segunda-feira, 30 de junho de 2014

"Errare humanum est"? Não! Em certas situações, não se pode errar…




Quando se trata da vida de um homem, errar não é permitido! No entanto, quantos morreram nas prisões acusados de delitos que não cometeram? Quantos esperam nos "corredores da morte" que alguém se interesse e descubra que estão inocentes? Ou quantos foram já justiciados - injustamente? 



Quero lembrar um homem, Gerry Conlon, irlandês da Irlanda do Norte, acusado pelo governo britânico de ter posto uma bomba num “pub” do Surrey, em Guildford, provocando a morte de cinco pessoas. 
Estava inocente, mas esteve preso durante 15 longos anos. Gerry Conlon morreu, há dias, em Belfast. 
monumento às vítimas do "massacre" de 1972

Era o ano 1974, eram os tempos do IRA, do terror, dos atentados à bomba contra o "domínio" britânico. Era a "guerra"! 
Em 1972, o exército inglês dispara e mata uma série de jovens irlandeses que protestavam nas ruas. Foi a chamada "Black Friday", a  Sexta-Feira Negra! (**)



o grupo irlandês U2

Pouco depois, acontece a "resposta" violenta do IRA, no qual 22 bombas rebentaram em Belfast, causando cerca de 13 mortos e 100 feridos. Um domingo que passou a ser chamado "Bloody Sunday" ("domingo sangrento"). 


Onze anos mais tarde, Bono - que era ainda uma criança nessa altura- e os U2-  criam e cantam a canção intitulada Sunday Bloody Sunday, inspirada nesse domingo. No entanto, a sua aproximação ao tema é cuidadoso, era um terreno minado


Muitas vezes, os U2 cantaram com uma bandeira branca, no palco. Porque eles defendiam a paz.



A condenação de Gerry Conlon e de três amigos, em 1974, “foi o maior erro judiciário inglês”. Conlon foi acusado e condenado a prisão perpétua. Clamou sempre a sua inocência. 


No dia 19 de Outubro de 1989, ilibado das acusações, é solto. E diz à multidão que o espera à saída da prisão: “Passei 15 anos da minha vida na prisão por algo que não fiz. Vi o meu pai morrer na prisão acusado do que não fez.”

De facto, o pai viera de Belfast a Inglaterra, em 1975, para falar com os advogados do filho e foi parar à cadeia, onde morreu, doente, em 1980.



Houve um erro? Não. Houve um “engano” propositado: convinha arranjar o mais depressa possível um culpado, antes que o pânico se espalhasse. Ele foi "esse" culpado necessário, apesar de estar inocente. 

o jovem Gerry

Gerry, o miúdo pobre de Belfast, era uma "presa" fácil para a polícia e o “culpado” ideal! Andava pelo Surrey sem eira nem beira, tinha 20 anos, estava desempregado, não tinha família nem ninguém que se preocupasse em defender a sua inocência. 

cena de interrogatório e tortura, no filme

Assim aconteceu: as provas, forjadas pela polícia, levaram-no à cadeia. Depois, veio a tortura (sim!, tortura). Foi humilhado, espancado e ameaçada a sua família. Acabou por confessar o que não tinha feito. 

Quinze anos mais tarde, é reabilitado. Ele e os outros três que foram presos com ele, "os quatro de Guildford". Os inocentes.



1989, ilibado, com a mãe, Sara, e a advogada 

E Gerry Conlon sai da cadeia. Valeu-lhe a campanha que se "montou" na televisão, e a acção de alguns ex-juízes e um cardeal que se interessaram pelo seu caso. 
E a advogada que o quis defender.
A polícia fora obrigada a “rever” o caso e a reconhecer que faltavam no dossier da sua inculpação documentos que tinham sido sonegados: documentos que eram o álibi dele - "provavam" que ele e um amigo estavam noutro lugar!


Sim, sai da cadeia mas tem a vida destruída! Não consegue reconstrui-la nem reconstruir-se, como hoje se fala tanto dos ex-presos, ex-drogados: reconstruir-se! Como?



Em 1990, Conlon escreve um livro autobiográfico, Proved Innocent, que é levado ao cinema por Jim Sheridan (1993), com o título de "Em Nome do Pai", com a actriz Emma Thompson (a advogada de Gerry) e com Daniel Day-Lewis no papel dele. 



Os U2 fazem parte da banda sonora do filme, com Sinhead O'Connor, Gino Rota e outros músicos.


Gerry Conlon: filme e realidade

O dinheiro que recebeu dos direitos do filme e a indemnização que o estado lhe deu foram gastos em três tempos. 
Entre droga, álcool e tentativas de suicídio, Gerry Conlon não tinha salvação. Nunca se curara do pesadelo que vivera!



Implica-se na defesa dos que, inocentes, aguardam nas cadeias, interessa-se pelos aborígenas na Austrália e por outras minorias pouco defendidas. 
Não conseguia "salvar-se" sozinho. Ou não queria. 

Um cancro dos pulmões trouxe-lhe o fim. Gerry Conlon morreu, no passado dia 21, na sua terra natal, Belfast. 



Que o Anjo de Fillipino Lippi o acompanhe, como acompanhava Tobias...


(*) Irish Republican Army- Exército Republicano Irlandês (Irlanda do Norte)

(** )Em 1998, Tony Blair encarregou uma "comissão" de saber até que ponto a matança do Bloody Sunday teria sido culpa dos militares. Em 2000, David Cameron dirá que o massacre causado pelas tropas britânicas foi "injustificado" e "injustificável", e pediu desculpa.


4 comentários:

  1. Vi o filme já há uns anos. Impressionou-me.

    É como diz a Maria: às vezes a vida é profundamente injusta e incompreensível.

    Um beijinho :)

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  2. Quando a minha filha, advogada, me disse um dia que era preciso ter cuidado com o que se diz ou faz porque, em Tribunal, não interessa o que é verdade mas o que se prova (e prova-se tanta mentira), arrepiei-me. É terrível pensarmos que TUDO se pode provar!!
    Mete medo!

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  3. Vi o filme que me chocou. Não li o livro mas é uma história que arrepia. A injustiça é a pior das palavras.
    Gostei muito do anjo que colocou e de todo o post.
    Associo-me à homenagem.
    Beijinho. :))

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