quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A Barreira Invisível ou para Além da Linha Vermelha? Filme de Terrence Malick a ver...ou rever!






Quem é Terrence (Frederick) Malick?  É um realizador americano,  guionista e produtor. Nasceu em Ottawa, no Illinois, em 30 de Novembro de 1943. Trabalhou com Arthur Penn.

Estudou em Austin, na Episcopal Escola de St Stephen. Mais tarde, estudou filosofia na Universidade de Harvard, onde foi aluno do filósofo Stanley Louis Cavell, Mestre e Professor Emérito de "Filosofia e Estética" e "Teoria Geral dos Valores", desde 1963. Malick licenciou-se, “summa cum laude” e Phi Beta Kappa, em 1965. 

Vai para Oxford fazer o Doutoramento, no Magdalen College - que não termina por desentendimento com o orientador, o Professor Gilbert Ryle, sobre certos conceitos do mundo em Kierkgaard e Heidegger. Deixou a Inglaterra e voltou para os USA onde ensinou No Instituto Técnico do Massachussetts e publicou artigos no Newsweek e no New Yorker.

Interessa-se pelo cinema e é protegido do grande Arthur Penn.

Arthur Penn

O primeiro filme de terrence Malick é Badlands, de 1973, e o segundo de 1978, intitulado Days of Heaven.

O terceirosai passados mais de 20 anos é The Thin Red Line "Barreira Invisível", de 1998. Em 2011, saiu o último filme A Árvore da Vida.




O filme de que vou falar porque o vi há dias- é The Thin Red Line - Barreira Invisível, em português, e Além da Linha Vermelha,  no Brasil. Baseia-se na história do livro homónimo, de James Jones, que também escreveu “Até à Eternidade”, outro livro levado ao cinema.




Fala de um episódio da Guerra do Pacífico, passado no arquipélago das Ilhas Solomon, em Guadalcanal, e da carnificina entre japoneses e americanos perto do rio que atravessa a ilha. Apresenta uma visão crítica dessa realidade. 

É uma interrogação sobre o sentido de morrer e de matar. Penso que para o realizador importou mais revelar o estado de espírito dos que participaram (e participam) na guerra. Com imagens fortes, com imagens belas, mas a falar do impensável! Do crime: matar, morrer...

É um filme do espanto e da destruição interior onde cada um está isolado na sua angústia e no seu terror. 


O espanto dos jovens soldados, quando matam o primeiro inimigo, é terrível.
"Matei um homem!", dizem sem ter a noção do que fizeram mas chocados já por o terem feito.

Guadalcanal, 1942

Honiara, capital de Guadalcanal, hoje

Dois soldados desertores refugiam-se numa das ilhas da Melanésia. Um deles é soldado Train, o outro o soldado Witt. 



As imagens de esplendor,  das cores límpidas, na suavidade das águas do rio, do mar, nos pássaros curiosos, nos pequenos animais da floresta que parecem olhar o homem sem o compreender são vividas por Witt.



É o retorno ao paraíso perdido? A transparência das águas onde mergulha com as crianças da ilha, a sensação de tudo ser possível ainda. O soldado ouve, vê, nada, brinca com as crianças nativas. Observa os seus hábitos simples da gente que vive na aldeola, sorri.



Não dura muito: é “recuperado” pelo sargento Welsh que o leva “de regresso” à guerra que ele não queria fazer e ao futuro desgraçado que os espera a todos...


A guerra onde vão mergulhar: que traz o horror,  a morte, a incompreensão da dor, do matar e morrer, sem sentido. Das mentiras, dos ambiciosos que querem uma promoção, dos que sonham com a carreira. E o sangue, a morte, os gritos, as chamas rodeiam-nos. A angústia e a incompreensão ligam-se. Interrogam-se, alguns ainda quase crianças.


Por que morrem? Quem sabe por que estão ali? Por que estão juntos?

A voz do soldado Train, em off: “Quem é este que vive comigo? Irmão, amigo. Escuridão e luz. Luta e amor. Traços de um mesmo rosto? Oh, minh’alma. Deixa-me estar contigo. Olha por dentro dos meus olhos. Olha as coisas que fizeste. As coisas a brilharem...”

James Caviezel, o soldado Witt

O espanto do soldado Witt, que tinha encontrado um paraíso e o perdera, é enorme. 


“O mal. De onde veio? Como se instalou no mundo? De que semente, de que raiz  nasceu? Quem é que faz isto? Quem nos mata? Roubam-nos a vida e a luz.” (...) Será que a nossa desgraça beneficia a terra Ajuda a erva a crescer, o sol a brilhar? E esta escuridão dentro, sente-la tu também? Passaste por isto?”

Cada um lembra o que mais amou: a mãe a mulher que ficou para trás, a infância longe daquele inferno. Haverá um retorno? Voltarão a ver-se?

o inferno de Guadalcanal

O oficial japonês também pergunta qual o sentido da vida, enquanto o humilham.

Batalha de Guadalcanal, soldados japoneses mortos

Tens razão tu? És um justo? És bom? És amado por todos? Eu também era. Imaginas que o teu sofrimento seria menor só porque amaste a bondade e a verdade?”
um rosto enterrado, que importa quem foi? 

