quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Ainda José Régio e o Poeta: Jardim do Poeta

JARDIM DO POETA, DE JOSÉ RÉGIO

René Magritte, Pomba com um ramo de flores


"Jardim do poeta.
Claustro de monge.
Cela murada exposta aos céus e ao longe.
Câmara aberta mas secreta

Poucos metros quadrados,
Mais vastos do que o mar.
Sol, chuva, lua, vento – e o musgo a atapetar
Três ou quatro carreiros mal traçados.

Como jóias voláteis, palpitantes
Mensageiras do amor,
As borboletas vão de flor em flor,
Levando pólen às amantes.

A camélia, o junquilho, a humílima violeta
Cujo perfume vem do chão,
Rociados da aurora, o saudarão:
“Bom dia, poeta”!

Bom dia! Deus seja louvado,
Porque tudo, por Ele, é extraordinário!
Cada corolazinha é um seu sacrário
Jardim do poeta, -chão sagrado.

Louvado Quem na mais modesta flor
Pôs tal requinte, e a fez tão rica,
Tais mistérios e dons lhe comunica,
Lhe dá caprichos tais de forma e cor!

Jardim do poeta, rosas finas,
Cravos de sangue azul vestidos de brocados,
São vizinhos dos lírios dos valados,
Acamaradam com as boninas.

Câmara aberta mas secreta,
Jardim do poeta. Ao entardecer
Vai ele, a cada flor, dar de beber.
E todas: “Boa tarde, poeta!”

Por ali se demora, fora, longe,
Fervem paúis,  vulcões de lama,
E a ele próprio, o mal o chama.
Jardim do poeta, ali. Claustro de monge.

Ali se dão entendimentos
Que entre os homens não chegam a se dar.
Espera um pouco, noite! E, devagar,
A noite vem, com gestos sonolentos.


Começa um rouxinol seu desfilar de pérolas.
Regada há pouco, a terra cheira bem.
Noutro jardim maior, por ‘i além,
Abrem-se as rosas das planícies cérulas.

Câmara aberta mas secreta,
Jardim do poeta. Regressando,
Sobe um murmúrio no ar brando,
Que o segue: “Boa noite, poeta”!

“Boa noite e bons sonhos! Dorme bem.
Cá te esperamos amanhã”.
Como toda a riqueza é pobre e vã,
Se a alma não a tem!

Jardim do poeta.
Claustro de monge.
Cela murada exposta aos céus e ao longe.
Câmara aberta mas secreta."

René Magritte, o Império das luzes: "Boa noite poeta!"

José Régio, in Flores –Inéditos sobre a flor dos nossos poetas contemporâneos. Edição das Conferências de São Vicente de Paula, Portalegre, s/d (1958?), livro cujo produto da venda reverteu a favor das crianças órfãs.

René Magritte, Janela e mão...com pomba

Mais tarde, o poema de Régio foi publicado no livro póstumo: Colheita da Tarde (1971)

Este poema foi retirado do livrinho a que já me referi: "Escritos de Portalegre", edição da Revista A CIDADE, integrada nas comemorações do 15º Aniverário da Morte de José Régio (1984)

2 comentários:

  1. É um poema lindo, também guardo esse livrinho!
    Beijinhos

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  2. É lindíssimo o poema de José Régio e os quadros de Magritte são geniais.

    Bonito post.

    Um beijinho.:))

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