Bem, a notícia já vai atrasada pois a exposição de Federico Barocci, na National Gallery de Londres, a que me vou
referir, encerrou em Maio
passado: chamava-se “Barocci: Brilliance and Grace”.
Auto-retrato, 1595-1600
Não, não a vi... E tenho pena, mas nem sabia da sua
existência. Ontem a ler um suplemento literário (coisa que não existe por cá
são suplementos literários...) do Financial Times – de 3 de Março, outro
atraso, mas gosto de guardar certas coisas para ler com tempo.
Valeu a pena, porque o artigo era muito interessante e explicativo. Intitula-se "A Study in Strictures" e assina-o Robin Blakes.
Valeu a pena, porque o artigo era muito interessante e explicativo. Intitula-se "A Study in Strictures" e assina-o Robin Blakes.
Nele, fala da coragem que teve o director da célebre Galeria londrina,
Nicholas Penny, ao afirmar, na apresentação da Mostra, que “o sujeito da
exposição, Federico Barocci, foi um pintor melhor do que o seu contemporâneo El
Greco”.
Pergunta Robin Blakes:“Merecerá Barocci este grande revival?”
E responde, ao longo do artigo, apreciando,
pormenorizadamente, com lucidez e sabedoria, a pintura do pintor italiano, Federico
Fiori, Il Barocci, considerado um proto-barroco.
Quem era Barocci? Nasceu em Urbino em 1528, onde morreu a 30
de Setembro de 1612. Estudou primeiro com o pai, Ambrogio Barocci, escultor, e depois
foi aprendiz na bottega do pintor Battista Franco, em Urbino.
Cristo e Anjo, deseho de Battista Franco
Chegada de Carlos V a Paris, de Taddeo Zuccari
Palazzo Ducale, pormenor de um móvel, a Utopia
As viagens de Barocci a Roma foram acidentadas, conta o autor:
Federico Barocci “atravessou duas vezes
os Apeninos para procurar trabalho junto do Papado, em Roma. Suscita o
interesse do Papa, mas igualmente a inveja e os ciúmes dos rivais.”
O Papa Pio IV vai
chamá-lo de novo mais tarde para ajudar a decorar o Palazzo del Belvedere, no Vaticano. Pinta dois
quadros: Madonna com il bambino e Santi e uma Anunciação, entre outros quadros.
Continua Blakes:
“Da segunda vez que vai a Roma, é envenenado.” Uma salada, num picnic, vai, supostamente,
envenená-lo e nunca mais se recompõe.
Regressa a Urbino em 1563 mas a sua saúde ressente-se, e não volta a sair da sua
região - As Marcas- até à morte.
“Pinta sempre, mas com um ritmo lento, uma das coisas que o
vai distinguir.”
Parece que ficou famoso “também” por isso. Entregava os
quadros sempre com grande atraso.
“Culpa do estado de saúde? Não só. Também pela preparação exaustiva:
desenhos, esboços, sketches a pastel, giz e óleo simultaneamente – no que foi
um inovador, ainda antes de Correggio, dessa técnica."
(Um aparte: talvez mestre Correggio o tivesse influenciado na perspectiva em diagonal, mas os
rostos de Barocci são sempre sorridentes, ao contrário dos do Mestre. Têm um ar
de felicidade - que era a sua, com certeza, porque é natural.
"Nos quadros definitivos não aparecerão muitas das coisas patentes
nos desenhos da exposição" : não haverá nus, nem imagens pagãs ou menos religiosas.
A
pintura de Barocci é toda ela uma pintura religiosa, à excepção do quadro que pintou para a corte do Imperador Romano Rudolfo II, de Praga. “Eneias fugindo de Troia”.
A Fuga de Eneias
Barocci foi, de facto, um pintor da Contra-Reforma, respeitador das
indicações da Igreja nesses assuntos. Entrara em 1566 na Ordem dos Capuchinhos, uma
ordem menor saída dos Franciscanos e não se aventurou forado que a Igreja mandava.
No entanto, como diz Robin Blakes, nos desenhos de preparação
para as telas, essa religiosidade não impede que a realidade prevaleça: por
exemplo, nos esboços para a “Deposição”, o Cristo aparece nu, em posição torcida, em sofrimento na cruz.
Na pintura final, pelo contrário, a figura, com os flancos já cobertos, é como que suavizada e a posição do Cristo parece menos dolorosa.
desenho prévio
Barocci, Deposição de Cristo
Na pintura final, pelo contrário, a figura, com os flancos já cobertos, é como que suavizada e a posição do Cristo parece menos dolorosa.
El Greco, Túmulo de Cristo, 1602
Caravaggio, Descida da Cruz
“Barocci não tem qualquer intenção de lascívia nesses
desenhos, está apenas a seguir os ensinamentos de Leonardo e Michelangelo
segundo os quais não se podia pintar um corpo vestido sem, antes, o imaginar (desenhar) nu...”
