Falar de um poeta, falar de um professor-poeta – é bom!
Venho lembrar um “diário” e um autor-poeta, apresentado por
outro autor-professor – meu professor de Literatura Portuguesa, professor que
era “admirável” : Jacinto do Prado Coelho (1).
Basta a fé no que temos
Basta a esperança no que temos
Que talvez não teremos
(in "Pelo sonho é que vamos")
Nós, os professores,
essa “banda” perseguida hoje e que tantos ideais teve ao longo dos anos e dos
séculos, tanto quis dar, tanto esperou.
Eu retirei-me e passei a estudar em casa, outra vez.
Estudar, aprender é a minha profissão . E partilhar o que vou aprendendo é –julgo
eu- o meu dever.
Linda esta evocação de Sebastião da Gama! Com tanta
simplicidade e admiração!
Falando da sua "frescura de espírito”; da “compreensão
calorosa do humano”, do “ideal de candura”; da “efusiva cordialidade” (no autêntico
sentido etimológica do termo cor, cordis= coração) : são as expressões que
J.P.C. usa.
O amor ao que fazia, leva Sebastião da Gama a dizer a si
próprio: “Tens muito que fazer?- Não. Tenho muito que amar. (Não entendo ser
professor de outra maneira. E não me venham dizer que isso assim cansa e mata;
morrer, sempre se morre: e à minha maneira tem-se a consolação de não ser em
vão que se morre de cansaço)."
Isso era quando os professores podia saber o que se passava dentro dos alunos e "dedicarem-se" a ensinar apenas...
Isso era quando os professores podia saber o que se passava dentro dos alunos e "dedicarem-se" a ensinar apenas...
Robert Doisneau, "Information Scolaire", 1956
Sebastião da Gama e José Régio
J. Prado Coelho recorda também o professor metodólogo que orientou o
estágio do Poeta, e faz-lhe a homenagem de o citar e elogiar: Virgílio Couto, pessoa “sem preconceitos que trouxe ao ensino, pela
irradiante acção pessoal e por uma meia dúzia de ideias claras e vividas, uma aragem renovadora.”
De facto, acrescenta, pensavam ambos “que o melhor professor não é o que sabe muito, mas antes o que se dá
generosamente, o que procura a alegria dos alunos, o que trata com delicadeza,
como algo infinitamente respeitável, a personalidade de cada um. O mau
professor esquece a imaginação e a sensibilidade, condenando-se a um
automatismo que é secura de coração; falta-lhe o amor generoso da vida; (...) querendo o
impossível –sujeitar a vida estuante e diversa ao seu pobre esquema de ideias
preconcebidas, comodamente fixas (...)”
Claro que também era no tempo em que os professores tinham turmas em que era humanamente possível “conhecer” e não os 30 ou 40 alunos que se deparam a um normal professor do secundário e –ainda mais grave- do básico.
Ele o professor-poeta que falava dos seus alunos dizendo: "Gente boa. Gente minha”.
Ou: "Sou contra a tinta encarnada"...
Porque lhe lembrava a cor do sangue e quem sabe se não iria ferir alguém?
Ou: "Sou contra a tinta encarnada"...
Porque lhe lembrava a cor do sangue e quem sabe se não iria ferir alguém?
Ele o poeta, espírito aberto acima de tudo que lamentava o
feitio dos portugueses, demasiado sombrio e cheio de timidez, que Prado Coelho
chama “a nossa desconfiança, a nossa baça tristeza de retraídos.
E cita o Poeta:
“A gente tem vergonha de beijar tudo, de amar as flores, de se enternecer com os animais, de dar um passeio. Ó Portugueses, é tempo de torcer o pescoço ao respeito humano! Olhai que nós somos bons e talvez seja verdade que até somos poetas. (...) Começai a ser sinceros, deixai de ser irónicos”.
E acrescenta: "Ele, Sebastião, filho do povo e da montanha (“ao pé dos
simples tenho a certeza de que sou
entendido”), ele, o professor-poeta (...) era a saúde dos sentimentos, firmada
num viril amor da vida tal qual ela é, vária e gostosa. E uma fraternidade activa
com os homens, os animais, a Natureza inteira”.
Como dizia antes, admirar é uma qualidade suprema.
Penso nos ensinamentos rabínicos do "Pirqe Abbot" que dizem:
“Quem aprende do
parceiro um capítulo que seja, um só parágrafo, um único verseto, uma só
expressão e mesmo uma letra apenas, deve honrá-lo." (2)
uma obra fundamental sobre Fernando Pessoa
E interessar-me pelo estudo da Linguística como “arte da
língua”, a aprender etimologias, a relacionar as línguas, a ouvir falar de coisas
que ignorava –por que razão se aproximam duas línguas como o finlandês e o
húngaro?
A Semântica como a “arte de conhecer as palavras por dentro”.
Tudo tinha sentido. Surpreendia-me e abria os olhos, a querer compreender : não
eram “fórmulas” vazias, “novas terminologias” decoradas e logo mudadas, e esquecidas, hoje
assim, amanhã assado... Terminologias cheias só de saber de “sesudo” e não humano, como dizia Camões que “a dolorosa consciência de
sesudo” se opõe à “quieta vida livre em
tudo”. Até naquilo que se aprende - porque se compreende...
Por isso o recordo: não me ensinou uma letra, ou um verseto,
ou um capítulo, ajudou-me a querer saber um pouco mais.
(1) No ensaio “O “Diário” de Sebastião da
Gama", recolha de artigos, publicada pela Ática: “Problemática da Literatura
Portuguesa”, 1961
(2) In “Pirqe Abbot” (Ética dos Padres, tratado hebraico
de Ética e de Moral)
Tão bonito este post.
ResponderEliminarTambém quero continuar sempre a estudar e aprender, sem imposições, claro.
Li o diário (ou parte dele, não me lembro se é só um volume, é?) há muito tempo e gostei. Tive vontade de também escrever sobre as escolas onde ia passando. Escrevi pouco...nem sei que fiz a esses rabiscos. Enfim, devaneios da altura.
Hoje não é fácil ser professor, a Maria João sabe. Nem sei bem o que se valoriza. Às vezes tenho a impressão que o que se valoriza menos é precisamente o trabalho na sala de aula.
Não sei, vamos ver para onde vamos evoluir (ou regredir).
Um beijinho grande
Que texto mais lindo amiga. Senti daqui o seu coração crescer e apertar. De certo matamos a simplicidade dos professores puros, mas ainda temos muitos deles pra lembrar.
ResponderEliminarbjs grandes meus.
Bonita e merecida homenagem.
ResponderEliminarA minha vénia aos professores, que merecem todo o nosso respeito e que actualmente são tão mal tratados...
Não posso falar como professora, porque só dois anos de ensino não dão para muito, mas posso fazê-lo como aluna, 17 anos dão para chegar a algumas conclusões: se deito a vista atrás comprovo que houve professores que me marcaram, que me ensinaram muito, e outros que não.
ResponderEliminarDe alguns até me enamorisquei, como é de rigor, e de outros não me lembro nem da cara nem do nome. É curioso.
Imagino-te entre ovelhas e passarada, não sei se estou no certo...
Beijinhos