A Hanane e a Fathma, a comer couscous...
A Hanane veio para minha casa quando a Hassnâa se foi embora...
A Hassnâa sabia fazer tudo e a Hanane quando chegou não sabia nem pelar uma cenoura, ou descascar uma batata...
Nunca mais me esqueço dela, a cortar uma cebola, sem saber por onde lhe pegar, de olhos chorosos e concentrada no que fazia!
Gostava muito de fazer uns pães redondinhos e era só isso que sabia, confessou-me logo.
Às vezes, a Naïma, mulher do nosso jardineiro Mustafá, vinha ensiná-la. Outras vezes era a Fathma, pessoa boa, incansável, que a ajudava a cozinhar.
Mas eu gostava da Hanane e não a podia mandar embora! Sabia que precisava de trabalhar, que tinha de ganhar a vida, agora que o pai morrera.
A bela Grande Mesquita de Casablanca
O pai fora um próspero comerciante de móveis, em Casablanca, onde viviam sem problemas. Um dia, adoeceu de cancro, foi operado e morreu. Num curto espaço de tempo.
Contava-me que sofrera muito.
“Não só pelas dores...”
Queria morrer e, ao mesmo tempo, agarrava-se à vida, e não se consolava. Desesperava-o ainda mais saber o que a sua morte ia significar para a família.
“Ia deixar-nos desprotegidos, ele que nunca nos tinha faltado com nada.”
Era a filha mais nova, ela, e a mais mimada.
“Dava-me tudo o que eu queria”!, contava. “Era muito bom o meu pai”, dizia. “Nessa altura, tinha brinquedos, vestidos... Nunca trabalhei, madame...”
A mãe viu-se obrigada a organizar a vida da família, a ser controlada pelos cunhados, a vender bens, a fazer contas para o dinheiro chegar, ela que nunca precisara de pensar em coisa nenhuma.
A irmã do meio casou, logo a seguir ao luto, com o noivo de há muitos anos, e parecia feliz.
“Coitada, não quer... Ele é gordo e velho. E rabugento!”
Tivera um namoro infeliz, contrariado pelos pais do rapaz, e ele tinha-a deixado.
“Ficou marcada, e já não é muito nova...”
Os irmãos procuravam trabalho e só um conseguira. Viviam em casa da mãe, giravam por Casablanca, ora tinham dinheiro, ora não tinham. Ninguém sabia o que faziam.
A Hanane foi tirar um curso de manicure para poder ganhar a vida. E agora ali estava , sem saber fazer mais nada se não arranjar unhas, pintar o cabelo:
“Disseram à minha mãe que a senhora era boa...”
Quando a irmã casou, trouxe-me o DVD em que os irmãos tinham filmado toda a festa.
O que mais me impressionou foi a irmã, a noiva triste, ao lado de um homem muito velho, e a Hanane a dançar sozinha, de olhos fechados e a sorrir, como num sonho.
Havia também uma imagem que mostrava as mãos das mulheres pintadas com henné, em arabescos lindíssimos.
Um dia, em gravidez adiantada, foge, doente, para o hospital. Fica lá, tem a criança e a mãe depois levou-a para casa.
Vivia no terror que o marido a fosse buscar outra vez...
Pouco a pouco, a Hanane foi aprendendo um ou outro prato. Mas, muitas vezes não punha sal na comida, ou esquecia-se do acompanhamento.
Durante muito tempo ficámos a comer tajine de galinha...
Íamos juntas às compras e divertíamo-nos quando eu pegava no carro e ia a acelerar até ao primeiro semáforo, à saída do bairro de Souissi.
Outras vezes arriscávamo-nos até mais longe. Pela estrada que levava a Casablanca íamos até ao "Marjane", grande Centro Comercial moderníssimo.
Ou levava-a ao centro da cidade, não à velha Medina, perto da Kasbah des Oudaïas,
Eu escolhia a mesa perto da vidraça e ficávamos as duas do lado de cá, a ver a rua, de costas viradas para os que lá estavam. Sentia olhares, pesados, nas minhas costas.
Quando me vim embora de Marrocos, a mãe da Hanane veio buscá-la.
Vira-a poucas vezes. Era uma mulher alta e elegante, figura imponente, com um porte que me lembrava o da cantora egípcia Oum Kalthoum, que me habituara a ouvir quando a Hazna estivera lá em casa.
Trouxe-me uma djellaba como recordação. Ofereci-lhe um colar de pedras verdes que a minha filha me dera.
Deu-me um beijo e disse: “dou-te o Corão que o meu pai me ofereceu antes de morrer, para não te esqueceres de mim...”
Nunca mais soube dela, mas não a esqueci.
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http://www.youtube.com/watch?v=vjfH8a8wDOU
Bonita história e bonita cidade.E bonito sorriso nos lábios de uma rapariga sem sorte:a vida não é justa, mas é admirável a capacidade que as pessoas têm de seguir sorrindo. Aprende-se mais dos perdedores que dos triunfadores! Beijinhos
ResponderEliminarSei que tu sabes compreender. Obrigada.
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