Os dois estão encantados a mexer na bolsinha brilhante que me ofereceu uma jovem amiga que veio do
Brasil passar uns dias, com a mãe, e nos visitou. Trouxe-me de prenda este lindo trabalho artístico em “capim
dourado”, artesanato característico da sua terra.
-
O Brasil não é um país como os outros – é um mundo, não é?, disse o Ratinho, depois de vermos, no Atlas, onde ficava a terra da menina.
-
Perto da cidade de Palmas, ao pé do rio Tocantins. E cultivam lá o capim. Depois colhem-no e deixam-no secar. E fazem estes trabalhos.
- Parece oiro mesmo! Os tocantins eram índios, não eram?, exclamou o Ouricinho entusiasmado. Com
penas na cabeça como nos filmes?
índio tocantim
“Nós?”,
pensei eu e ri-me. A verdade é que mais branquinhos do que o Ouricinho e o Ratinho
não há!
o chefe Mohawk, Joseph Brant, na Europa
O
Ratinho explicou:
-
Estes tocantins são índios da América do Sul, como os tupis, os guaranis dos
romances do José de Alencar. Ou os bororo de que falou Levi-Strauss. E têm até línguas diferentes. Também usam
penas… E pintam-se, nas festas.
corpos e pinturas tocantins
- Usam penas??? Que giro!
- Sim. No ano passado, houve os Jogos dos Povos Indígenas quando passou por
lá o Mundial. Lá no Brasil. E eles participaram com os seus "jogos"!
Participante dos Jogos dos Povos Indígenas (2014)
-
Sim, a menina contou isso, eu lembro-me. Disse que perto da terra dela falam
tocantim. E que há outras etnias… E também estudam.
-
Pois há. Vi imagens muito belas na internet! E encontrei os Karajá, os Javaé,
os Xambioá e os Xerentes.
O Ratinho continuava a mostrar os seus conhecimentos e nós ouvíamos.
O Ratinho continuava a mostrar os seus conhecimentos e nós ouvíamos.
-
Xerentes? Que estranho nome!
-
Mais estranho ainda é o que significa. Eles chamam-se a si próprios Akwen que quer dizer “indivíduo” ou “gente importante”! Acho que vieram das terras secas
do Nordeste à procura de água no Norte…
-
Tanta coisa que tu sabes, Ratinho!, disse o Dan.
Confesso
que estava espantada também.
-
Ele é uma enciclopédia! Não achas? Um cérebro! Hihihi…
O
Ouricinho é tão bom, não tem inveja de ninguém e gosta de ouvir a sabedoria do
amigo.
-
E viste que olhos lindos tinha a menina tocantim? Rasgados…Mongóis, acho.
-
Ó Ouricinho Dan, o Brasil é um país enorme e riquíssimo de tudo! Terras, gentes,
línguas, “raças”. Esses índios pertencem todos à raça mongol.
-
Deve dizer-se etnias não sabes?
Desta
vez, ele não resistira a corrigir o Ratinho sabichão.
-
É mais politicamente correcto. Acho eu.
-
Tens razão, claro…
O
Ratinho concordou, mas distraído, pois estava embrenhado no Atlas.
-
Vês aqui a Amazónia? Tão grande e tão bela! Chamam-lhe o “pulmão do mundo”.
-
Chamavam-lhe, disse eu. Cada vez há menos árvores e mais plantações de cana e
de palmeiras! Cortam o arvoredo todo…
-Destroem para
quê?, perguntou o Ouricinho.
Parecia um pequenino aluno que tudo queria saber.
- É para o combustível, um carburante vegetal. Verde, dizem!, indignava-se o Ratinho. Os madeireiros desbravam as florestas, queimam, cortam e dão cabo
do equilíbrio do mundo. E chamam-lhe combustível “verde”!
-
Por isso o clima está o que está! Negócios é que é! Verde era a floresta virgem!
Não
valia a pena estarmos ali a desfiar as desgraças da Amazónia e a nossa utopia - e
mudámos de assunto. Espantava-me do que eles tinham já aprendido nestes poucos anos. Tinham
crescido e sabem muito.
