quarta-feira, 9 de setembro de 2015

FALANDO DO ESCRITOR AMOS OZ, NO ROSH-HA-SHANA


Reuven Rubin, Janela aberta com romãs


Subida para Jerusalém, por Reuven Rubin (1883-1974)

Amos Oz nasceu em Jerusalém, em 4 de Maio de 1939, com o nome de Amos Klausner. Filho de judeus que imigraram para Israel durante o Mandato Britânico na Palestina. 
deserto do Neguev, Qumran

Hoje vive em Arad, perto do Mar Morto e do deserto do Neguev. Ensina Literatura, na Universidade Ben Gourion, situada em Bersheva.
Mar Morto
estação de Odessa

Os pais vieram através de Odessa. A família da mãe vinha da Ucrânia (ainda pertencente à Rússia), de Rivne, era gente abastada e culta e ela estudara num liceu de grande renome.
A família do pai vinha de Vilnius, da histórica Volhynia, na Lituânia e da Polónia.
Volhynia, Grande Sinagoga

Encontraram-se na Universidade Hebraica de Jerusalém e casaram. Personalidades muito diferentes.
Oz lembra-se de que os pais falavam em russo ou polaco quanqdo queriam que ele os não entendesse. "O meu pai  lia em dezasseis ou mais línguas e falava onze, com um forte sotaque russo. A minha mãe falava quatro ou cinco e conseguia ler em oito."

Amos Oz fez os primeiros anos de escola em Jerusalém mas, três anos depois do suicídio da mãe,  com 15 anos apenas deixou a casa paterna e foi para um kibbutz perto de Telavive. Nessa altura mudou o nome de Klausner para Oz ('força', em hebraico).
Depois do serviço militar, escolheu trabalhar nesse  kibbutz, em variados sectores agrícolas. 
Licenciou-se em Literatura e Filosofia na Universidade Hebraica de Jerusalém (1) e continuou os estudos na Universidade de Oxford
Universidade de Oxford

Anos mais tarde, volta ao seu kibbutz, agora como professor do liceu.
Escritor com muitos romances publicados - 18 em cerca de 42 línguas, entre as quais o árabe, e em 43 países. Recebeu vários prémios de Literatura : o Goethe Prize, o Principe de Asturias, o Heinrich Heine Prize e o Israel Prize, o Prix Fémina, para estrangeiros, 1988. O Prémio Primo Levi da Itália. Em 2004, recebe o Prémio France Culture.

Recebeu o Prémio da Paz em 1993. Desde 1967, que Oz “milita” (2) para uma solução de dois estados para o conflito israelo-árabe.

Amos Oz, além de romancista, jornalista político, ensaísta, é professor de Literatura na Universidade Ben Gurion.
Curiosidade: o primeiro texto seleccionado para uma antologia escolar na China foi o seu livro Tale of Love and Darkness, publicado em 2002, de que vos quero falar hoje.


Uma história de Amor e Trevas (traduzido em português, pela ASA) ofereceu-mo no ano passado uma velha amiga de Telavive, que tem hoje perto de 96 anos, Victoria Béhar, na tradução francesa da Folio. Estava guardado para um momento de pausa, fora do calor do Verão. Chegou o momento de o começar a ler, nestes dias de Setembro frescos.

Leio-o com emoção. Porque é uma história de amor e de trevas como o título diz, uma história  verdadeira que começa com um rapazinho – ele mesmo- que gostava de contar histórias a si próprio e a quem a mãe sonhadora (que ele adorava) propôs um dia: “Queres brincar a inventar histórias? Um capítulo cada um? Começo eu. Era uma vez uma aldeia que fora abandonada pelos seus habitantes. Até os gatos e os cães tinham ido embora. E os pássaros também.”

E o rapazinho continuou a história, contando, contando e tornou-se num romancista. Um dia, a mãe desaparece para sempre da sua vida. Uma depressão invencível, leva-a a afundar-se. Suicida-se um dia em casa das irmãs em Telavive, onde fora tratar-se. Ele e o pai esperavam por ela em Jerusalém. Nunca lhe perdoou essa traição, o abandono, o vazio que lhe deixou. Durante um dia anda pela casa a destruir tudo o que lhe lembrava a mãe, numa fúria e num desespero insustentáveis.

Mais  tarde, o escritor Y.S. Agnon, numa carta muito bela, acusando a recepção do primeiro livro que Amos Oz lhe enviara, em 1965 (“Les terres du chacal”), fala da mãe de Amos, Fania.