Sobre a importância de Barocci, conclui Robin Blakes:
“Barocci revela-se possuidor de uma
suave técnica, de uma sensibilidade no desenho, um sentido maravilhosos da cor
e a sua aproximação da composição é original, pessoal.”
Madonna delle Ciliege, ou Fuga para o Egipto, hoje no Museu Vaticano
Caravaggio, Repouso durante a Fuga para o Egipto
(...) Não é superior a El Greco ou a Caravaggio, seus
contemporêos de valor, mas, em termos de História de Arte ele é um ponto de
referência muito importante e útil porque na sua obra aparece apenas o que a
Contra-Reforma permitia à Arte católica. Barocci merece, pois, a sua
reabilitação.”
A circumcisão de Jesus
Do artigo, concluo algumas coisas que todos sabemos:
- que a inveja e o ciúme existiram desde sempre;
- que esses sentimentos podem destruir;
- que há lugar para mais do que um “maravilhoso” artista, ao
mesmo tempo:
Assim, Caravaggio, El Greco e Barocci são três pintores geniais que foram contemporâneos. Basta comparar os 3 quadros que representam a Deposição de Cristo, por eles pintados.
Assim, Caravaggio, El Greco e Barocci são três pintores geniais que foram contemporâneos. Basta comparar os 3 quadros que representam a Deposição de Cristo, por eles pintados.
Finalmente, deixo a minha contribuição pessoal para o post:
Foi muito interessante,
sem dúvida, tudo o que li! E aprendi muito.
Eu que amo Barocci desde que o vi em Urbino, na Galeria
Nacional das Marcas, há tantos anos!
A Cidade Ideal (de que falarei a seguir)
Federico Barocci é terno, é doce e as suas virgens têm um ar
de meninas!
"Swooning virgins", chamaram-lhes, virgens desmaiadas. Eu diria que têm a palidez e a delicadeza das figuras de certas pinturas japonesas...
Os seus meninos-Jesus são belos e verdadeiros como são os meninos-bébés
deste mundo, todos que vi na vida. (E sem as bochechas gorduchinhas e pregas
de gordura na barriguinha, como outros grandes pintores os representaram e que são igualmente lindos.)
"Swooning virgins", chamaram-lhes, virgens desmaiadas. Eu diria que têm a palidez e a delicadeza das figuras de certas pinturas japonesas...
Natividade, 1597
Os seus temas são religiosos, sim, mas de uma grande
humanidade nas figuras “divinas” e grande simplicidade nas atitudes ou gestos: como o São José que
dá cerejas a um Jesus, rapazinho, na Fuga para o Egipto; ou a bela e simples Madonna del Gatto, onde S. João Baptista brinca com o gato; ou, ainda, o movimento e a alegria das figuras da Madonna del Popolo.
E tantos outras pinturas! Basta olhar...
Para saber mais, ou ler o artigo...
http://www.telegraph.co.uk/culture/art/art-reviews/9893595/Barocci-Brilliance-and-Grace-National-Gallery-review.html
Para saber mais, ou ler o artigo...
http://www.telegraph.co.uk/culture/art/art-reviews/9893595/Barocci-Brilliance-and-Grace-National-Gallery-review.html
Que bonito todo o post!
ResponderEliminarGosto da pintura de Barocci. Parece mais viva, com um colorido ou uma alegria (como refere) diferente. Muito bonito!
Já por aqui estou às voltas com o trabalho!
Amanhã já tenho alunos.
Um beijinho grande e obrigada por tão lindos post!
Bom domingo!
Obrigada, minha fiel visitante! Bom domingo também para ti e BOM COMEÇO!
EliminarÉ sempre bom recomeçar, seja o que for! Beijinhos
Não conhecia Barocci, estou convencida de que não vale menos que Caravaggio ou El Greco, dois génios, sem dúvida. Tu achas que as pessoas com um grande talento são invejosas, ou isso é mais próprio das que, não valendo tanto e sendo muito ambiciosas, se tornam más e mesquinhas?
ResponderEliminarA verdade é que há muita gente que vale ou valeu e nunca foi reconhecida, e até às vezes o seu mérito foi aproveitado por outros para sua maior glória, o que é indignante. A vida pode ser muito injusta.
Um bonito post, imagino o que desfrutaste ao fazê-lo. A cabeça de São João é espectacular.
Beijinho, vou sair e depois digo alguma coisa, apetece-me, e hoje não há "deveres", já os fiz, meia dúzia de linhas... Primeiro vi as uvas e enamorei-me delas, depois pus-lhes uma legenda. A inspiração não dá para mais!
Gostei sobremaneira de tudo o que li e da pintura não digo mais.
ResponderEliminarBeijinho. :))