Voltámos
a pegar na bolsinha de capim amarelo que parecia feita de oiro fino.
-
A menina índia explicou que fazem bolsinhas, chapéus, brincos, jarrinhas, tudo
com esta bela erva dourada.
O Ouricinho estava contente.
O Ouricinho estava contente.
De
facto, ela falara disso: "é o artesanato da nossa região, cultivam o capim na
jagalão, depois é ceifado e deixa-se secar. Fazem todos os objectos que querem.”
-
E que mais há na tua terra, perguntara o Ouricinho, curioso como sempre.
- Há a música! Há o modão sertanejo!
- O modão? Como é? Canta lá!
O
Ouricinho queria ouvir. A menina pegou no telemóvel, ligou ao Google e ouvimos
uma nostálgica moda do sertão, em viola caipira.
Os sertões! Tive saudades de outros mundos, de
outros tempos, das minhas leituras, das alunas brasileiras, meio índias também, a Pat e a caçula Virgínia que não vejo há tanto.
E os escritores
brasileiros como esquecê-los? José de Alencar escritor do Romantismo, com o Guarani, Ubirajara ou Iracema. O que eu gostei desses livros!
E Erico Verísimo, Lins do Rego, Os sertões de Euclides da Cunha, os sertanejos, o Nordeste e a pobreza de Vidas secas de Graciliano Ramos, Jorge Amado, Machado de Assis. Cada um com o seu encanto e tão diferentes.
E Erico Verísimo, Lins do Rego, Os sertões de Euclides da Cunha, os sertanejos, o Nordeste e a pobreza de Vidas secas de Graciliano Ramos, Jorge Amado, Machado de Assis. Cada um com o seu encanto e tão diferentes.
O
Ratinho tinha o ar sonhador de certos dias.
-
Ainda estou a pensar nos tocantins. Guerreiros, não eram? Têm sinais no corpo,
pinturas. Lembras-te do Ubirajara?
Falava
para mim. O Ouricinho não tinha lido tanto como nós.
-
Sim, do José de Alencar! O 'senhor da lança', queria dizer o nome. Esse era um
guarani. Que amava uma jovem tocantim,,,
-
Sabes tanta coisa, disse o Ouricinho, embevecido a olhar para mim.
-
É das leituras, acrescentou o Ratinho. Ela lê muito!
O
Ouricinho queria saber mais e mais.
-
E os outros índios, os Sioux, os Pawnees dos nossos filmes de 'cowboys' serão da família?
São parecidos, não achas? Os mesmos olhos rasgados…
-
A 'prega mongólica das pálpebras', disse o Ratinho, pertencem à mesma “raça mongólica”.
O
Ratinho suspirou, contente. Percebi que se iniciava uma lição de antropologia.
Ou de Etnologia. Deixei-o falar.
-
Foram as migrações milenares que os levaram de um lado para o outro. Os continentes que se separaram e outros que se formaram ,aglutinando-se. E separaram os mongóis
dos índios das Américas.
arqueiro mongol, dinastia Ming
O Ratinho a falar
Apontou
para mim:
-
Foi ela?
-
Sim, foi ela claro. Eu fui aluno dela antes de tu chegares. E ensinou-me o que
havia para ler cá em casa. O Claude Lévi-Strauss e os outros todos…
Agora
era o Ratinho.
- Leste La Pensée Sauvage, eu sei.
E estendia o dedo para mim:
- Ela estudou Etnologia e Antropologia, nos estudos dela!
E estendia o dedo para mim:
- Ela estudou Etnologia e Antropologia, nos estudos dela!
-
Mas não foi Letras, e línguas e literaturas que tu estudaste?
Claude Lévi-Strauss e os índios Bororo
-
Ouricinho, ouve bem. Há sempre uma possibilidade de aprendermos o que queremos.
E há escolhas e preferências.
- Pensas que é possível escolher, hoje?
O Ratinho estava muito céptico.
- Penso que ainda é possível...
"Seria?", pensei.
