"Jardim do
poeta.
Claustro de
monge.
Cela murada
exposta aos céus e ao longe.
Câmara
aberta mas secreta
Poucos
metros quadrados,
Mais vastos
do que o mar.
Sol, chuva,
lua, vento – e o musgo a atapetar
Três ou
quatro carreiros mal traçados.
Como jóias
voláteis, palpitantes
Mensageiras do
amor,
As
borboletas vão de flor em flor,
Levando
pólen às amantes.
A camélia, o
junquilho, a humílima violeta
Cujo perfume
vem do chão,
Rociados da
aurora, o saudarão:
“Bom dia,
poeta”!
Bom dia!
Deus seja louvado,
Porque tudo,
por Ele, é extraordinário!
Cada
corolazinha é um seu sacrário
Jardim do
poeta, -chão sagrado.
Louvado Quem
na mais modesta flor
Pôs tal
requinte, e a fez tão rica,
Tais
mistérios e dons lhe comunica,
Lhe dá
caprichos tais de forma e cor!
Jardim do
poeta, rosas finas,
Cravos de
sangue azul vestidos de brocados,
São vizinhos
dos lírios dos valados,
Acamaradam
com as boninas.
Câmara
aberta mas secreta,
Jardim do
poeta. Ao entardecer
Vai ele, a
cada flor, dar de beber.
E todas: “Boa
tarde, poeta!”
Por ali se
demora, fora, longe,
Fervem
paúis, vulcões de lama,
E a ele
próprio, o mal o chama.
Jardim do
poeta, ali. Claustro de monge.
Ali se dão
entendimentos
Que entre os
homens não chegam a se dar.
Espera um
pouco, noite! E, devagar,
A noite vem,
com gestos sonolentos.
Começa um
rouxinol seu desfilar de pérolas.
Regada há
pouco, a terra cheira bem.
Noutro
jardim maior, por ‘i além,
Abrem-se as
rosas das planícies cérulas.
Câmara aberta
mas secreta,
Jardim do
poeta. Regressando,
Sobe um murmúrio
no ar brando,
Que o segue:
“Boa noite, poeta”!
“Boa noite e
bons sonhos! Dorme bem.
Cá te
esperamos amanhã”.
Como toda a
riqueza é pobre e vã,
Se a alma
não a tem!
Jardim do
poeta.
Claustro de
monge.
Cela murada
exposta aos céus e ao longe.
Câmara
aberta mas secreta."
José Régio, in Flores –Inéditos sobre a flor dos nossos
poetas contemporâneos. Edição das Conferências de São Vicente de Paula, Portalegre, s/d
(1958?), livro cujo produto da venda reverteu a favor das crianças
órfãs.
René Magritte, Janela e mão...com pomba
Mais tarde, o poema de Régio foi publicado no livro póstumo:
Colheita da Tarde (1971)
Este poema foi retirado do livrinho a que já me referi: "Escritos de Portalegre", edição da Revista A CIDADE, integrada nas comemorações do 15º Aniverário da Morte de José Régio (1984)
É um poema lindo, também guardo esse livrinho!
ResponderEliminarBeijinhos
É lindíssimo o poema de José Régio e os quadros de Magritte são geniais.
ResponderEliminarBonito post.
Um beijinho.:))