quarta-feira, 7 de março de 2012

Mais outro soneto de Bocage: o desânimo, o arrependimento, o desgosto, o nada...


Adeus, oh mundo! oh natureza! oh nada!

I

Meu ser evaporei na lida insana 
Do tropel de paixões, que me arrastava:
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana:

De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos;

Deus, oh Deus!... Quando a morte à luz me roube
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.

II

Já Bocage não sou!  À cova escura meu
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura:

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento;
Musa... Tivera alguma merecimento
Se um raio da razão seguisse pura!


Eu me arrependo; a língua quasi fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... A santidade
Manchei! Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!


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