mulher africana
A princesa tonga
(*) tongas : ver no link:
A minha cozinheira, a Milly, é uma tonga (*), do sul da ilha de S. Tomé. Tem o rosto redondo, a pele sedosa cor de canela, e os seus olhos doces podem ser distantes e frios. Não é alta, a sua elegância está no porte da cabeça, onde as tranças do penteado formam uma espécie de coroa. Pouco mais terá que vinte anos mas tem o corpo deformado pelo primeiro parto, que deixou tortos os ossos da bacia, fazendo-a coxear. O último filho quase a matou, ao nascer, e ficou assim, de ventre alto e inchado, como se eternamente grávida. Sorri e espalha-se no rosto redondo um ar infantil que apaga a expressão fechada. Quando se zanga com os filhos, quando a vida lhe pesa, desespera e vem ter comigo:
- Dôtôra, é dimais, eu vou matar minha vida! Tché...
Mas logo esquece tudo e, pouco depois, ouço-a cantar na cozinha. Sei que ao som da música ensaia uns passos de dança. E, no ritmo e na delicadeza dos gestos, o corpo ganha uma leveza que esconde toda a imperfeição.
A lavadeira e ela –e os filhos- costumam reunir-se no terreiro que fica ao pé do tanque, sombreado por uma latada de uvas vermelhas, junto da horta onde o senhor Semedo plantou maquêquês, mandioca e gindungo.
Ali ficam pela tarde a comer, ali descansam, conversam, encostadas sobre a palma da mão, ali penteiam os cabelos com os longos e finos pentes de madeira, antes de os entrançarem nos mais diversos modos.
Volta-me a imagem dela, pouco tempo depois de estar em minha casa. Tinha ido chamá-la porque havia uma reunião na escola do filho e já estávamos atrasadas. Abri a porta da cozinha e fiquei a olhar, surpreendida. Sentada na borda inclinada do tanque, com os pés e as pernas dentro de água, nua, tinha apenas a envolver-lhe os cabelos um turbante feito de um avental azul sabiamente enrolado. A filha e a lavadeira esfregavam-lhe as costas cheias de sabão. Riam.
Quando me viu, olhou-me com os olhos puros, e disse:
- Dôtôra, eu não podia ir “chuja”...
- Dôtôra, é dimais, eu vou matar minha vida! Tché...
Mas logo esquece tudo e, pouco depois, ouço-a cantar na cozinha. Sei que ao som da música ensaia uns passos de dança. E, no ritmo e na delicadeza dos gestos, o corpo ganha uma leveza que esconde toda a imperfeição.
A lavadeira e ela –e os filhos- costumam reunir-se no terreiro que fica ao pé do tanque, sombreado por uma latada de uvas vermelhas, junto da horta onde o senhor Semedo plantou maquêquês, mandioca e gindungo.
Ali ficam pela tarde a comer, ali descansam, conversam, encostadas sobre a palma da mão, ali penteiam os cabelos com os longos e finos pentes de madeira, antes de os entrançarem nos mais diversos modos.
Volta-me a imagem dela, pouco tempo depois de estar em minha casa. Tinha ido chamá-la porque havia uma reunião na escola do filho e já estávamos atrasadas. Abri a porta da cozinha e fiquei a olhar, surpreendida. Sentada na borda inclinada do tanque, com os pés e as pernas dentro de água, nua, tinha apenas a envolver-lhe os cabelos um turbante feito de um avental azul sabiamente enrolado. A filha e a lavadeira esfregavam-lhe as costas cheias de sabão. Riam.
Quando me viu, olhou-me com os olhos puros, e disse:
- Dôtôra, eu não podia ir “chuja”...
Pensei que era o banho de uma princesa tonga.
Não resisti a associar, na imagem acima, uma pintura de um pintor que muito amo: Gauguin. Encontro nele a mesma pureza, a mesma naturalidade da minha princesa tonga...
Paul Gauguin, duas mulheres taitianas
(*) tongas : ver no link:
sobre os tongas e os forros, em S. Tomé:
http://hdl.handle.net/10316/1584
http://hdl.handle.net/10316/1584
Sem comentários:
Enviar um comentário