segunda-feira, 28 de junho de 2010

Os velhos policiais portugueses? Resposta a Nela San...


Perguntou-me Nela San como era a literatura policial portuguesa.

Nela San tem um blog especializado em livros policiais oriundos de várias “geografias” (gialli-e-geographie).

Fiquei a pensar que, de facto, pouco sabia. A velha máxima “ninguém é profeta na sua terra...” Talvez. Mas não gosto de máximas... E fui procurar.

Claro, havia "O Mistério da Estrada de Sintra", de Eça e Ramalho, considerado uma das primeiras obras de mistério e de suspense e procura. E Fernando Pessoa também se interessara pelas histórias policiais e de mistério...

Mas...

Depois lembrei-me de alguns escritores de outros tempos, escritores portugueses que escreviam com pseudónimos de consonância anglo-saxónica, seguindo, nos assuntos e nos heróis, a moda dos policiais americanos: Chandler, Hammett e outros eram os inspiradores e Nova Iorque o mundo.
Dinis Ramos Machado (Lisboa, 21 de Março de 1930 - Lisboa, 3 de Outubro de 2008) foi um jornalista e escritor português.


Lembro-me que havia o escritor Dinis Machado, com um pseudónimo à escocesa: “Dennis MacShade”.

E outros nomes: Ross Pynn, W. Strong-Ross, Dick Haskins pseudónimos de jornalistas ou escritores.

Apareciam em colecções, juntos com livros de Ross MacDonald e do seu detective Lew Archer.

Ou de S.S. van Dine, Erle Stanley Gardner mais o Perry Mason e a sua secretária impecável, Della Street.

De Anthony Berkeley, Mickey Spillane, Rex Stout e as orquídeas de Nero Woolf e sei lá quem mais... Ingleses ou americanos, era igual.

Era o mesmo tipo de investigadores, o mesmo tipo de casos. E passavam-se sempre noutros mundos!

Nada tinham que ver com Portugal e a sua realidade.

A explicação de alguns “especialistas” é que os leitores do tempo não aceitavam bem os autores nacionais, o que os levava a escolher um nome inglês como pseudónimo.

Dinis Machado pareceu-me que se distinguia um pouco dos outros. Mais tarde, publicará um livro bem interessante, “O que diz Molero”.

Mas, durante anos, refugiou-se nesse pseudónimo americano-escocês (3), inventado para fazer sair na colecção Rififi -que dirigia a convite de Roussado Pinto (outro escritor policial encoberto pelo nome de Ross Pynn), a sua “trilogia” de romances policiais.

O seu herói, Peter Maynard, que é um assassino profissional (como o Mr. Ripley, de Patricia Highsmith), tem "preocupações filosóficas, é dado aos monólogos e às citações literárias, e age sempre sozinho”.

São estes os livros de MacShade: A Mão direita do Diabo, Requiem para D. Quixote e Mulher e arma com guitarra.
(refiro sempre o que diz o blog “rua da Morgue” completíssimo sobre tudo o que se refira a literatura policial)

Lembro "O que diz Molero" (1977), o livro encantador –que aconselhei várias vezes aos meus alunos.

Era uma leitura boa, entrava-se num mundo de miudagem a crescer, com os seus entusiasmos todos: o cinema, as histórias de gangsters, e a descoberta da vida que vai “entrando”, pouco a pouco, com as suas desilusões, ou com algumas ilusões.

Lá vinham os “camones”, os americanos, e toda uma linguagem cheia de humor, divertida, inventiva, com gíria e calão à mistura. A história é ingeniosa, prende do princípio ao fim.

Molero deve "pôr-se na pele" de um detective (mandam os seus superiores, Mister Deluxe e Austin) procurar traçar o itinerário de fuga de um rapaz ( o herói é sempre chamado só “rapaz”).

Este rapaz -que vivera as normais histórias da infância e adolescência (pobres)- desaparecera. Partira à a ventura? Para uma viagem com rumo desconhecido “à procura do sentido da vida e à descoberta de si próprio”: quem sou eu?

Anos antes, aparecera Reinaldo Ferreira, o célebre “Repórter X”. Jornalista, poeta, realizador de cinema e “inventor” de histórias mirabolantes que aterrorizaram Lisboa nos anos de 1917: o crime tenebroso (e inventado) que se terria passado numa rua de Lisboa e se chamará "O Mistério da Rua Saraiva de Carvalho" (levado ao cinema, com o título de "O homem dos olhos tortos", o assassino).

Outros escritores, outros nomes: W. Strong Ross, pseudónimo de Francisco Valério de Rajanto de Almeida [sic].

Cito alguns títulos : "A Fantástica Experiência" e "O homem que morreu muitas vezes".