Dizia: “A tua dedicatória fez-me pensar na tua mãe, abençoada a sua memória. Há uns 15 ou 16 anos ela veio trazer-me um livro do teu pai. Talvez tu tivesses vindo com ela. Ao entrar, ficou na soleira da porta, e as suas palavras foram poucas. Mas o seu rosto tão gracioso e tão puro, ficou gravado na minha memória muito tempo.”
Reuven Rubin, 'Mulher e filho'

Amos Oz escreve sobre a sua vida e a sua cidade, Jerusalém. Os judeus de Jerusalém viviam pobremente, comiam mal, tinham casas mínimas e sem sol. A casa de Amos era uma cave que, nas traseiras, dava para um vale. 
Na janela, a mãe pusera umas flores simples nos frasquinhos de conservas que nunca deitavam fora. 
O jardim não era um jardim, era um modesto rectângulo de terra batida, dura como cimento. Ficava à sombra do muro, como o terreiro de uma prisão”.
Um dia, ele e o pai decidem plantar uma hortazinha nesse quintal, mas a terra dura, empedernida, recusa-se. Eles queriam ser como os agricultores, aqueles novos judeus bronzeados pelos trabalhos à torreira do sol, mas não conseguem plantar nada de jeito. A luta prossegue uma manhã inteira. O esforço em conjunto aproxima-os. No final vão tratar as mãos feridas e cheias de bolhas. Isso, porém, era no tempo em que a mãe ainda era viva...

Da Jerusalém  da sua infância conta:
"Da Jerusalém mandatária soube mais tarde que tinha sido nos anos 20, 30, ou 40 uma cidade extraordinariamente civilizada: ali se encontravam ricos comerciantes, músicos, eruditos, escritores como Martin Buber, Gershom Scholem e Agnon e tantos outros eminentes sábios e artistas." (idem, pg 12). 
Os tolstoianos andavam por ali, com as barbas brancas ao vento: "alguns eram mesmo o retrato chapado de Tolstoi". 
E continua:
"(...) Eram todos vegetarianos inveterados, reformadores do universo, moralistas, pacifistas apaixonados e defensores de uma vida de trabalho simples e pura, de regresso ao campo."
Outros pareciam sair direitinhos de um romance de Dostoievsky. Ou de uma peça de Tchekhov.
"Muito mais tarde ainda, ao ler Tchekhov em hebraico, senti que ele era um de nós: o tio Vania (*) era o nosso vizinho de cima (...) Laïevsky (*) com as suas enxaquecas era primo-irmão da minha mãe; e íamos todos ouvir Trigorine (*) no sábado de manhã ao Centro Cultural."
Reuven Rubin, Romãs na minha janela (1967)

Fala do encanto da cosmopolita Telavive, cidade luminosa onde os pioneiros começavam a desenhar as novas avenidas ou mudavam os jardins de lugar. 
cidade branca a nascer das dunas”, como o autor a descreve, onde havia ópera e concertos. 
“Lá em baixo, para além das escuras montanhas, havia Telavive a cidade a ferver de onde nos chegavam os jornais, os ecos do teatro, da ópera, do ballet, dos cabarets e da arte moderna, dos partidos políticos (…) E havia também os desportistas. E o mar povoado de judeus queimados do sol que sabiam nadar. (…) A palavra ‘Telavive’ evocava uma magia inexplicável."
À noite os que durante o dia trabalhavam a pavimentar as ruas tocavam violino "e as raparigas dançavam ao som da música deles e cantavam melodias tristes, no meio das dunas, ao luar.”

Reuven Rubin, Janela com orquestra

E onde professores, arquitectos, cientistas, químicos ou músicos trabalhavam duro, na construção das casas, dos arruamentos e, à noite, cantavam e dançavam.

Gente diferente da de Jerusalém, gente bronzeada, gente que sabia nadar sem medo de nada (o que impressionava o pequeno Amos), gente vestida de modo simples, de botas ou sandálias e calções, e que cavavam as dunas, punham alicerces, faziam cimento e trabalhavam, nas obras, como pedreiros ou marceneiros. 
Eram os pioneiros que criaram a primeira Cooperativa de Leite, que ainda hoje existe, a Tnouva
A seguir à morte da mãe, durante um ano ele e o pai ficam fechados em casa, sem receber ninguém, ajudam-se um ao outro. Nada lhes interessava, parecia. 
no kibbutz


Depois, Amos vai viver num kibbutz. Tem pouco mais de 15 anos. Ali continua a crescer, ali estuda. “Ia muitas vezes com os meus amigos até à Cooperativa de leite para ver chegar os jovens pioneiros, nos camiões carregados  de produtos agrícolas, vestidos com roupas simples, cinturões e pesadas botas de carneira.” (pg.16)
Vive no campo, pois okibbutz era uma espécie de aldeia, com hortas, uma comunidade agrícola, com casas pequenas, um refeitório, escolas. As crianças eram criadas juntas, não necessariamente ao pé dos pais. 
Como órfão, sentiu-se mais amparado do que sozinho com o pai, em Jerusalém.

Era a jovem geração que comia de modo saudável e a quem os outros chamavam geração "salada-omelette-queijo" - que se alimentava dos produtos que vinham dos kibbutzim ou dos moshavim.

