domingo, 31 de maio de 2009

Davam grandes passeios aos domingos...
























Habituei-me a ver este quadrinho pendurado numa sala, em casa dos meus pais. Mais tarde, quando li Davam Grandes Passeios aos Domingos, passei a chamar assim este quadro de Miguel Barrias, pintor portalegrense, hoje um pouco esquecido.

Continua, porém, a ser belo, delicado, com a sua interioridade especial, e a sugestão de um passeio de duas pessoas que devaneiam pela cidade, passam pela Corredoura ( o quadrinho intitula-se "Corredoura" e tem o nº 9 na exposição a que se refere Régio, mais adiante) e vão andando devagar, pouco dizendo, e absortas nos seus pensamentos. A suavidade dos tons pastel, as pinceladas que lançam uma luz rosa, quase outonal -que a cor da folhagem das árvores acentua- é a dos impressionistas com qualquer coisa (para mim) de um certo fauvisme das paisagens de Vlaminck, por exemplo e de algum Gauguin.

À heroína de Régio é uma gravura que a leva a pensar nesses passeios tranquilos e, mais tarde, a concluir, já perto do final da novela, enquanto olha pela janela "a imensidão do céu e a amplidão da paisagem":
"(...) o pinhalzinho logo abaixo, a linha das serras longínquas, a ermida branca e vermelha de Sant'Ana: Eram amizades de seus olhos. Belos passeios que tem Portalegre para dar aos domingos...!"
De facto, num momento anterior, confessara, a propósito de uma estampa vista num livrinho: "nada tinha, afinal, de extraordinário ou palpitante (...) duas mulheres amparadas uma à outra, -um pouco dobradas como numa conversa íntima-, iam virando a curva do caminho. E um pequeno letreiro dizia por baixo: "Davam grandes passeios aos domingos..."
Vem-me à memória, logo, a figura da jovem heroína, e as outras personagens, a inesquecível Tia Vitória, a tia Alice (com os seus lamentos : "Cuidado comigo! não me arreliem hoje! Pelo amor de Deus, poupem-me! Tenho hoje todos os nervos de pé..."), o primo Nando, a Lá-Lá, o Chico Paleiros... E as ilusões perdidas, a desistência e aceitação da realidade da solidão da Rosa Maria.
Por isto tudo, não resisti a falar hoje de José Régio e de "Davam Grandes Passeios aos Domingos" (1941), novela admirável de análise psicológica, de delicadeza e observação, mais tarde incluída na 3ª edição (1968) das "Histórias de Mulheres".
E de Miguel Barrias. Que José Régio admirava.
A propósito de uma exposição das pinturas de Miguel Barrias, (em 1947) numa das salas da Escola Industrial Fradesso da Silveira -onde por acaso o meu pai fez um curso de serralheiro mecânico, antes de se formar em Medicina- escreve Régio:
"Um quadro é antes de mais nada uma superfície cortada de cores e linhas. Organizam-se estas consoante uma realidade interior, que é a do artista, e uma realidade exterior, que é o motivo, modelo ou assunto. (...) Dizemos que há subjectivismo, intimismo, abstracção, lirismo, ultra-realismo, etc., quando a realidade interior do artista prevalece sobre o exterior e aparente modelo."
Mais adiante reconhece :
"Intérprete como todo o autêntico artista, -ele organiza as suas impressões da realidade numa construção que as depura, as corrige, as escolhe. A chamada realidade exterior do motivo é, pois, simultaneamente sentida e pensada -direi, até, criticada, por um artista a que não são alheias quer as lições do impressionismo, quer as do cubismo."
E continua:
"(...) todos os seus quadros expostos têm uma seriedade natural, uma ausência de pequenos efeitos mistificadores, uma independência (que não exclui estudo e a admiração) perante quaisquer dos antigos ou recentes modelos a imitar (...)".
Em suma: "uma nobre lição de pintura." (in Escritos de Portalegre, Edição de "A Cidade" nas Comemorações do 15º aniversário da morte do poeta, 1984, pgs. 51-53).
Penso que juntei duas ou três coisas - duas ou três pessoas: o meu pai, Régio e Barrias-, duas ou realidades, um pouco de beleza e sensibilidade, que queria unir aqui.

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