Outros esritores policiais, ainda:

Ross-Pynn -pseudónimo do escritor, jornalista e editor, Roussado Pinto, criador do "Jornal do Incrível" e que, durante anos, publica policiais na Colecção Rififi por ele criada.

Foi o organizador de muitas "Antologias Policiais" valiosas.

Alguns títulos de Ross-Pynn com a intervenção do seu detective, Joe Stássio: "O nome dela era Claire" (o primeiro), "O Caso da Mulher Nua", “O Caso da mulher Deportada”, por exemplo, hoje na colecção "Dêagá"/ “OE”.

(Podem ir ver mais coisas no blog "rua da morgue", blog bem interessante, dedicado à literatura policial. Ali encontrarão essas e outras informações úteis sobre escritores do género.)

Ou, ainda, outro nome: Dick Haskins (1) -cujo verdadeiro nome é António Andrade de Albuquerque, escritor- publica o primeiro livro em 1954, intitulado "O Isqueiro de Ouro", cujo protagonista se chama Disk Haskins.
Foi um grande sucesso na altura: é traduzido e publicado em mais de 20 países.

Em 1964, misto de policial e de livro de espionagem, sai o livro “O Minuto 180”.

Não se pode considerar um “policial-puro”, dizem os entendidos (o blog citado). Confesso que me não lembro já do livro, acho que nunca o vi, nem li, mas vou procurar...).

Talvez com “O Último degrau”(Colecção Enigma) se aproxime um pouco mais do tal clássico “policial.

Mas -hoje em dia- o que é um "policial puro", ou "clássico", perante os livros de Ruth Rendell, Patricia Cornwell ou Barbara Vine, etc? Psico-patologia, medicina legal, DNA, etc.

Outros títulos de Dick Haskins: "Lisboa 44", "Estado de Choque", "O sono da morte", etc. Há imensos títulos a descobrir!

(ver o blog "rua da morgue", do dia 16 de Maio de 2009: fala deles)

E deixo-te, Nela San, com estas "velhas" e saudosas literaturas...

Tu conheces os novos autores, deles não preciso -nem sei- falar...

Notas:

1. A editora ASA reeditou em 2001 e 2002 algumas das suas obras, numa colecção intitulada “Obras de Dick Haskins”.

2. A reedição dos romances policiais de Dinis Machado, pela editora Assírio & Alvim, entre 2008 e 2009, inclui um inédito, Blackpot, publicado em Novembro de 2009;

3. O romance "O que diz Molero" foi reeditado em 2009 pela Editora Livros Quetzal.

5 comentários:

  1. MJ, muito obrigada por ter escrito do meu blogue nisso Post, mais antes de tudo por ter escrito muitos detalhes interessantes sobre escritores de policiais PT do que eu não sabia nada.
    Curioso que, mesmo na Itália, ao longo de um período os escritores escreveam sob o pseudónimo: nos anos '70 isto passou senão mesmo uma colleçao como o Giallo Mondadori não consiguia vender livros de autores italianos, mesmo quando o nome apareceu ser um autor norte-americano de origem italiana, e mais, com um nome vagamente Nostrano as vendas desceram drasticamente. Exemplo: Lombiña Salvador, que é o verdadeiro nome de Ed McBain. Salvatore não vendia; mas McBain sim e em abundância.
    Mais, durante o período fascista, quando os policiais foram desaprovados pelo regime, comprometera a moralidade. Portanto, mesmo se o que foi escrito sob um pseudônimo.
    Acho vou comprar O que diz Molero que, felizmente, a editora Quetzal reeditou, assim que vou poder-o comprar via internet. En caso contrário, eu teria que regressar a Lisboa numa livraria que tem livros fora de catalogo ou que são de segunda mão. Pois isso seria uma razao mt boa pra regressar...

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  2. Se vieres até cá, tomamos um cafèzinho...
    bjs

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  3. Saudações nobre amiga e uma vez mais de passagem por quilômetros de novidades que encontro aqui. Confesso me identificar com o texto por ser uma raposa velha na arte de policiar ao longo de minha vida.Profissão dura e difícil de se lidar bem diferente dos romances floridos e cheio de alusão a realidade. Vida longa e prospera.
    Mr. Butterfly
    Namastê.

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  4. k saudades tenho dos grds policiais. Ja nada é cm era....

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  5. è mesmo... Tem de se "recuperar" a humanidade do género!
    Aqueles polícias/detectives/(sabujos, como a si próprios se intitulavam, no verdadeiro sentido da palavra: cão de caça...!) eram seres humanos, com defeitos, fraquezas... mas também a sua "ética"!
    Até os assassinos tinham mais graça...

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