Reuven Rubin, Galileia

Esses viviam fora do nosso horizonte, na Galileia, o Sharon, ou nos vales. Rapazes robustos, calorosos, afectivos mas taciturnos e pensativos; raparigas bem constituídas, directas e reservadas ao mesmo tempo, como se tudo conhecessem, como se soubessem de ti e das tuas dúvidas e, no entanto, tratavam-te amavelmente, sérias e com respeito, não como uma criança mas como um homem se bem que ainda pequeno.”
Neste livro conta-se uma história onde a verdade de um povo e a de um homem se confundem” (apresentação da edição francesa, na Folio, 2004). 
Sentimos vibrar um coração, em certos momentos e nas pessoas que evoca e nas culturas que lhe estão subjacentes, a cultura yiddish dos antepassados e a cultura dos novos judeus, os "sabras", nascidos já em Israel, e a cultura laica do kibbutz
Mas "no vasto mundo" quem os entendia? 


Pelas suas páginas perpassam as imagens nostálgicas e as personagens de um mundo a desenvolver-se, em luta contra tudo e contra todos, a começar pelos ingleses que ocupavam Jerusalém. 
E desabafa: "Lá fora, 'pelo vasto mundo' não gostam do que fizemos em Eretz Israel. Lá fora víamos escritos nas paredes os graffitis: 'porco judeu vai-te embora para a Palestina'. Hoje, dizem-nos: 'porco judeu vai-te embora da Palestina" .
Reuven Rubin




(1) É a segunda universidade mais antiga de Israel, 25 anos antes do Estado de Israel ser criado. O primeiro 'Board of governors' incluía Einstein, Sigmund Freud e Martin Buber. Além de Chaim Weizmann que foi o 1º presidente do estado de Israel. Curioso saber que o tio de Amos Oz, Joseph Klausner era outro dos candidatos a presidente, nesse ano.

(2) Amos Oz tornou-se activista para a paz, em 1967. Cofundou o movimento Peace Now em 1978, e diz: “Não acredito que seja possível um país ser santo. Mas é possível alcançar a paz entre Israel e os palestinos, e a paz não será o começo de uma lua de mel, nem o paraíso na terra. Se isso acontecer, será um compromisso, mas um compromisso nunca é feliz.  Os idealistas odeiam a palavra compromisso, mas para mim é sinónimo de vida. O oposto de compromisso não é idealismo ou integridade, é fanatismo e morte
Voltei da Guerra dos Seis dias (1967) , convencido de que a Guerra é insana mas não me tornei um perfeito pacifista. 
Considera-se um peacenik. Qual a diferença? "Para um pacifista o pior mal é a guerra. Para mim é a agressão. E a agressão, por vezes tem de ser travada pela força. Os europeus dividem tudo em bons e maus (…) mas isto não é preto e branco. O conflito israelo-palestino é um choque entre o 'certo' e o 'certo', por vezes entre o 'errado' e o 'errado'. Tanto os árabes quanto os judeus foram vítimas da Europa. Os árabes através do imperialismo e da exploração, os judeus através da perseguição e do assassínio de massa. Este é um conflito entre duas antigas vítimas da Europa." 
http://anotardiastornardonotaveis.blogspot.pt/2013/12/amos-oz.html
(*) Personagens de Tchekhov

5 comentários:

  1. Nunca li nada dele mas vou anotar para logo que possa adquirir um livro. Tenho uma lista enorme de livros para ler.
    Nas férias não li todos os que contava... vamos ver. Despertou-me o interesse com o seu excelente artigo.
    Beijinho. :))

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  2. Uma história de vida tão cheia, de bom e de mau, mas cheia !

    Que post tão completo e tão bem feito.
    Também nunca li nada, mas tenho pelo menos um livro dele.
    Queremos ler tanta coisa...sempre com as listas intermináveis!

    Um beijinho grande:)

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  3. ~~~
    ~ Muito interessante, MJ.
    ~ Anotei, pois tenho o maior interesse em ler.

    ~~~ Beijinho grato. ~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  4. Eu sei o que já não vou ler nunca, que é um mundo de bons livros. Li com atenção o post, é de agradecer que fales de bons autores e de bons livros. Fico com esta ideia:
    "Tanto os árabes como os judeus são víctimas da Europa". A História de muitos povos é cruel! Os judeus deram ao mundo grandes génios e grandes literatos como Amos Oz.
    Bj.

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  5. Li duas vezes A Caixa Preta. Recomendei à varias pessoas anos atrás, emprestei esse livro também.
    Semana passada comprei "Entre Amigos", depois de pensar muito tempo em qual próximo ler dele.
    É um texto muito completo o seu aqui, muitas boas referencias.
    Fico grata por ler essa composição, íntegra e honesta sobre a biografia de Amós Oz e as questões Israel - Palestina, complexas do colonialismo, e que parecem longe de terminar.
    Grata, um abraço.

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