domingo, 9 de outubro de 2011

Subitamente neste Outono um Nobel vindo da Suécia

Não conhecia o poeta que ganhou o Nobel. Tentei nestes últimos dias ler dele alguma coisa e gostei!

Da simplicidade e sensibilidade, da delicadeza...

E gostei da cara dele... Inútil falar muito hoje do que já toda a gente disse...

Quero só deixar aqui alguns dados e alguns poemas que me fizeram bem.

Tomas Tranströmer nasceu em Estocolmo em 15 de Abril, de 1931.

Poeta, tradutor, licenciado em psicologia, amante de piano, formado em psicologia, estudioso apaixonado de entomologia - como conta na sua autobiografia, “As recordações observam-me”.


O verso com que abre o seu primeiro livro (“17 Dikter” - 17 Poemas, 1954) diz: “o acordar é um salto de pára-quedas para o sonho...”


O sonho, pois... Saltar de pára-quedas para o sonho: gostei!

Leio no Monde um artigo. muito bem feito, de Nils C. Ahl:

“Os seus textos brilham pela sobriedade, delicadeza das percepções e das impressões íntimas, e pela riqueza metafórica”.


Muito traduzido (nos anos 70 saem nos USA e em Inglaterra as primeiras traduções), mas pouco conhecido do grande público no resto da Europa.



Em 2004 saíram as “Obras Completas”(1954-2004) na conhecida editora Gallimard, Paris.


“Homem que viaja de comboio e apanha o metro, passeia nas ruas, dorme em quartos de hotel, faz viagens, olha pelas janelas, visita igrejas, ouve música, contempla a natureza...”


É no entanto, continua Ahl “um homem de todos os tempos, do que é permanente no que há de mutável e de móvel.”

Bem conhecido na Suécia, onde tem grande influência, é o poeta sueco mais traduzido.

(De facto os seus poemas estão traduzidos em mais de sessenta línguas.)

Traduzido, sim, mas pouco lido, fora da Suécia, pouco conhecido do grande público no resto da Europa.

O estilo e os temas revelam uma influência horaciana, dos clássicos que amou, muito jovem.

É ele próprio que diz: “Horácio era para mim como um contemporâneo; era como um René Char, um Oskar Loerke ou um Einar Malm. "

Viver o dia, amar as pequenas coisas, ver com olhos de ver, numa atitude calma, de “receber” o que há.

Epicurismo? Budismo e Zen também?


Claro que inevitavelmente pensei no nosso Pessoa, Ricardo Reis, o seu epicurismo, estoicismo etc etc. Mas há em Transtromer maiores acentos de sinceridade ...

Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada 'spres que em ti já não exista,~
Cada um é consigo triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramops buscas,
Sorte se a sorte é dada.

***
Segue o teu destino.
Rega as tuas plantas.
Ama as tuas rosas.
O resto é sombra
De árvores alheias.
(Ricardo Reis)

Em 1990, Tranströmer foi vítima de um AVC - que o deixou afásico e hemiplégico.

Mas continuou a escrever e a tocar piano...

Saem outros livros, depois disso: “Gôndola Funesta” (1997), onde aparecem os primeiros poemas em forma do “haiku” (1) japonês; depois, “Poemas Curtos (2002), “O Grande Enigma: 45 haikus “ (2004).



Os fios eléctricos
estendidos por onde o frio reina
Ao norte de toda a música.
O sol branco treina correndo solitário
para a montanha azul da morte.
Temos que viver com a relva pequena
e o riso dos porões.
Agora o sol se deita
sombras se levantam gigantescas.
Logo logo tudo é sombra.

*****
Vida mal soletrada
a beleza continua a viver
como tatuagem.

*****

Grande e vagaroso vento
da biblioteca do mar.
Aqui posso descansar.



*****
Encontramo-nos numa festa
que não gosta de nós.

in
http://giramundo-cirandeira.blogspot.com/2011/10/tomas-transtromer-haicais.html

No blog “revista.agulha”, descobri coisas que ignorava (ignorava tudo...) de Transtromer. Num artigo de Luís Costa, que o traduziu, há anos, poemas de Tranströmer, baseando-se na tradução alemã de Hans Grossler de uma Antologia do poeta sueco.



