sábado, 29 de abril de 2023

Kenzaburo Oe, Prémio Nobel de Literatura em 1994, morreu

Há dias falei aqui de Kenzaburo Oe a propósito da bomba sobre Hiroshima. Kenzaburo é um escritor japonês que, em 1994, recebeu o Prémio Nobel de Literatura. Morreu no passado mês de Março de 2022. (1)

Kenzaburo Oe nasceu em 1935 na aldeia de Ose, situada na floresta de Shikoku,  numa das maiores ilhas do Japão. Os seus antepassados, toda a sua família, vivera nessa aldeia cheia de tradições durante centenas de anos. 

O Imperador da Era Meiji tinha 15 anos
 
 Mesmo quando na Era Meiji (2),  período de modernização do Japão, os japoneses começaram a deixar as aldeias pela capital nova, Tóquio, os Oes ficaram em Ose-mura. 

floresta de Shikoku
 
O escritor teve uma infância atribulada. Tinha seis anos quando rebentou a Segunda Guerra Mundial - que assolou o seu país. O pai morreu em combate no Pacífico, em 1944 e nesse mesmo ano perde a avó a quem estava muito ligado, ficando sob a tutela da mãe.  

 Outra marca indelével da sua infância foi a bomba sobre Hiroshima que caiu a uma centena de quilómetros perto da aldeia onde ele vivia com a mãe. (3)

 

O mundo tornara-se numa coisa assustadora para ele, miúdo da escola. Tinha dez anos quando o Japão capitulou e nunca vai esquecer o discurso do Imperador: se fossem derrotados deviam suicidar-se. A primeira escolaridade ficou marcada pelo inculcar dos ideais imperiais nipónicos.

 

 

A avó tinha sido uma contadora extraordinária de histórias antigas, sempre cheias de humor, que muitas vezes estavam em contradição com as histórias nacionais dos novos tempos. O jovem Oe acaba por "viver" entre as histórias tradicionais da sua aldeia e as míticas histórias da nação e do Japão – muitas vezes em conflito.

"As quatro estações" da pintora Shoen Uemura

Depois da morte do pai e da avó e a mãe que toma conta da sua instrução. Havia já no Japão um conhecimento da literatura mundial e muitas traduções. 

 Shoen Uemura

O que acho interessante é a escolha dos livros "ocidentais" que a mãe lhe compra:  traduções de “As aventuras de Huckleberry Finn” de Mark Tain e “As aventuras de Nils Holgerson” de Selma Lagerloff. Livros que, como Kenzaburo revelou, “o marcaram até à morte. 

Kenzaburo licenciou-se em Literatura Francesa em 1954 na Universidade de Tóquio e começou a publicar os seus primeiros textos em revistas literárias em 1957.

Mais tarde, todas as suas ideias serão viradas para a democracia. Nunca mais esqueceu o "seu" conflito com o Japão tradicional e imperial ao ponto de se recusar a receber um prémio literário só porque tinha o nome do Imperador - a quem não reconhecia “natureza divina”.

Akutagawa, grande escritor japonês

Em 1958 com o Prémio Akutagawa  inicia a sua carreira de romancista. Em 1964 publicou o livro “Não Matem o Bebé” (2), considerada a sua obra mais importante, que refere um problema da sua vida familiar, um filho que nasce com uma deficiência.

Ao longo da sua vida foi publicando muitos livros. Em 1994, recebeu o Prémio Nobel de Literatura.
Há alguns anos o seu nome voltou ser falado, aquando da publicação do romance “Morte pela água”, traduzido em português. (3) É considerado a mais importante voz da literatura japonesa contemporânea.

Costumava dizer que ficou marcado pela Guerra e pelo nascimento de um filho com deficiências cerebrais. Os médicos achavam que não sobreviverá mais do que uns dias e que não vale a pena tentar uma operação, mas os pais insistem.

Sobrevive mas cresce com um desenvolvimento retardado, epilepsia e autismo. Foi grande a dor em aceitar esse filho e difícil a escolha de o deixar entrar ou não na sua vida e ir viver consigo. 
Hikari Oe não fala, tem problemas motores, não comunica. Os médicos acham inútil uma operação, querem dissuadi-lo, mas ele insiste e, depois, algumas melhoras surgem. É sobre essa dor que o autor escreverá "Não matem o bébé".
Pássaro, de Júlio Resende

Um dia descobre que o filho ouve os pássaros e que a música o atrai. Aos 11 anos Hikari apaixona-se completamente pela música clássica. O escritor e a mulher decidem contratar uma professora de piano - e a educação da criança será através da música e Hikari vai ser um compositor.

 Kenzaburo vai escrever sobre ele na maior parte dos seus romances. Escrever sobre os problemas relacionados com a sua “fragilidade” psíquica e física. Sobre a própria ansiedade inclusivamente. 

Hikari é hoje um compositor conhecido no seu país. E um intérprete de Chopin e Mozart. (5)

A literatura Kenzaburo distingue-se por um não-conformismo e as temáticas dos livros são muito críticas sobre o Japão tradicional. O choque cultural e o isolamento individual e social no Japão moderno são temas frequentes nos seus romances, ensaios e contos.

 ***

(1)  Kenzaburo Oe nasceu no Japão em Ose (hoje Hushiko) em 31 de Janeiro de 1935  e morreu no passado 3 de Março de 2023

   (2) a Era Meiji - que ocorre entre 1886 e 1912 - foi marcada pelas primeiras grandes mudanças estruturais no Japão. Instaura-se uma monarquia constitucional, criam-se universidades, instala-se um Poder Legislativo em forma de Parlamento bicameral. Por curiosidade deixo o nome da "eras" do Japão que se seguiram. No final da Era Meiji em1912 entra a Era Taisho até 1926; depois vem a Era Showa que apanha a Guerra e vai até 1980; hoje estamos na Era Heisei.  

    (3) A 6 de Agosto de 1945, o presidente dos Estados Unidos, Harry   Truman, autoriza o uso da bomba atómica sobre o Japão para abreviar o conflito e acabar com a guerra. A explosão da bomba deu-se a 580 metros do chão. Milhares de pessoas morreram instantaneamente. Maia, ainda, ficaram a sofrer de várias doenças após a explosão, especialmente câncer, em função dos efeitos da radiação que permaneceu na cidade.

     (4) editora Livros do Brasil, 2018

    (5) editora  Livros do Brasil, 2017 tradução do inglês por Helder Moura Pereira

     (6) o filho, Hikari Oe, nasceu em 13 de Junho de 1963. É hoje um compositor e pianista conhecido - com vários CDs seus gravados.

https://www.publico.pt/2023/03/13/culturaipsilon/noticia/kenzaburo-oe-escritor-activista-regressava-filho-hiroxima-2042253




 

1 comentário:

  1. Penso que há muitos anos li um dos seus livros, mas vou ter de confirmar. Gostei de ficar a saber mais sobre o escritor. Obrigada. um beijinho e uma boa noite

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