Como tentar contar o sonho desta noite de Outono quente?…
O "nosso" inefável Pessoa diria: “fui eu que o sonhei?” Mais me parece uma história
inventada do que um sonho verdadeiro.
"Mas os sonhos não são verdadeiros...", diria o meu amigo filósofo, o Ratinho Poeta.
Sonhei um sonho? Mas não tenho as dúvidas pessoanas: fui eu que o sonhei.
"Mas os sonhos não são verdadeiros...", diria o meu amigo filósofo, o Ratinho Poeta.
Sonhei um sonho? Mas não tenho as dúvidas pessoanas: fui eu que o sonhei.
O que é certo é que acordei
a meio da noite e rabisquei umas notas num bloco, para não me esquecer - como sempre
acontece aos sonhos que sonhamos.
De manhã, estava espantada comigo mesma: "como é que a nossa cabeça trabalha o tempo todo"!
Há pouco, confessei mesmo ao Ratinho:
- A nossa cabeça pensa mesmo a dormir!...
- A nossa cabeça pensa mesmo a dormir!...
Ele
olhou-me com o seu ar filósofo e disse:
- Pensar a dormir? Hum, hum… Deve ter sido para te esqueceres das dores nos pés…
-
Sim, acrescentou logo o Ouricinho. Para não pores o pé fora da realidade!
E riu-se. Olhavam-me os dois, ironicamente, saltitando do sofá ou da cama para dentro do saco de viagem. O mesmo onde estiveram a observar-me, atentos, todo o tempo em que estive no hospital, há dias.
Prontos a intervir à menor queixa, ao menor gemido…
E riu-se. Olhavam-me os dois, ironicamente, saltitando do sofá ou da cama para dentro do saco de viagem. O mesmo onde estiveram a observar-me, atentos, todo o tempo em que estive no hospital, há dias.
Prontos a intervir à menor queixa, ao menor gemido…
-
Conta, conta lá o que sonhaste! Eu nunca me lembro dos sonhos, lamentou-se o Ouricinho.
-
Não te lembras mas eles estão lá, dentro de ti –disse o Ratinho Poeta. É como os versos que inventas...
Não posso esquecer que ele é um poeta. De facto, concentrou-se, de bigodes franzidos, e disse ainda:
- Sim. Ficam armazenados
noutra zona do teu cérebro, fazem parte da bagagem da tua vida, mesmo que o pensamento se esqueça. Já dizia o Fernando Pessoa...
E declamou, solene, com um grande sorriso:
"Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento..."
- Não sei se é assim como tu dizes, interrompeu o Ouricinho. Ele dizia tantas coisas diferentes esse poeta!
Virou-se para o meu lado:
- Conta lá o teu sonho!
- Bem, era um sonho perigoso…
-
Perigoso? Um pesadelo?, assustou-se o Ratinho que perdeu o ar convencido com que falava com
o amigo e com que declamara o poema.
-
Não, acho que não.
Queria descansá-los. Não era um sonho de pesadelo.
- Era um sonho e eu sabia que não era real. Fazia-me companhia- Era mais uma espécie de jogo. Queria acordar e, ao mesmo tempo, sabia que nem podia dormir…
Queria descansá-los. Não era um sonho de pesadelo.
- Era um sonho e eu sabia que não era real. Fazia-me companhia- Era mais uma espécie de jogo. Queria acordar e, ao mesmo tempo, sabia que nem podia dormir…
O
Ouricinho interrompeu-me, excitado:
-
É mesmo assim nos sonhos! Queremos sair e não podemos. Sombras atrás de nós...Sempre perdidos nuns
caminhos nevoentos!
Lembrei-me
de uma amiga que me disse há pouco: “eu nos sonhos ando sempre perdida. Mas na vida real também…”
Tentei explicar melhor o meu sonho.
-
Era uma espécie de jogo, ou de desafio. Um grupo de poucas pessoas cercadas por um perigo desconhecido. Algo que rondava por ali e que não víamos. E tínhamos
que nos manter acordados - a nós e aos outros. Era vital não adormecer! Quando um se
cansava, logo tinha que chamar pelo outro…
-
Que giro! Tens tantas ideias, Jana querida.
Agora começaram a chamar-me Jana...
Agora começaram a chamar-me Jana...
-
Continua!, disse o Ratinho. Não são ideias, Ouricinho Dan, é um sonho, que mais parece um filme de
suspense…
O Ratinho punha um ar muito sério nestas ocasiões. Reli o papelinho com algumas palavras soltas. A história ia-se desenvolvendo na minha cabeça, com várias peripécias à mistura, mas muito confusa.
Continuei:
Continuei:
-
A ideia era provocar o outro, para ele ficar alerta.Desafiá-lo! Só sei que um de nós tinha
de estar sempre acordado e o desafio consistia em espicaçá-lo naquilo em que
ele era bom. Um especialista.
