Um pintarroxo e um ramo de alecrim
Eu tinha uns sete, oito ou
nove anos e, nesse tempo, vivia intensamente todas as festas do calendário.
um bolo de Natal, feito pela Mané
Era o Natal, antes de tudo o
mais, e a expectativa das prendas no sapatinho que ia procurar, embrulhada num
cobertor quentinho, numa manhã fria de Dezembro.
Era o Carnaval e os saquinhos
de tecidos variados cosidos à máquina pela Hermínia que era a nossa costureira
e que nós enchíamos de feijões frades ou de grão de bico. Eram as máscaras e as serpentinas, os bandos de mascarados e os papelinhos de todas as cores!
Depois, era o momento da
Páscoa e da primavera... A Páscoa e os folares de bolo finto, com ovos cozidos
e pintados, enterrados lá dentro e enfeitados com tiras de massa do bolo
cruzada, em feitios variados. A Florinda, de surpresa, fazia-nos uns lagartos com uma amêndoa na boca.
Lembro-me de estar a pintar os
ovos, depois de cozidos em águas coloridas.
O meu desenho preferido era um
chinês, num ovo que tinha sido bem fervido em água com açafrão o que lhe dava uma bela cor
amarela.
ovos pintados (Internet)
Desenhava-lhe uns olhos rasgados, uns bigodes caídos (que hoje comparo
aos do meu Ratinho Poeta...) e colava-lhe no alto da cabeça um chapéu de cartão triangular, geralmente
azul-turquesa. E ia espetar o ovo num dos folares dentro do forno.
E lá chegava o domingo de Ramos. Aproximava-se a Páscoa.
Lembro-me bem desses domingos
porque era nesse dia que devíamos pedir as amêndoas. Para isso, tínhamos de ter
raminhos de alecrim e, com eles, “prendíamos” quem viesse visitar-nos lá a
casa.
alecrim com flor
Depois era a vez do Avô que
aparecia por lá, ao serão. Com sorte, ainda apanhávamos o Tio Fausto alguma vez...
Eram só os homens que
prendíamos. No fundo, as mulheres nesse tempo não tinham um emprego e, logo,
não tinham dinheiro delas...
Ficavam todos “presos,
enquanto cantávamos, deliciadas:
“Verde é
Verde cheira
Fica preso
Até à quinta-feira!”
Era na quinta-feira seguinte
que esperávamos receber os saquinhos de amêndoas... Nessa
noite, talvez a avó nos explicasse que o Cristo tinha entrado nesse dia em
Jerusalém. Ou talvez não. A minha avó gostava muito do Cristo da paixão. …Sim. Talvez nos contasse:
“Ele é justo e traz a salvação; ele é pobre e vem montado num jumento; vem sobre um potrozinho filho de uma jumenta “ (Zacarias, 9.9)
Começava a Paixão de Cristo...
“Ele é justo e traz a salvação; ele é pobre e vem montado num jumento; vem sobre um potrozinho filho de uma jumenta “ (Zacarias, 9.9)
Começava a Paixão de Cristo...
entrada do Cristo em Jerusalém, montado num burrinho (Mosaico de 1150, em Palermo), no Domingo das Palmas
Gostei de tudo!
ResponderEliminarÉ bom as crianças terem oportunidade de ficar com tão bonitas recordações. Hoje em dia parece que não se vivem as coisas com tanta alegria e tanta intensidade.
Gostei muito das imagens - há tempos que não viamos por aqui o Ratinho Poeta e o Ouricinho!
Um beijinho grande
Eles agradecem o teu interesse!!!! Já têm saudades...
EliminarMais uma bela memória registada. :)
ResponderEliminarTambém me lembro de em pequena ir à missa do Domingo de Ramos. Do meu pai nos fazer os ramos e de oferecermos à madrinha no Domingo de Páscoa. Nunca fui a uma missa da Páscoa porque esperávamos ansiosas a vinda do padre e da cruz que entrava em nossa casa e na casa dos nossos tios. Era uma correria para estarmos sempre à espera da cruz em casa de toda a família,
Lembro-me das amêndoas e dos doces que nos esperavam em cada casa. Tempos em que os ponteiros do relógio andavam mais lentamente.
Beijinhos e obrigada pela partilha e pelo cheirinho a alecrim. :))
É verdade... Coisas que não se esquecem! Boa Páscoa, minha querida!
EliminarSem dúvida, magníficas recordações!!
ResponderEliminarTempos em que os ponteiros do relógio andavam mais lentamente, como escreveu a Maria e, tudo era vivido com mais alegria e intensidade, como escreveu a Isabel.
Os nossos amiguinhos também estão com a expressão de quem está à espera das amêndoas!!
Ha, ha, ha!!
Um beijinho grande, MJ!:))
Vivia-se com mais intensidade...porque tínhamos o tal tempo que agora foge mais depressa, Cláudia!
EliminarGosto muito de recordar contigo. Acho que nunca o faço, não sei porquê, por isso voltar a essas coisas tão bonitas graças a ti, é como voltar a uma grande festa. Lembras-te das coroas e colares que fazíamos com as flores dos lilases? No meu quintal havia um branco e outro lilás, ainda hoje adoro essa flor. E os brincos de cerejas, e os colares de pinhões! Está-me a dar a saudade para a bijouteria...
ResponderEliminarSabes, tenho a impressão de que se recordamos o passado em solidão, não dá prazer, antes pelo contrário, sentimo-nos mais sózinhos e velhos. É imprescindível poder fazer a pergunta: "Lembras-te quando...?
Lembras-te quando ainda tudo era possível?
Um beijinho
Bem, vamos pensar que "ainda é possível muita coisa"!... Tudo, nunca é.Nunca foi. Nunca será. Por isso: "lembras-te de quando?????" Claro que me lembro! Estávamos lá as duas...
EliminarÉ verdade, Maria: As recordações só são boas quando partilhadas... a escrevê-las e a pensar que não estás só, que alguém (talvez!) te vá ler.
ResponderEliminarAgradeço às minhas leitoras amigas!!!!Boa companhia me fazem!
Os amiguinhos estavam com vontade de vir para a rua! tenho que os segurar!
Não os segures, vai para a rua detrás deles!! Deixa que te levem onde tu queiras ir.
ResponderEliminarBeijinho
Sempre me emocionam as suas recordações! Obrigada pela partilha.
ResponderEliminarBeijinhos e saudades
Luísa