domingo, 8 de agosto de 2010

Viagem de Moscovo a São Petersburgo...




à esquerda, vista de Moscovo, com a minha amiga Masha e a filha, Sonia...
A ponte Anishkov sobre o rio Fontanka, e, ao fundo, a Igreja do Sangue Derramado.

De Moscovo a São Petersburgo, através das florestas, da "taïga", das paisagens inesquecíveis das florestas de coníferas na neve, do verde e do céu sem fim...

Viajámos de Moscovo a São Petersburgo no wagon-lit de um comboio rápido.

Não era o “Expresso do Oriente”, não, esse não foi possível. Fica para imaginar através dos filmes da Agatha Christie...

A viagem dura toda a noite na inesquecível Rússia dos romances. O pequeno compartimento decorado num modo kitsch: desde os sofás forrados com veludo grosso de cores garridas, até aos mínimos enfeites. As cortinas de renda, feita à mão, a tapar os vidros das janelas, que eu afastava para ver as estações mal iluminadas na noite, a lanterna que o guarda agitava...

Vem-me à memória Miguel Strogoff, o Correio do Czar, a cavalgada para Irkutsk pelas estepes desérticas, a prisão, a tragédia, na imaginação de Jules Verne que tanto ajudou a enriquecer a minha...

O comboio corre na noite, apita longe, não dá tempo para eu ver nada. A escuridão é completa durante quilómetros e quilómetros, atravessando florestas atrás de florestas! Bosques cerrados, árvores de todos os tipos, parques, por vezes uma datcha com uma luzinha fraca...

Pensar que hoje grande parte dessas florestas estão a arder, pela Rússia fora, que o fogo está quase ás portas de Moscovo faz-me mal à alma!

As paragens duram pouco tempo, ouvem-se na noite vozes numa língua estranha e doce.

E, logo, o apito a indicar que se parte outra vez.

E, de repente, estamos na estação: eis São Petersburgo à minha espera!

De repente entrei numa atmosfera de fantástico: era o sonho a ser vivido!

Como era possível estar ali a andar pelas ruas onde Dostoievski viveu, a passear ao pé do rio Fontanka, onde se debruçara o herói das Noites Brancas.

O Museu Hermitage, os Parques, a Praça do Palácio... Como vira nos livros, nos postais...

Sim, a cidade de Púshkin, Dostoievski, Anna Achmatova, Chagall, Rachmaninof, Esenine...


Sim, a Petrograd, saída dos pântanos pela vontade do Czar Pedro O Grande, a cidade das Noites Brancas e dos Humilhados e Ofendidos, de Dostoievski, dos poemas de Púshkin, o poeta mais amado pelos russos, de Gogol e dos contos O Nariz e Avenida Newski.

A “Nevski Prospect”, de que tanto me falara o meu pai que uma vez fora até à Rússia, num Congresso de Medicina, no tempo em que ainda se chamava Leningrad.

A maravilhosa criação de Pedro o Grande, o Czar mais culto da Rússia (deixemos a Catarina a Grande, que, por acaso, até era alemã...).


Pedro o Grande, Piotr Alexyevitch Romanov, nasce em 1672, em Moscovo.

Figura muito interessante, pela abertura da mente, pelo espírito de viajante, pela sede de saber.

Estudioso que quis conhecer o mundo e deu a volta à Europa, viu os estaleiros dos países nórdicos e de Amesterdão -que muito amou- esteve meses nos estaleiros de Deptford a aprender tudo sobre os alicerces e construção naval. Que tem a ousadia de construir uma cidade sobre canais e pântanos pútridos.

Mais tarde, tendo ocupado a Suécia, mais de 40.000 prisioneiros de guerra vieram trabalhar na construção da cidade lagunar.

Em 1703, Pedro funda a nova capital do Império, Petrograd. É o primeiro Imperador da Rússia.

Cidade deslumbrante, criada sobre as águas, é uma das Venezas do Norte...

E, de repente, eu estava ali em São Petersburgo!

Era fantástico andar a passear pelas pontes sobre o rio Fontanka, onde se debruçara o herói das Noites Brancas, noites seguidas; andar um pouco mais, e ver o rio Neva; ir até às Ilhas ver a Fortaleza de Pedro e Paulo, entrar em igrejas de sonho, passear nos Parques infindáveis, que costeiam o Neva, junto do Hermitage.