- Uma espécie de James Bond, não?
- Uma espécie de James Bond, não?
-
Não me lembro bem, Ratinho, era especialista de alguma coisa. Podia ensinar os outros. Lembro-me de uma frase: “Fala essa língua
que só tu sabes”. E eu falava até quase adormecer. Os outros
interessavam-se e abriam os olhos, de repente, e esqueciam o sono…
Fiquei calada um momento, a pensar no que queria dizer.
- Não se podia desistir!
Quando o cansaço tomava a nossa força, logo um de nós dizia: “cavalga a tua onda, és
um navegador!” E uma onda erguia-se do nada e alguém a cavalgava.
- Com prancha de surf? Não tinhas medo?
O
Ouricinho estava entusiasmado e não tirava os olhos de mim.
- Podia ser a onda de Hokusai! A Grande Onda de Kanagawa!
Era o Ratinho, claro! Aquele sabichão!
- E depois?, perguntava ele, ansioso.
Quis lembrar mais...
Era o Ratinho, claro! Aquele sabichão!
- E depois?, perguntava ele, ansioso.
Quis lembrar mais...
- Disseram-me assim: voa! Tu és um pássaro!
Pássaros migrantes (Marisa Volonterio)
- E voaste? Que lindo!, disse o Ouricinho, entusiasmado. E que mais te disseram?
- Outra pergunta: vês a lua? Caminha!
Sim,
era uma lua, mas não conseguia recordar bem. Tudo se transformava numa nebulosa. Ia perdendo as imagens, pouco a pouco.
- E andaste na lua?... Tinhas os teus sapatos de cristal? Eras de certeza uma princesa...
Jorge Barradas, cerâmica
-
Não sei, Ouricinho. Acordei nesse momento.
- É sempre assim nos sonhos...
E o Ouricinho encolheu os ombros, resignado. Eu limitei-me a rir.
- A verdade é que metia uns sapatos de astronauta. Vi que tinha de calçar os sapatos sozinha porque o Manuel estava profundamente adormecido.
- É sempre assim nos sonhos...
E o Ouricinho encolheu os ombros, resignado. Eu limitei-me a rir.
- A verdade é que metia uns sapatos de astronauta. Vi que tinha de calçar os sapatos sozinha porque o Manuel estava profundamente adormecido.
-
Ah! Era o próximo desafio: "calça os sapatos e anda!" Hihihi…
O Ratinho ria-se, divertido com a própria graça.
O Ratinho ria-se, divertido com a própria graça.
O
Ouricinho estava silencioso e parecia triste.
-
Era bonito o teu sonho. Ajudavam-se todos, não era? Defendiam-se uns aos outros contra o perigo comum. Solidariedade...
-
Ah!, sim... “Si tous les gars du monde
voulaient se donner la main…”
-
O quê?
O
Ouricinho não sabe francês. Expliquei-lhe.
-
São uns versos do poeta Paul Fort. Dizem: "se todos os homens do mundo quisessem dar-se as mãos…"
- Ou, melhor, as meninas...
- Ou, melhor, as meninas...
E o Ratinho continuava, emendando os versos e cantarolando uma melodia:
- "Si toutes les filles du monde voulaient s'donner la main,
tout autour de la mer elles pourraient faire une ronde...."
E eu traduzia para o Ouricinho perceber:
- "Si toutes les filles du monde voulaient s'donner la main,
tout autour de la mer elles pourraient faire une ronde...."
E eu traduzia para o Ouricinho perceber:
- ..."À volta do mundo fariam uma roda enorme…"
-
De mãos dadas, sim, percebi, percebi. Tão bonito o teu sonho! Ainda bem que mo contaste!
O Ouricinho foi sentar-se ao lado do amigo. O Ratinho disse, sério:
- O sonho quando o dividimos com os outros...torna-se possível, não é? "Um sonho que tu sonhes sozinho/ é apenas um sonho. Um sonho que sonhes com os outros é realidade."
- O que é?, perguntou o Ouricinho. Gosto muito!
- São uns versos do "beatle" John Lennon
O Ouricinho pôs-se a bater palmas. Sim, decididamente no dia de hoje, depois do sonho, prefiro estes versos de Fort e de John Lennon ao desespero de Pessoa!
E, por caso, fui hoje dar com um blog em que encontro Paul Fort, Pessoa, tudo num poema de Jorge de Sena que evoca a morte do poeta francês!
...Pero que las hay... (las brujas!)
http://ruialme.blogspot.pt/2004/05/propsito-do-poema-que-o-quartzo-passa.html
JORGE
DE SENA (Lisboa,1919-
Santa Bárbara, 1978)
O Ouricinho foi sentar-se ao lado do amigo. O Ratinho disse, sério:
- O sonho quando o dividimos com os outros...torna-se possível, não é? "Um sonho que tu sonhes sozinho/ é apenas um sonho. Um sonho que sonhes com os outros é realidade."
