segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Por "Cerros e Vales", com Brito Camacho



Venho falar um pouco de um escritor alentejano de que gosto muito: Brito Camacho. Tem páginas magníficas sobre o Alentejo, sobre as vidas difíceis nos montes e povoados, as “casas da malta”, a vida dos ganhões. E retratos e descrições primorosos.

Manuel Brito Camacho nasceu em Aljustrel em 12 de Fevereiro de 1862, vai fazer 152 anos! 
Terra alentejana (MJF)

Foi médico, formou-se aos 27 anos em Medicina na Escola Médica de Lisboa.  Morreu em Lisboa em 1934.

Foi jornalista, director de um jornal republicano, escritor, político...

Brito Camacho (centro), António José de Almeida, Teófilo Braga

“Por Cerros e Vales” é um relato curioso de uma viagem, em vários episódios, que leva o autor do Algarve a Aljustrel, sua terra natal, acima e abaixo, até ao Terreiro do Paço, em Lisboa.



O Alentejo não tem sombra
Se não a que vem do céu...
canta a canção.

O primeiro episódio, “Por barlavento”, fala-nos da beleza de certos lugares do Algarve, “Pelos campos” – passa pelos Montes do  Alentejo e continuando, por aqui e por ali, "Pelas Beiras", de um lado e de outro do Mondego, andando, andando e comentando, são páginas magníficas sobre o nosso país, mas em especial sobre o Alentejo.

Alentejo, sépia

“O Alentejo não é uma província, é um país”, diz, a dada altura, o amigo Dr. Moura Pinto.
Céu alentejano MJF)

“Mais do que um país” -acrescenta Brito Camacho- “na opinião de um ignorado autor d’um poema inédito – Cardos mastigueiros, em que o Alentejo se define assim, quanto aos seu tamanho:

"Tenho de mim para mim,
E até já o vi escrito,
Que o Alentejo é infinito,
Não tem princípio nem fim."


As descrições do autor mostram bem o seu conhecimento e o seu amor pela terra alentejana.

Dórdio Gomes, A sesta dos ceifeiros

Céu  nublado, calor húmido, ares de trovoada. As searas em ondas de grande amplitude, dão aos campos a aparência de um mare magnum (...) Com as excepções do estilo, os montes da minha infância eram palhotas de taipa batida, cobertas de telha vã, de forma rectangular. A casa de fora, casa de entrada, era ao mesmo tempo cozinha, rouparia e casa de jantar.”

Céu nublado e oliveiras

Pôr do sol, num Monte alentejano (MJF)



E assim vai comentando e ensinando...

Paro, a páginas 187 do livro, para vos contar a história que ele refere, com humor.

Sabe-se que Nisa e Alpalhão – como tantas terras do Alentejo e de outras províncias- têm uma rivalidade-quase-ódio, coisa sem explicação. 

Carlos Madeira, Trecho Alentejano (aguarela)

(Como me lembro de ouvir, em criança, também, que Elvas e Portalegre não tinham comparação: cada um dos habitantes das duas cidades vizinhas (separadas por 50 kms) privilegiava as “maravilhas” da sua cidade, sentindo-a superior à outra.)



O autor tenta  dar uma explicação divertida dessa antipatia: Nisa e Alpalhão – qual a sua culpa?
Bilha de Nisa

Nisa, Praça

Eu saíra de Lisboa no firme propósito de ser um mediador da paz entre Nisa e Alpalhão, firmar nas duas povoações, há muito desavindas (...). Não imagine o leitor que os romanos de Alpalhão tinham raptado as Sabinas de Nisa. Tal não sucedeu ou pelo menos não o conta a História nem o refere a tradição.


Alentejo, fotografia de Stego


O caso foi que, num sermão da semana santa, em Nisa, um façanhudo pregador, ao reboar o estrondo do caixão, fechado com violência, depois de nele metido o corpo do Senhor, exclamou, com fúria, como quem denuncia um crime horrível: 
'- Ah, cães de Nisa, que mataram o vosso Deus'.

 E a multidão que enchia o templo, una voce, mulheres, homens e crianças, apavorados como numa antevisão do Inferno, os olhos afogados em lágrimas, a voz cortada de soluços, gritaram em direcção ao púlpito: 
'- Não fomos nós, foram os de Alpalhão'."

Tectos, em Alpalhão (MJF)

Alpalhão, o Largo (MJF)

Tenho de me rir, já me tinha esquecido da explicação! Nisa é concelho, Alpalhão é uma freguesia de Nisa...

E o autor continua, ironicamente:

"A partir desse momento, um ódio de morte atira frequentemente os habitantes de Alpalhão contra os de Nisa e os de Nisa contra os de Alpalhão, como se uns fossem guelfos e os outros gibelinos." (p.187, 1ªedição, Livraria Guimarães e Cª)

E, com esta bela história viva e cheia de humor, me fico...


Alguns dados sobre o autor: Manuel Brito Camacho nasceu em Aljustrel em 1862. Foi médico, formou-se aos 27 anos em Medicina na Escola Médica de Lisboa (com uma tese sobre a Higiene  e sobre a Hereditariedade).

 
Brito Camacho, por Aquilino Ribeiro e F. Mira


Foi também  militar de carreira –chegou a coronel. Mas foi sobretudo um político e um jornalista importante. Republicano desde a adolescência, em 1888 destaca-se como presidente da associação Académica de Lisboa. A seguir ao Ultimatum inglês (1890) colabora nos jornais a Pátria  e no efémero O Intransigente. 

Em 1906, dirige o jornal republicano Lucta.  Em 1910, com o advento da República, é Ministro do Fomento do  Governo Provisório. 


Brito Camacho, 1911

Nessa altura, a sua acção ficou marcada por ter fundado o Instituto Superior Técnico de Lisboa.

Outros livros do autor: além de “Por cerros e Vales”, “Gente Rústica”, “Terra de Lendas”, “contos Selvagens”, “Quadros Alentejanos", "Rescaldo da Guerra" são alguns títulos...




3 comentários:

  1. Maria João, muito curiosas estas linhas sobre Brito Camacho!
    Nunca li nada dele, apesar dos seus livros "circularem" por cá...

    Um beijinho.:))

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  2. Interessante, tudo o que conta!
    A história das rivalidades é engraçada. Havia muito disso, antigamente, essa rivalidade entre as terras. Por aqui também havia alguma rivalidade entre Castelo Branco, capital do distrito e a Covilhã.

    Gostei das suas fotos e os livros devem ser interessantes. Gosto do aspecto deles.

    Um beijinho grande :)

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  3. Venho matar a saudade.
    E que coisa mais boa é ler tudo isso, aprender muito e sentir o cheiro da terra, atravês das asas desse falcão admirável.

    bjs muitos.

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