Berthe Morisot,
Menina no lago
Quando estávamos de férias na Serra, na quinta dos avós, gostava de ir sozinha até à pinheira à noite para mostrar que não tinha medo.
Eram magníficas essas noites de Agosto, no Alentejo da minha infância. Nunca vi um céu assim, escuro, profundo e tão carregado de estrelas. Disseram-me que, quanto mais se anda para o Sul, mais as noites são negras, e mais vivas as estrelas se vêem brilhar.
Eram magníficas essas noites de Agosto, no Alentejo da minha infância. Nunca vi um céu assim, escuro, profundo e tão carregado de estrelas. Disseram-me que, quanto mais se anda para o Sul, mais as noites são negras, e mais vivas as estrelas se vêem brilhar.
Isso não sei, sei que eram maravilhosas. Via as constelações como nunca mais consegui ver tão nítidas em nenhum lugar: a Cassiopeia, a Ursa Maior, a Ursa Menor, a Andrómeda de que o meu pai me falava tanto, a Estrada da Santiago, nebulosa transparente, a esfiapar-se na noite. Mais tarde, no hemisfério Sul, em S. Tomé, fui encontrar o “Cruzeiro do Sul” e fiquei pasmada a olhar para aquelas estrelas. Só aí me lembro de ter sentido uma emoção, um fascínio tão forte perante a noite estrelada.
Passávamos o Verão inteiro na quinta. Estava situada na Serra de S. Mamede, a uma certa altitude e, talvez por isso, o céu parecia ainda mais perto. Salpicado de luzinhas, as estrelas pareciam mais brilhantes, e as estrelas cadentes, essas, mais tocáveis... Sentia o peso do céu em cima da cabeça, do peito, como se eu própria fosse prisioneira de uma qualquer forma de sentimento mágico.
E era nessas noites sem lua que eu experimentava a minha coragem, desejosa do risco e da aventura. Não queria ceder ao medo "que nos vigia a meio da ponte estreita que é a nossa vida", filosofava eu nessa altura...
Atravessava a quinta, passando pelos tanques de águas negras que, durante o dia, tinham um espelho de água azul transparente onde gostava de me sentar, a com as mãos lá dentro, a chapinhar. Atravessava junto das hortas e subia até ao pinhal. De lá, debaixo da copa do grande pinheiro manso de onde pendia o baloiço, acenava com um lenço e gritava “oh! oh!”, que era o sinal combinado para provar que tinha conseguido chegar lá sozinha.
Passávamos o Verão inteiro na quinta. Estava situada na Serra de S. Mamede, a uma certa altitude e, talvez por isso, o céu parecia ainda mais perto. Salpicado de luzinhas, as estrelas pareciam mais brilhantes, e as estrelas cadentes, essas, mais tocáveis... Sentia o peso do céu em cima da cabeça, do peito, como se eu própria fosse prisioneira de uma qualquer forma de sentimento mágico.
E era nessas noites sem lua que eu experimentava a minha coragem, desejosa do risco e da aventura. Não queria ceder ao medo "que nos vigia a meio da ponte estreita que é a nossa vida", filosofava eu nessa altura...
Atravessava a quinta, passando pelos tanques de águas negras que, durante o dia, tinham um espelho de água azul transparente onde gostava de me sentar, a com as mãos lá dentro, a chapinhar. Atravessava junto das hortas e subia até ao pinhal. De lá, debaixo da copa do grande pinheiro manso de onde pendia o baloiço, acenava com um lenço e gritava “oh! oh!”, que era o sinal combinado para provar que tinha conseguido chegar lá sozinha.
Via as minhas irmãs agitarem os braços junto da casa iluminada, lá tão longe... Olhava em redor, parecia-me ouvir ramos a estalar, o grito da coruja, ou um coelho bravo a saltar entre as giestas e as urzes. Sentia o coração aos saltos na garganta, mas não arredava pé. Ficava ainda a gritar, a acenar.
O regresso era numa correria serra abaixo tropeçando no restolho, prendendo os pés nas raízes que me pareciam mãos de bruxas mas quando chegava aos tanques, o coaxar das rãs e o tsstss dos ralos eram uma companhia. Arranhada, vermelha e com a respiração acelerada, chegava cansada e feliz. As minhas irmãs recebiam-me com palmas e risos.
Na varanda ao cimo das escadas, coberta de glicínias e da folhagem vermelha da vinha virgem, o meu pai lia sob uma lâmpada à volta da qual giravam as borboletas entontecidas pela luz, e as grandes libélulas.
Na varanda ao cimo das escadas, coberta de glicínias e da folhagem vermelha da vinha virgem, o meu pai lia sob uma lâmpada à volta da qual giravam as borboletas entontecidas pela luz, e as grandes libélulas.
Erguia os olhos do livro, e perguntava-me:
- Então?...
- Nada...
Eu sorria.
Ele não sabia mas eu vencera o medo...
Ele não sabia mas eu vencera o medo...
( Clair de lune, de Claude Debussy)
Renoir, Nini no campo
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