Ir espreitar o Teatro Marinski onde foram criados os célebres "Ballets Russes" e onde dançaram os bailarinos imortais: Nijinski, Gallina Ulanova etc.

Ver a Nevsky Prospect: que é a avenida mais comprida da Rússia (perto de quatro quilómetros e meio) e tão bela quanto se possa imaginar. Com os seus prédios que vão do barroco ao neo-clássico, atravessando canais e o rio Fontanka, é uma recta que parece não ter fim..

Começa na ponte Dvortsory, que ficava perto do nosso hotel, o simpático Hotel d’Angleterre, no Largo da Catedral de Santo Isaac.

Ali por perto está o monumento O Homem de Bronze –em honra de Pedro o Grande. Estátua equestre de grande elegância (em 1782, pelo escultor Falconet, um francês que trabalha na corte de Catarina a Grande) representa o czar num cavalo que se equilibra nas patas traseiras, enquanto as dianteiras, no ar, tentam pisar a serpente da traição.

Tem a seguinte inscrição: ”Para Pedro, o primeiro, de Catarina, a segunda”

A “Perspectiva” parte, pois, da margem do rio Neva, no Almirantado, paralela durante um tempo à Bolshaïa Morskaya, rua cheia de encanto, segue em frente, sempre a direito, e vai até ao fundo terminando no Mosteiro Alexandre Nevski -que lhe deu o nome!

Apanhar o vaporetto no embarcadouro perto da Catedral de Kazan, com o seu colunato arqueado que quer imitar S. Pietro em Roma, e viajar por uma série de canais até ao Moïka é um bem de Deus...

Dar a volta à cidade pelos rios e canais, passar debaixo das pontes históricas, ver aparecer de repente a Igreja do Sangue Derramado (o sangue do Czar Alexandre II, assassinado em 1881, sobre o qual o filho, Alexandre III, mandou construir a Igreja), com as suas cúpulas coloridas que me lembram as da Basílica da Praça Vermelha.

Ser obrigada a inclinar de repente -porque a água dos canais subiu de tal modo que, debaixo do arco de certas pontes, não se pode quase passar...

Um nunca acabar de emoções.

Viver na mesma cidade onde viveu Dostoievski, Gogol, Biély, Pushkin, Achmatova impressiona... Esenine suicidou-se aqui...

Depois, vêm os museus, os pintores russos já vistos em Moscovo, Repin, Vrubel, e outros: Chagall, Matisse, hoje redescobertos. Ou músicos como Anton Rubinstein, Shostakovitch, Rachmaninov, Stravinski que aqui nasceram ou apenas viveram.

Nunca acabaria de ver e de falar de São Petersburgo...

Dias depois, o regresso a Moscovo, agora no comboio de dia, e lá voltam as florestas de abetos, pinheiros, olmos, um desfilar de campos e de verde sem fim, que na viagem de noite dificilmente víramos...

À chegada à estação de Moscovo somos recebidos ao som da canção “Moskva”, escrito para comemorar os 60 anos fim da guerra, e cantada por um dos cantores em voga.

Não resisti e comprei o CD!

É este hino que é tocado a cada entrada ou saída dos expressos que partem ou chegam a Moscovo. Pelo inesperado, dá-nos vontade de rir!

A Rússia Imperial, sempre...

Passe o tempo que passar, a Rússia não se liberta dos seus Czares...

Gostei que me acompanhassem na viagem...

4 comentários:

  1. Eu gostei de a acompanhar! Moscovo, São Petersburgo,a estepe (?) misteriosa e um combóio Kitsch: não se pode pedir mais.
    E pensar que tudo isso está a arder, e os moscovitas asfixiando-se! É doloroso, dantesco, melhor não pensar. Beijinhos,Maria

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  2. Obrigada, Maria, eu sabia que vinhas comigo...
    Até me sinto mal, estamos sempre a ver fogos e todos são horríveis, mas as grandes florestas, as que já não se podem nunca "replantar"... Claro que ainda me custa mais porque as "vi".
    E recebi notícias da minha amiga Rudakova, que diz que o único sossego dela é a filha estar agora a 400 kms dali
    beijinhos...
    O último post do teu blog apareceu, desapareceu, voltou a aparecer e ainda não o pude ler. Estamos "só" com um PC para dois...

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  3. É um encanto ver o mundo pelos seus olhos.
    Cordial abraço,
    mário

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  4. Obrigada pela visita amiga!
    A Rússia é inimaginável...Tive a sorte de lá ter estado e não a esqueço...
    Abraço

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