“Se eu fosse pintor, passava a minha vida a pintar o pôr do Sol à beira-mar. Fazia cem telas todas variadas, com tintas novas e imprevistas".
William Turner, "tempestade"
"Se fecho os olhos sinto logo esta mão áspera e enorme que me leva na noite húmida e cerrada. não vejo o mar, mas envolve-me e penetra-me o hálito salgado e ouço--lhe ao longe o clamor. no primeiro plano ecoa o desabar ininterrupto, depois, lá ao fundo distingo outra voz mais rouca e para além um lamento que não cessa (...)"
in "Os Pescadores", Ida ao mar, 5 de Setembro 1920
“Só tendo a morte quase certa é que o poveiro não vai ao mar.
Aqui o homem é acima de tudo pescador. Depende do mar e vive do mar: cria-se no
barco e entranha-se de salitre. Desde que se mete à terra, o poveiro
modifica-se: perde em agilidade e equilíbrio, hesita, balouça-se e não sabe
onde pôr os pés.”
"Os Pescadores", De Caminha à Póvoa, 21 de Setembro 1921
O escritor Raul Brandão nasceu em 12 de Março de 1867, na Foz do Douro, filho e neto de pescadores. E morreu em Lisboa, em 1930.
Raul Brandão e a mulher, pintados por Columbano (1928)
"Os Pescadores" falam do mar: a força do mar, o amor ao mar, a irresistível atracção que o mar exerce sobre quem vive à beira dele!
Dedica o livro: "à memória do meu avô que morreu no mar".
edição da Verbo, 2009
Estes contos - poderemos chamar-lhe contos? Que importa isso?- perfeitos, de grande intensidade dramática, de rostos agrestes e de vozes que gritam e sofrem e que a nossa imaginação "recria" e "vê" e que são quadros cheios de sombras e de luz e de azul!
"A Morte do Arrais", "Alguns tipos", "Berlengas", "A ida ao mar", "Palheiros de Mira" são momentos inesquecíveis!
O livro reúne pequenos textos que falam do mar de Norte a Sul de
Portugal. Da Foz do Douro, a Mira, a Olhão, Peniche, Sesimbra, Aveiro, não há
um pedacinho de Portugal à beira-mar que o autor não tenha visto.
E escreve sobre o
que viu. Do bem e do mal.
Diz ele, na "introdução":
“Quando regresso do mar venho sempre
estonteado e cheio de luz que me trespassa. Tomo então apontamentos rápidos –
seis linhas- um tipo- uma paisagem. Foi assim que coligi este livros,
juntando-lhe algumas páginas de memórias.”
Por isso, por esse "estonteamento e luz" que traz do mar, nunca esqueci a história pungente dos filhos da Maria da Sé (in “Alguns tipos”) que ficam no mar, um ainda quase uma criança.
William Turner, "naufrágio"
Sempre que leio o pequeno texto comovo-me da mesma maneira
como quando ouvia os meus alunos lê-lo, nas aulas.
E vem a angústia
daquela Maria da Sé, mãe como outras mães, quadro que o autor nos “pinta” de tal modo
que não nos sai dos olhos, errando pela praia, no final.
“A Maria da Sé ficou viúva, com dois filhos que faziam grande
diferença de idade. Um andava na catraia d o Manuel Jacinto, mas ao mais
pequeno não o deixava ela ir ao mar.
- Não, tu não vais...(...) Custaste-me muito a criar. Hás-de perder o sêstro.
Mas ele não perdia o sêstro. O mar atraia-o
irresistivelmente.”
(...)
“Um dia vai na nova catraia que tinham lançado ao mar. O
irmão mais velho promete:
- Deixe-o ir comigo. Na minha salvação que lho trago. Eu
respondo por ele.
E o pequeno, de olhos muito abertos, numa ânsia de ir ao mar,
como o pai, como os irmãos, como os homens:
- Mãe, deixe-me ir.
Foi, foi muitas vezes, até que lá ficou com a catraia na
barra.”
(...)
Turner, "naufrágio à entrada de Calais"
(...)
Como diz o povo, citado por Raul Brandão, a vida do homem do
mar é dura e a terra é mais madrasta do que mãe...
Aqui ficam os versos...
barcos em terra (foto de MJF)
“Adeus, ó terra de Olhão,
Cercada de morraçais,
És a mãe dos forasteiros,
Madrasta dos naturais.”
As fotografias ao cimo da página:
1." pôr do sol" , de DLC in "arquivo fotográfico)
2. " pôr do sol", de MJF
As fotografias ao cimo da página:
1." pôr do sol" , de DLC in "arquivo fotográfico)
2. " pôr do sol", de MJF
Saiu, há pouco tempo, uma nova edição de "As Ilhas Desconhecidas: Notas e Paisagens" do Raul Brandão mas ilustrada com fotografias excelentes da autoria de Jorge Barros.
ResponderEliminarMerece!
Beijos e bom fim de semana,
Raul
É dura a vida dos pescadores, cheia de incertezas.
ResponderEliminarGostei muito do texto, das fotos (especialmente da 2ª) e das pinturas escolhidas.
Comprei o livro há tempos, mas ainda não o li.
Um beijinho grande
Raúl Brandão é um excelente escritor, dos melhores... E, Os Pescadores é uma obra fantástica.
ResponderEliminarBeijinhos e bom fim-de-semana.