A relva verde, tão verde ainda, onde algumas flores resistiam aos primeiros frios. O muro branco cercava a quinta.
Sabia onde queria ir: “Ver os cavalos!”
Estavam perto da
casa, tinham-lhe dito. Amava a liberdade, como eles. O olhar deles, orgulhoso e independente,
nunca submisso, mesmo quando sentiam a afeição dos outros, era o dela.
Um cavalo era castanho e o outro branco, de uma brancura
tal que, na manhã, lhe pareceu também azul.
Chamou-os: “Cavalinho! Vem
cá...”
O cavalo branco ergueu a cabeça, mas não se moveu, tranquilo, quase estático.
O cavalo castanho, esse, veio devagarinho cumprimentá-la. Foi o que pensou, quando ele encostou a cabeça ao
gradeamento do portão e abriu os grandes olhos escuros. Sacudiu a crina cheia
de moscas. Tinha as pálpebras com mosquinhas de asas brilhantes que não o
largavam. Impaciente, movia o corpo todo.
Ia afastar-se? Ia deixá-la? Agitou
a mão, a enxotá-las, indignada, com medo que ele se fosse embora.
Ele ficou. Começou a fazer-lhe festas na cabeça, no ponto
onde crescia um quadradinho de pelo branco. Deixava-se afagar.
E falou-lhe. “O que se diz a um cavalo?”, pensou. Poucas
palavras, frases curtas, interjeições cheias de ternura. No fim, até achou que
lhe tinha dito muitas coisas.
Ele continuava parado, a ouvir. De vez em quando, a cauda
vinha, como um chicote, afastar as moscas.
Parecia-lhe que sim. Um cavalo ouve.
“E será que percebe?” Não podia saber.
Lembrou-se do conto de
Tchekhov, a história do cocheiro que confia a sua dor ao cavalo quando, à noite, lhe vai
tirar o cabresto, e o tapa cuidadosamente com a velha manta. E lhe dá de comer, num cantinho do
estábulo, onde ninguém os via. E se queixa.
Sim, todo o dia tentara falar da sua dor com os clientes, mas nenhum o escutara. Encosta-se ao cavalo e diz: “Sabes?” E contou-lhe tudo.
O cavalo ouviu-o?
Sim, todo o dia tentara falar da sua dor com os clientes, mas nenhum o escutara. Encosta-se ao cavalo e diz: “Sabes?” E contou-lhe tudo.
O cavalo ouviu-o?
“E o cavalo castanho a
mim ouviu-me?”, pensou.
Não tinha a certeza, as grades separavam-nos, mas era doce o seu olhar. Pouco a pouco,
com delicadeza, foi recuando para o sítio de onde viera, junto da palha, em
cima de uma carripana.
Esquecera-se dela?
Esquecera-se dela?
O cavalo branco veio também um dia. Aproximou-se devagar e a crina acinzentada, cor da prata, era linda. Atrás dele, as árvores ganhavam uma cor mais viva.
Rebelde, o corpo estremecia ao menor contacto das mãos dela. Tentava tocar-lhe e afagá-lo, com a ponta dos dedos, mas ele sacudia a cabeça com força. Não tinha confiança nela.
Rebelde, o corpo estremecia ao menor contacto das mãos dela. Tentava tocar-lhe e afagá-lo, com a ponta dos dedos, mas ele sacudia a cabeça com força. Não tinha confiança nela.
"Olha para mim?" Não. O olhar parecia perder-se para lá do portão,
nas lonjuras do céu. Imaginou-o livre, os campos atrás dele, com a terra toda para ele, queria-se solto.
Talvez não fosse desconfiança. Talvez apenas quisesse guardar a sua liberdade completa.
Talvez não fosse desconfiança. Talvez apenas quisesse guardar a sua liberdade completa.
Talvez, bem lá no fundo, soubesse que a liberdade estava rodeada
de grades, não pudesse confiar nela: ela estava do lado de fora
das grades.
Entre a simplicidade, na aceitação, do cavalo castanho, e a
revolta, silenciosa e firme, do cavalo branco havia um mundo de coisas! Entre ela e eles haveria sempre aquelas grades.
São tão lindos, os cavalos!
ResponderEliminarEntenderam-se bem com a protagonista da história...não é qualquer pessoa que os cativa...
Eu tenho um pouco de medo...
Lindas fotos!
Um beijinho :)
Uma história muito bonita. Porém, ainda estou consternada com a história do acidente próximo de Évora, da perda de vida das pessoas e do cavalo que andava solto na estrada.
ResponderEliminarBeijinho e gostei deste começo no Novo Ano.Parabéns.:))
Eu tenho a certeza que os cavalos nos ouvem e nos sentem. Sorte a deles que não têm de compreender, só de nos aceitar e gostar.
ResponderEliminarBeijinhos e um Ano excelente
Bom dia, Jana, com este bonito relato. Os animais dão-nos grandes lições, quando querem a alguém é para toda a vida, são generosos e nobres. Deve ser muito duro estar " ao outro lado das grades", mas no fundo todos temos a nossa própria prisão, nem sempre somos livres por viver sem barrotes...
ResponderEliminarEstá uma manhã de chuva miudinha, gosto de ver chover assim. Não me sinto triste, apesar de estar o dia tão escuro. Lembro-me de ti com carinho ( sem pressas, por fim!!! ) e desejo-te um bom dia.
Um xi
Tudo pelo melhor
ResponderEliminara despertar relâmpagos
Bjs