- O que é?, perguntou o Ouricinho. Gosto muito!
- São uns versos do "beatle" John Lennon
O Ouricinho pôs-se a bater palmas. Sim, decididamente no dia de hoje, depois do sonho, prefiro estes versos de Fort e de John Lennon ao desespero de Pessoa!
* * *
"Si
toutes les filles du monde voulaient s'donner la main,
tout autour de la mer elles pourraient faire
une ronde.
Si
tous les gars du monde voulaient bien êtr' marins,
ils f'raient avec leurs barques un joli pont
sur l'onde.
Alors
on pourrait faire une ronde autour du monde,
si tous les gens du monde voulaient s'donner
la main."
(Paul Fort, Ballades Françaises)
* * *
E, por caso, fui hoje dar com um blog em que encontro Paul Fort, Pessoa, tudo num poema de Jorge de Sena que evoca a morte do poeta francês!
...Pero que las hay... (las brujas!)
A
PAUL FORT (+20/4/60)
Como
se fosse homem de ficha e método, registo
no
apêndice bibliográfico de uma história literária,
a
data da morte de Paul Fort, que, subitamente,
recordo
não ver consignado ao pé da outra data
em
que nasceu (de resto, foi uma surpresa, porque
era
como se ele tivesse já morrido há muito).
Si
tous les gars du monde... - esse poema era belo,
não
o tenho comigo.
Príncipe
dos Poetas, escreveu baladas,
numerosas
baladas, e morreu agora
com
quase noventa anos. Os seus pares na idade,
Claudel
e Gide, Francis Jammes e Proust,
Jarry,
Philippe, Valéry, Péguy,
Colette
e Romain Rolland, mais Ana Brancovan,
condessa
de Noailles, haviam já morrido,
ora
velhos, ora de estarem vivos, ou de angústia,
na
guerra - juste guerre... ó Péguy... -,
ou
na paz - que paz?... Deixemos isso.
Apenas
registei. Mas não dissera ele,
na
Balada da Noite, que nós contemplássemos...
O
quê? Laisse penser tes sens (sabias disso,
ó
Fernando Pessoa?). Éprends-toi de toi-même,
épars
dans cette vie. Esparso nesta vida -
como
este «príncipe» sabia coisas!
Morreu.
Não de arranhado em espinhos de roseira,
como
convém a Rilkes. Só de velho,
e
um pouco de esquecido, esparso, épris
de
soi-même. As histórias literárias
-
sem o relerem, ou não seriam histórias literárias -
dar-lhe-ão
cada vez menos linhas,
resumidas
das linhas das outras.
E
eu, que sou poeta - ó Príncipe! - trai-te,
como
se com método e com ficha, registando apenas,
no
apêndice de uma delas, que morreste.
* * *
Que história fantástica!
ResponderEliminarTinham que ser estes dois!...
Estou a vê-los a saltitar aí dum lado para o outro, sempre irrequietos, sempre a perguntar coisas...
São cá um ponto! Uns pontos!!
Os sonhos reflectem as nossas preocupações, os nossos pensamentos, os nossos desejos...não os sabemos interpretar, mas está lá tudo!
ADOREI o post, como sempre! Gostei muito das fotos.
Espero que já esteja melhor e que largue depressa esses sapatos de "astronauta" e assim esse atrevidote que por aí anda deixa de fazer piadas!
Um beijinho grande e boa semana para todos:)
Obrigada pelas palavras amorosas - são eles que agradecem... Beijinhos e boa semana!
Eliminar:) abraço.
ResponderEliminaré sempre bom ter um ratinho na mesa de cabeceira
ResponderEliminaros sonhos mesmo inventados
são tão reais
que parecem verdadeiros
Bela viagem
bjs e saudades
ResponderEliminarmuitas,
em sonhos reais, acordados ou dormindo,
sempre valem.
Voar e sonhar são sempre revigorantes.
bjsssssssssssss
Bonito sonho," tu és un pássaro, fala essa língua que só tu sabes, cavalga a tua onda, caminha pela lua com os teus sapatos de astronauta"...
ResponderEliminarA mensagenm supera-me, é como um meio termo entre uma história de amor e de solidão, mas uma coisa me ficou clara: até em sonhos és exuberante, há sempre muitas coisas, não te conformas com menos, ha ha.
Estás muito calada!
Beijo
Pelo sonho é que vamos, não é verdade? Já o sabia Sebastião da Gama...
ResponderEliminarGosto de sonhar acordada! Tem outro sabor; dá-me mais força para lutar por eles.
Dos outros nem me lembro!
Ter esses dois amiguinhos por perto, é melhor do que um sonho; é realidade!
Um beijinho especial e terapêutico.:))