “Tens um potencial afectivo e cognitivo que é a tua riqueza e que deves realçar e que vai durar toda a vida. Aproveita-o. " 
Robert Doisneau e "interrogação", 1956

Fala também da importância do olhar que se "tem" sobre os alunos, a mesma importância desse olhar para qualquer ser humano: o olhar de quem quer acreditar. Ou que acredita.

 Que os pode ajudar a enfrentar o peso, evitando inclusivamente que um aluno-vítima se torne num perseguidor... Ou num assassino!




"Aos jovens, adolescentes, gente  insegura que se interroga: “O que valho eu?” ou “Alguém se preocupa comigo?” - tem que se dar uma resposta positiva."


Com ternura, penso na minha amiga Dáy, em  São Tomé, com os seus 9 anos de menina insegura, que se julgava mal-amada, a quem a mãe batia porque pensava que era batendo que a ajudava a crescer.  Todas as manhãs ela vinha ter comigo e conversávamos. E queixava-se de ninguém gostar dela. 



Quem quer saber de mim, dôtôrra?!”, perguntava ela. "Para que é que eu tenho de ser boa?”

E eu só lhe podia responder:  “Para mim. Eu gosto de ti Daý, eu quero que tu sejas boa...”

Concluindo: A violência não é uma fatalidade. Pode canalizar-se, controlar-se. Há iniciativas a nível local, nas escolas, ou a nível nacional, em certos países, que permitem obter resultados satisfatórios. 


Entre outras: 


- a mediação entre alunos em litígio- feita por outros alunos que fizeram uma aprendizagem, preparando-se para isso, numa sala própria: a sala de mediação (França); 


- a ajuda personalizada dos alunos em dificuldades;


- a criação de cursos desportivos, ou musicais, com espectáculos e  participação na sociedade da terra onde se situa a escola, tendo apenas como condição frequentarem os cursos depois dos tempos lectivos e inscreverem-se uma hora, na noite, para fazer os deveres (Canadá).


- a vigilância constante dos professores e educadores e auxiliares e pequenos cursos dados nas aulas prevendo essa violência, anulando-a antes de começar (Alemanha).


Para tudo isto são precisos efectivos nas escolas: gente que, em número razoável, possa entregar-se  a essas tarefas. Em França, para a Educação vão abrir-se 60.000 lugares em 5 anos.



Concordemos, ou não, a verdade é que Jeammet faz uma  abordagem séria ao problema. 

Quantos adolescentes sofrem por essa insegurança inicial, essa dor de serem rejeitados: que os leva a ser vítimas. Ou carrascos.


P.S.1

 Acabo de ler uma notícia no Facebook (no Conservatório de Lisboa)que refere um director de escola nos USA que, em 2010, trocou os seguranças por professores de arte! Era um aescola no Massachussets, classificada como uma das mais desordeiras e violentas. Hoje, o balanço é positivo, o nível de violência baixou consideravelmente e a escola é considerada com "bom nível de aproveitamento!"

Por isso, pensemos positivo e recorramos à Cultura, às Artes sempre que possível! Se, entretanto, não nos cortarem também a cabeça!




P.S. 2
(1) Bullying é o termo inglês que se escolheu para designar esta violência, de "bully":  “tiranete”. Tradução mais certa talvez "assédio" que hoje parece servir para tudo... Inclui sempre o uso da força física ou abuso da autoridade para pereseguir, vitimizar ou intimidar os outros, mais fracos. 

Pode querer também dizer: infligir castigos ilícitos, psíquicos ou físicos.


6 comentários:

  1. Não me lembro se vi o filme "Sementes de violência", mas li o livro, que ainda guardo. Impressionou-me bastante na altura em que o li, há muitos anos.

    A forma de ser diferente, ou o aspecto físico, ou outra coisa qualquer, que motiva o desprezo, a gozação, a ironia...por parte dos colegas é muito dolorosa para a vítima. E as crianças e jovens podem ser muito mauzinhos com os colegas.

    Tem que se educar para aceitar os outros, na sua diferença e a si próprio. Aprender a aceitar e aceitar-se.
    Os jovens fazem o que aprendem. Porque na verdade, os adultos e a sociedade em geral marginalizam. Fora da escola, o que vemos no mundo do adulto, é também a marginalização da diferença, a não aceitação dos que não são do nosso "grupo".
    Os jovens são sempre o reflexo da sociedade e há coisas que é muito difícil a escola mudar, se o meio deles também pensa assim.
    Mas temos que insistir na mudança de mentalidades se isso é o que está correcto.
    Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura!

    Um beijinho grande.

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    1. Tens toda a razão, Isabel! Os jovens imitam o que vêem nos adultos... A educação é a base. "A basezinha", já dizia o Eça.
      "temos que insistir na mudança de mentalidades se isso é o que está correcto", dizes tu e dizes bem!
      Ensinar na escola, tem de ser!
      " Os jovens são sempre o reflexo da sociedade e há coisas que é muito difícil a escola mudar, se o meio deles também pensa assim." Mas é essencial que a escola faça reflectir. Pode não haver mais nada para certos alunos, lá em casa...
      Só a reforma da mentalidade fará avançar tudo...
      Beijinhos, fiel comentadora!

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  2. A violência nas escolas, entre alunos, são casos preocupantes hoje em dia. Acho que no meu tempo não havia tanta violência como hoje em dia, claro havia miúdos que brigavam uns com os outros, por causa de uma bola, de um jogo,mas nada de tao violento. Brigas normais.
    Hoje em dia batem-se, ficam magoados, feridos, com receio de ir à escola.
    A vida lá fora está pior que a selva.
    Beijinhos, meu belo Falcão Lunar.

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    1. Resumes de modo lapidar (hahaha!): "A vida lá fora está pior que a selva."
      Um beijinho do teu falcão lunar!

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  3. Maria João,
    O que dizer? A violência passa, como diz, pela falta de afecto, pelo egoísmo narcisista que é a defesa dos jovens dos últimos anos do século XX e início deste século.
    O liberalismo levou a uma menos responsabilização e a valores menos marcados, é verdade.
    A ética e o bem e o mal não têm fronteira definida.
    Os jogos e o acesso sem rumo da internet leva à ideia de um super-homem frio e calculista. Vencer é a palavra chave, sem olhar a meios somente a fins. :(
    Os jovens gostam de conversar, gostam de partilhar é preciso ouvi-los. Numa interpelação que me fizeram disseram que a postura deve ser vertical e não horizontal, uma boca que não engoli e fingi não ouvir.
    Vi o filme mas não li o livro. O "Rock Around the Clock" foi uma música que fiz muitas vezes "reply, again, and again..."
    Um beijinho grato por esta beleza.

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  4. Pois é... resta-nos pensar sobre isto. Temos que dar alguma "luz" no meio desta escuridão: o saber, com empatia, claro e uma grande paciência tantas vezes! Sei que o faz todos os dias...

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