- Eu pude escolher disciplinas que não pertenciam ao meu curso, que eram “opções”. Cada um escolhia o que lhe interessava. A mim interessavam-me os 'humanos' nas suas diferenças e igualdades…
- Sim, "Tristes Trópicos" é um lindo livro sobre outros índios da Amazónia. Tão diferentes de nós, ocidentais. E tão iguais!, disse o Ratinho, melancólico.
Concordei:
- Outras culturas, os mesmos desgostos e os mesmos anseios, não é?
- Pensas que é possível escolher, hoje?
O Ratinho estava muito céptico.
- Penso que ainda é possível...
"Seria?", pensei.
- Eu pude escolher disciplinas que não pertenciam ao meu curso, que eram “opções”. Cada um escolhia o que lhe interessava. A mim interessavam-me os 'humanos' nas suas diferenças e igualdades…
- Sim, "Tristes Trópicos" é um lindo livro sobre outros índios da Amazónia. Tão diferentes de nós, ocidentais. E tão iguais!, disse o Ratinho, melancólico.
Concordei:
- Outras culturas, os mesmos desgostos e os mesmos anseios, não é?
Pensativo,
o Ratinho Poeta perguntou:
-
Ainda há quem se interesse pelos estudo dos humanos nestes tempos? Saber das relações
afectivas, dos costumes tão diversos uns dos outros, dos desejos que são
semelhantes. Dos ideais e das ilusões? Da beleza e do amor?
jovem índia da Amazónia
-
Claro que sim, Ratinho! Nunca devemos desistir de acreditar nisso!
-
Achas? Num tempo em que domina o rei-dinheiro e a obsessão do ganho nojento que traz com dele. Valerá a pena pensarmos em ideal?
E
o Ouricinho abanava a cabeça, triste.
- E o teu Boudha é de oiro também?
Agora o meu amigo ria-se. Talvez quisesse não pensar e preferisse um pouco de ironia.
- E o teu Boudha é de oiro também?
Agora o meu amigo ria-se. Talvez quisesse não pensar e preferisse um pouco de ironia.
- Não é de oiro, é de bronze e gosto muito dele! Deu-mo o Manuel e ponho lá moedinhas debaixo dele para dar sorte.
O Ratinho riu-se.
- E dinheiro...
- Ouçam bem, os ideais viverão sempre no sítio onde houver um homem a sonhar seja com o que for! A menina índia também tem o seu sonho!
O Ratinho riu-se.
- E dinheiro...
- Ouçam bem, os ideais viverão sempre no sítio onde houver um homem a sonhar seja com o que for! A menina índia também tem o seu sonho!
O cavaleiro azul, de Kandinsky
-
Claro! Um sonho dourado como o "capim". Quer ser médica, disse-me ela. O sonho! Sim, o tal poema que me ensinaste
que falava do sonho que era uma bola colorida entre as mão de uma criança…
-
Eu sei, eu sei! “Eles não sabem que o
sonho é uma constante da vida…” Já mo ensinaste também. É do poeta Gedeão.
O
que podia eu fazer? Ri-me com eles. O saquinho de capim doirado luzia como se
tivesse vida. Como se fosse uma lua cheia sobre o lago de Palmas. Nos Tocantins.
Algures, no sertão dos Tocantins, ao pé do rio, uma menina índia tinha pensado
em oferecer-mo e isso era tão bonito!
Como desesperar da vida e do tempo que passa?!
* * *
Bem, deixo um "modão" para ouvirem...
Como desesperar da vida e do tempo que passa?!
* * *
Bem, deixo um "modão" para ouvirem...
Que bonito! Tudo!
ResponderEliminarEsse ratinho é uma maravilha! As coisas que ele sabe e como fala bem! Gosto de o ouvir. Quem muito lê muito aprende!
É culto, inteligente e um bom amigo!
A sua bolsinha é muito linda e os brincos e os colares feitos com o mesmo material são lindíssimos. Têm uma cor mesmo bonita!
Ouvi a música sertaneja. Gosto.
Mais um post que é uma maravilha:)
Um beijinho grande:)
Assim..........
ResponderEliminarsequestrados no paraíso
Bj