As Asas do Desejo, filme de Wim Wenders "revisitado": Nick Cave Cassiel's Song

WIM WENDERS OU O DESEJO DOS ANJOS

As asas do desejo ou, como diz o título inicial “Asas sobre Berlim” é um filme que me interessou e voltei a ver em DVD há dias.

Dois anjos acordam e olham do alto da catedral as ruas movimentadas, o trânsito, a agitação, sem gente visível. Pensam, Talvez sobre aquilo que um anjo pode ou não pode fazer neste mundo.

Voam. Descem. Vêm ver de mais perto. Andam. Ouvem.

Nos transportes públicos, as pessoas ainda sonolentas fixam o vazio, envoltas nas suas preocupações.

Os anjos ouvem o que elas pensam. Ouvem as vozes interiores que se calam e que dentro de cada um, nos assustam. Com as quais vivemos, calados.

Os medos aparentemente sem sentido que nos tolhem ao acordar, pela manhã e, já, o susto:

- Será que...

Solidão. Tristeza. Amor. Desamor. Medo da morte. Incerteza.

Um dos anjos que se chama Cassiel, poisa a mão no ombro de alguém que desespera, no alto de um terraço. Mas a mão do anjo não se sente, o anjo não fala, e lá vai um corpo que cai...

E o anjo desespera da sua inutilidade.

Os anjos continuam, lado a lado, ombro a ombro, com o peso das asas leves e  inúteis. Sobem a uma biblioteca enorme onde há quem leia, quem estude, quem olhe para o ar. 

E onde há outros anjos silenciosos. 

Serão as bibliotecas o lugar dos anjos? E por que não?

O anjo Cassiel (um muito bom Bruno Ganz) vagueia pelas ruas, sopra nos cabelos das jovens que passam,  tenta roubar a bola dos pés das crianças e sorri.

Também há calor, cá em baixo. Há gente que se diverte. Há quem ria.. Há quem tome o seu café quentinho num quiosque de uma rua banal. 

O anjo segue esses risos.

Há ali, num descampado perto, um circo, um velho circo de bairro. O anjo entra. Ri-se com os outros.

Há a beleza e a suavidade de uma mulher jovem que o atrai. Ela voa no trapézio. E parece um anjo. 

Mas as asas pesam-lhe.

- São penas de galinha, queixa-se ela. Pesam...

Terá ela sido um anjo? Porque há anjos que desceram à terra...

Cassiel, o anjo, fica a vê-la voar. Ouve o medo dela.

- É a última vez... O circo vai fechar. E depois?

Ele quer falar-lhe. Mas os anjos não falam.

- Tenho medo, diz ela. Tenho sempre medo da última vez. Será que...?

O anjo segue os volteios de pássaro daquele corpo belo. Ouve-se uma música dolente e triste, Nick Cave canta.

E o anjo segue a mulher. Vê-a dançar agora, numa barraca onde toca um grupo rock. Jovens que ondeiam ao som da voz de Nick Cave.

E o segundo anjo segue-o, preocupado e curioso. Pressentirá no amigo o “desejo” de descer à terra? O desejo de agir, fazer, tocar, ser humano?

Perder as suas asas e sofrer, como os homens?

A música de Cave é tristíssima. O segundo anjo perturba-se com a música. Talvez com o músico também. Terá a tentação de imitar o desejo de  Cassiel?

Sim, porque os anjos podem descer à terra. Há anjos que escolheram viver entre os homens e partilhar esse destino duro...

É aí que aparece Peter Falk, num diálogo inesperado, quase surrealista. Ele viera filmar umas cenas a Berlim. Fala-se do holocausto, nesse filme. E ele está agora no tal quiosque a beber um café.

E depois?

Será que o anjo Cassiel vai deixar as suas asas e a sua armadura rutilante? Não vou contar.

Do alto da Catedral, um anjo acorda sobre Berlim.

Começa a ver o movimento das ruas lá em baixo,  e a ouvir o murmúrio das gentes...

http://falcaodejade.blogspot.com/2011/12/wim-wenders-e-lisboa-monogatari-como-se.html

Nick Cave nasceu em 22 de Setembro 1957 na Austrália, em Victoria. Músico e compositor, poeta, cenarista e por vezes actor.

Nick Cave & The bad seeds, no Coliseu do Porto há uns anos