Jack Bell, o aterrorizado soldado Bell, pensa: “Sim, o amor. De onde vem? Quem acende esta chama cá dentro? Nenhuma guerra o pode tirar, ou conquistar. Eu estava preso, o amor libertou-me.”


Adrien Brody, o soldado Bell

Por vezes o sargento Welsh e o soldado Witt conseguem falar. O diálogo é sempre muito rico, cheio de sensibilidade e verdade. Falam da guerra, da solidão, da desilusão e da esperança.


Umberto Boccioni, "La Guerra"

desembarque dos fuzileiros

Encontrei parte desses diálogos (*) na internet, e são importantes para a compreensão do filme. Malick não estudou filosofia por acaso: tudo o que pertence ao Homem, à sua natureza, ao amor de saber os porquês de tudo é inesgotável e quer saber, quer entender mesmo o inominável.




Sargento Welsh (o actor Sean Penn):  Um homem sozinho não é nada neste mundo. E não há outro. Ninguém se salva sozinho.

Soldado Witt:  Alguma vez se sentiu só? Todos procuramos a salvação sozinhos.

Welsh: Não há outro mundo onde tudo se arranje, depois. Só temos este, esta rocha.

Witt: Eu vi outro mundo (na ilha). Às vezes penso que só o imaginei.



Encontram-se? Desencontram-se? O diálogo continua, entrecortado, enquanto a guerra e o horror passam por eles.

Witt: Talvez os homens façam parte de uma só alma, todas as faces pertençam a uma só.
Sean Penn, o sargento Edwurd Welsh

Welsh: Que diferença pensas que isso faz? Um homem nesta loucura toda?

Witt: Como é que perdemos todo o bem que nos foi dado? Deixamo-lo ir embora devagarinho. Dispersar-se livremente.

Witt vai continuando, sempre de olhos abertos, a querer perceber o porquê. A segurar a mão do soldado que morre ao seu lado, a ajudar os outros a morrer, de olhos fixos nos dos outros. Para não estarem sozinhos? Uma forma de companhia - ou de compaixão - o sentido da palavra em latim cum+patire: sofrer com alguém...


Quando poucas esperanças restam, e a morte ronda, o sargento Welsh perguntará: 

"Onde está o brilho que vias em mim? Por que arranjas sempre tantos sarilhos, soldado Witt?"

Witt limita-se a fixá-lo, com o seu olhar límpido:

" Preocupa-se comigo sargento? Sempre pensei que sim. Uma casa vazia. Alguma vez se sentiu sozinho?"

Welsh responde: "Só quando estou acompanhado." 

E Witt repete: "Só acompanhado..."

Welsh fala-lhe do que sempre estranhara ouvir dizer-lhe: ver "nele" um brilho, uma luz, uma espécie de aura. 

"Ainda acreditas na tal luz? Como podes acreditar? És um ser mágico para mim..."

Witt diz simplesmente: 

"Sim, ainda vejo um brilho em si, sargento..."

Quase no final do filme, no barco dos que sobreviveram, o Sargento Welsh medita no sentido daquilo que viveu. Sente a mentira em que foram envolvidos, os interesses de todos que não são os deles.

 “É tudo uma mentira. Tudo o que ouves, tudo o que vês. (...) Vão chegando uns  atrás dos outros. Estás fechado numa caixa. Uma caixa que se move. Querem que morras. 
Nick Nolte, o capitão, e John Travolta, o coronel Tall

Ou que entres na mentira deles. Um homem só pode fazer isto: encontrar uma coisa que seja nossa e transformá-la numa ilha.  Se nunca te encontrar nesta vida, deixa-me sentir a falta; um olhar  teu, e a minha vida pertence-te.”


Não estamos sós? Basta acreditar?, ter um olhar que nos espera no momento decisivo? 

A última imagem do filme, um coqueiro a nascer dentro do rio, é uma imagem de esperança...

Filme muito bem feito, que nos interroga. Com James Caviezel, Sean Penn, Ben Chaplin, Nick Nolte, Elias Koteas, John C. Reiley. Grandes actores!

Encontrei dois artigos bons sobre o filme:






3 comentários:

  1. Deve ser um belíssimo filme, e tem grandes actores. Sou fã do Sean Penn.
    Vi A Árvore da vida e gostei.

    Gostei imenso do seu excelente post!
    A guerra é terrível, sempre!

    Um beijinho grande :)

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  2. Não vi o filme, o último que vi de este mítico realizador foi a Árvore da Vida, diferente ao resto da sua cinematografia no contexto, mas sempre com o fio comum de explorar a natureza humana de forma filosófica, o que queremos ser frente ao que realmente somos, o que não entendemos, o misticismo, a solidão. O que mais me ficou foi a beleza de algumas imagens, porque a "mensagem", a estas alturas, tem que ser muito original para sorpreenderme. A gente já viu tanta coisa! Demasiadas!!!!
    Que tenhas um dia estupendo. Eu hoje sinto-me leve como um pássaro, comecei bem o dia. ESpero não sair a voar pela janela, e continuar assim o dia inteiro, oxalá!
    Beijos

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