Quieta, a formiga acorda, espreita para dentro do
nada. E para além das gotas da escura folhagem e
do murmúrio nocturno, profundo no desfiladeiro do verão,
não se ouve mais nada
.

*****
Encontro-me de pé sob um céu estrelado

E sinto como o mundo rasteja

no meu sobretudo,

para fora e para dentro,

qual um formigueiro.


*****
Este caminho
Ninguém já o percorre
Salvo o crepúsculo.
De que árvore florida
Chega? Não sei.
Mas é o seu perfume
.”

*****
Fim de estação. Eu continuei a viagem
Para além do fim da estação.
Quantos eram? Quatro,
Cinco, poucos mais.
Casas, caminhos, nuvens,
Enseadas azuis, montanhas
Abrem as suas portas



*****
E o que era “eu”
É uma simples palavra
Na boca das trevas de Dezembro

(tradução de João Luís Barreto)



*****
Duas da manhã: luar. O comboio parou
A meio da planície. Ao longe, os pontos de luz de uma cidade
Que cintilam friamente nos confins do olhar.

É como quando um homem vai tão longe no sonho
Que não consegue recordar-se que ficou lá
Ao voltar para o seu quarto.

E como quando alguém vai tão longe na doença
Que a essência dos dias se transforma em fagulhas, enxame

Insignificante e frio nos confins do olhar.


O comboio está perfeitamente imóvel.
Duas horas: um luar com uma lua intensa. Raras as estrelas
.

(traduzida por mim, de uma edição francesa)



(1) O Haiku é o poema japonês por excelência.
O haiku deriva duma forma de poesia, em voga no Japão entre os séculos IX e XII, designada por tanka; tinha 5 versos, de 5 e 7 sílabas, que tratavam temas religiosos ou ligados à corte.
Bashô Matsuo (1644–1694), considerado o primeiro e maior poeta japonês de haiku, nasceu samurai e adoptou a simplicidade tanto na vida como na criação poética.
A par de poemas de carácter lúdico, começou a valorizar o papel do pensamento no haiku, imprimindo-lhe o espírito do budismo zen.


7 comentários:

  1. Adorei. Adorei este post, principalmente pela oportunidade de conhecer alguns poemas de Tomas Tranströmer, porque parece que não há quase nada dele traduzido. Há apenas segundo li num blogue, alguma poesia numa colectânea que se calhar dificilmente se encontra.
    Vou espreitar os links que deixou.
    Obrigada

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  2. Acabamos de conhecê-lo com vc e isso é muito bom amiga.

    bjs grandes das 5

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  3. É mesmo um grande Poeta! Também andei hoje, domingo, descobrindo-o um pouco. Também fiquei interessada, seduzida.
    Beijinhos e saudades
    Luísa

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  4. Vou fazer um link para aqui, porque andei à procura de informação sobre o novo prémio Nobel (este post está mais completo do que consegui encontrar pela net e gostei também das imagens dos livros)
    um beijinho
    Gábi

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  5. Tem 7 obras traduzidas ao castelhano, encarreguei por internet "El cielo a medio hacer", e entretanto deslumbrei-me com declarações como esta:
    "Tenho uma relação de muito amor com o sonho. Vou para a cama como se fosse a uma festa. O acordar é quase sempre uma desilusão" ( in El País).
    É um grandíssimo poeta (... Encontramo-nos numa festa/ que não gosta de nós:eu gosto de tudo o que ele diz, estou encantada de poder conhecê-lo).
    Beijinhos

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  6. MJ,
    Também não conhecia. Passei a conhecê-lo por ter sido agraciado com o Nobel. Às vezes penso que este prémio é político mas não me parece neste caso.
    Gostei da poesia.
    Adoro o haiku é simples e intenso.
    Um grande beijinho de agradecimento! :)

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  7. Foi um dos mais recentes "premiados" pelo Nobel que me entusiasmou! Le Clézio também gostei, mas já o conhecia. Este foi uma descoberta! Descobrir um poeta, um escritor é sempre fantástico, estamos todas de acordo!
    Beijo
    Maria gostei das tuas citações, de facto ninguém nos convidou para a festa...

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