De vez em quando olhava pela janela oval que reflectia a luz do sol. A certa altura, descobri uma montanha enorme lá em baixo, com os picos cobertos de neve brilhante apontados para o céu, quase à altura das nuvens.
- O monte Atlas!, disse para mim.
Seria?, duvidei.
Entre nuvens e neve, sim, era o Monte Atlas, confirmaram.
Entretive-me olhando, espantada, por ver tanta coisa bela, longe lá em baixo, na terra...
A África.
Li um pouco, talvez tenha adormecido e, quando olhei outra vez, vi a entrada do delta de Abidjan, com as suas costas recortadas e as “quase-ilhas”, pequenas penínsulas, o verde vivo, num corte geometricamente quadrado, dos palmeirais.
Esparsos, um ou outro coqueiro esguio estica-se para o céu. Grande parte dos passageiros desceu no aeroporto de Abidjan. Vieram os empregados da limpeza aspirar e depois pulverizar o interior do avião.
Mosquitos? Paludismo? Sim, com certeza ali haveria também paludismo.
A viagem continuaria até S. Tomé e Príncipe. Entraram três ou quatro passageiros.
Os carregadores agitam-se com uns mini-carrinhos carregados de malas.
- O meu cão!
A hospedeira, que falava, risonha, com um empregado ao cimo das escadas, virou-se para ela, atenciosa:
- Aconteceu alguma coisa?
- Oh! Sim! Meu Deus, é o meu cão que vai ali!
E apontava para um dos carrinhos lá ao fundo, já perto do hangar do aeroporto, que continha uma grande caixa com grades, espécie de gaiola de plástico grosso.
- Ali! Está a vê-lo? Desembarcaram-no!
- Sim, sim, minha senhora. Acalme-se, por favor... É só um momento
A hospedeira pegou num telefone e falou pelo bocal, suavemente. Pela janela, vi um homem sair pela grande porta envidraçada do aeroporto, a correr e a agitar os braços na direcção do avião.
A senhora respirou fundo, aliviada.
- Obrigada! Foi uma sorte eu estar a olhar pela janela. Nós íamos para S. Tomé. Se o cão aqui ficasse, nunca mais o via!
O carro aproxima-se. A senhora pergunta, numa grande agitação:
- Posso descer?
- Não é preciso correr, ele vem aqui mais perto, para ver se é o seu cão. Tenho de ter uma autorização.
- Claro que é. Reconheço a gaiola.
- Pode descer, disse a hospedeira, pousando o telefone de bordo.
A mulher desce as escadas quase a tropeçar, chega-se ao pé da gaiola e estremece:
- Não é ele... Não é o meu cão...
Espantada, olhava ora para o cão, ora para a hospedeira. Por fim, envergonhada, pediu desculpa.
- Não faz mal, disse a hospedeira cheia de paciência, sorrindo. E continuou:
- Fez bem em dizer...
- Dei-lhe tanta maçada...
- É o nosso trabalho. Com certeza não a deixávamos partir com essa dúvida!
- Agradeço do coração.
Suspirou, como se confessasse alguma coisa importante:
- Sabe, o meu cão é como uma pessoa! Um amigo... O maior amigo.
- Eu sei, disse a jovem sorrindo. Também tenho um cão.
A senhora voltou a sentar-se ao meu lado, do lado de lá do corredor, murmurando:
- Que parva! Não podia ser ele. Este era tão grande! Mas se fosse? Era horrível, não era?, perguntou-me.
- Sim. Era horrível! Sabe, eu também tenho um cão...
Para evitar mais conversas com a senhora do cão, encostei-me para um lado e adormeci.
A tal senhora só voltei a vê-la, agitando-se no meio das malas e da tal gaiola enorme, abraçada ao cão, na aero-gare de S. Tomé.
Olá
ResponderEliminarBelo texto,como sempre.
Lembrou-me o ministério,dito,da cultura e o apoio dele,ministério,às touradas.
Os responsáveis,concerteza não têm cães,se tivessem,concerteza não se importariam de os abandonar.Sobretudo não têm cultura.
Saudações cordiais,
mário
Meu Deus!!!Que lindas paisagens, a natueza é divina!!!Bjs
ResponderEliminarObrigada pelas mensagens. É lindo S. Tomé, Elzenir, como o seu Brasil com certeza.
ResponderEliminarE sobre os cães, estou completamente de acordo consigo, Mário!
A história é verdadeira e eu sou as duas personagens: de facto, fui eu que me convenci que tinha perdido o meu cão Zac em Dakar e fiz toda aquela fita...
Gostei muito da jogada de que você fôsse a "senhora do câo",além da que lia ou adormecia perdendo a visâo de tâo espectacular e novedosa panorâmica.Conseguiu convencer-me de que a outra mulher nâo lhe interesava para nada,e afinal ela também era você.Parabens e beijinhos.
ResponderEliminarÁfrica... A terra da gente com o coração na boca... A terra onde os homens ainda falam... Que saudade!
ResponderEliminarManuel Poppe