terça-feira, 29 de setembro de 2015

Optimista/Pessimista...


Zvi Mairovitch

Conforme os dias, dia sim dia não, sou optimista ou pessimista. Em relação ao que se passa no mundo ou em relação à vida? Tudo em geral. O pessimismo, quando vem, é muito forte!
Receio que a utopia que defendo com unhas e dentes não tenha hoje razão de ser. Um mundo melhor? Ou, distopicamente pensando, virá um mundo pior?
Será, ao menos, possível um mundo de paz e de justiça, num dia longínquo -ou nem isso? 
No fim e ao cabo é disto que falamos ao falar de “utopias”. Porque hoje querer acreditar num mundo de paz parece utópico, quando as imagens que nos rodeiam falam apenas de guerra, de tortura, de infelicidade e de morte. 

Terá de ser sempre assim? Acreditar é apenas uma questão de vontade e de persistência, digo para mim... 
Leio um livro que a minha amiga Lea me deixou: "La mia terra promessa" de Ari Shavit, de que falarei aqui um dia. Não posso dizer que seja animador. Mas é belo tentar acreditar!
Edna Dagan, Oração

Vem-me uma forma de tristeza, de desconsolo ao deparar com as imagens de hoje, com os artigos que leio e não consigo entender. 
Um dia será diferente? Um dia o nosso olhar verá outras imagens? 
Sandro Botticelli, Natividade mística

E os homens que fogem das guerras e da morte terão o apoio de outro homem? Terão compaixão, generosidade, interesse pelo "seu caso"?
O homem dará a mão ao outro homem e dividirá com ele o que tem? Perguntará, apenas, sabendo que é um "terrestre" como ele: "Donde vens, amigo? De que mundo e de que sofrimentos?"
Arjen Galema, Encontro na Noite, 1949

Ouço já os comentários de alguns: “Dividir com essa gente? era o que faltava! Nós suámos para ganhar o que temos!”

Sandro Boticelli, Abraço místico...

Vencerá o ódio, o rancor e o ressentimento como –tantas vezes – acontece nas nossas vidas pequeninas - as que vivemos a par da Vida com letra grande. Sempre o medo será a causa de outros males, de outras dores?
"Não somos heróis, nem anjos, somos homens", diz Ari Shavit no seu livro.
Telavive 1921

Lembro o meu amigo Inácio que me dizia, em Telavive: “Sabe, Maria João, os dois sentimentos que mais comandam os homens não são o amor e o ódio, mas sim o amor e o medo”. 
Eu nunca tinha pensado nisso e impressionou-me ouvi-lo.
O medo? Os maus sentimentos, a desconfiança do outro, sempre? Sempre, a raiva? Sempre, estar na defensiva, ter de usar a couraça, para não nos ferirem mais?
Sandro Boticelli, Fortitude

Marc Chagall, Guerra

Nunca o raminho de oliveira e o sorriso? O circo e a festa? E sinto-me estúpida a querer acreditar nisso: que sim, que um dia o sorriso vai vencer as palavras maldosas que se lançam como pedras. E o céu continua indiferente? 
Era o que sonhávamos, quando sonhávamos? Para isto crescemos, trabalhámos, aprendemos e tivemos filhos? E o que lhes ensinámos não foi justo?
 Mary Cassatt, Mãe e filhos

Como explicar-lhes, hoje, que para eles não há lugar neste mundo que “moldámos” (foi culpa nossa porque o deixámos desenvolve-ser assim?); nesta sociedade de corrupções várias, de indiferenças e de egotismos; nesta corrida ao dinheiro, ao ganho, ao roubo?

Por que não há-de existir a palavra boa que “anima” o outro, que nos ajude a viver melhor o nosso dia? Um sorriso, um suspiro de bem-estar? Um pouco de poesia? Uma gargalhada? 
Penso no Rabbi Nahman de Breslav, um homem maravilhoso que "pregava" a alegria: "Nada nos ajuda tanto como a alegria. Liberta o espírito e enche-o de calma." 
E, noutra passagem, apoia-me na vontade de acreditar: "Mais vale ser um louco que acredita em tudo do  que um céptico que não acredita em nada -nem mesmo na verdade!"
Marc Chagall, Criação do mundo
Nézò, Rostos e barcos

Lembro um poema lindo de António Couto Viana. Lembro-me de o ouvir cantado, num pequeno 'single' há muitos anos:´

Trova Dor 

Ciência inútil e cega!
Os homens chegam à lua,
Mas a minha mão não chega à tua!

Ai, se as duas se encontrassem,

Como manda o coração,
Talvez os homens voassem
Neste chão.

Ciência que mais importa:
A poeira poluída
Da lua morta
Ou nossas mãos que são vida?


Sandro Boticelli: Primavera (pormenor)

Uma mão estendida para outra, a pancadinha  na face – que não seja interpretada logo como perversa, ou demasiado familiar?, em vez de se pensar ser apenas como dizer: estou aqui, não estás sozinho. Sim:
Talvez os homens voassem


Neste chão.

A minha teimosa utopia gastou-se com os dias? Talvez não. Vou acreditando menos do que acreditava: acredito dia sim, dia não: hoje é não, portanto. Demasiado cansada das imagens e das palavras. 
Anjos e demónios - quais os anjos e quais os demónios?
Sandro Boticelli, Anjos ou demónios
Mas há-de voltar um dia-sim! Porque a minha esperança quer manter-se viva. Hei-de voltar a querer acreditar que um dia, sim um dia…
Sandro Boticelli, Natividade mística: abraço?

Porém, hoje, não sei se alguma vez o homem dará a mão ao outro homem: "a minha mão não chega à tua."

Diz o Salmo 37.11 “Os suaves ganharão a terra prometida. E terão a paz.” Como o meu livrinho de salmos é inglês/hebraico fiquei a hesitar no sentido de “suaves”.
Livro dos Salmos

Sandro Boticelli: "E terão a paz.”

O inglês “meek é, traduzido, “manso”, “dócil”. Só que não acredito que se precise de ser “dócil” para ganhar a terra prometida. A luta, a rebeldia fazem parte da procura do “justo”. Por isso prefiro dizer que serão os “suaves”- tal como o ‘doce Rabi’ de que fala Eça, num conto maravilhoso- que terão a terra prometida…

Sandro Boticelli, Tentações de Cristo, O leproso

“A vida é um momento efémero, um sopro, uma passagem”, como diz o Salmo 39, e nem sempre e fácil encontrar um sentido para essa fragilidade e precariedade da vida humana. Onde estão os suaves, os rectos, os bons?

Seja como for, enquanto passa, a tal vida efémera, a folha seca que somos e se vai perder no vento, o sopro que pouco dura, pode trazer-nos muita coisa!
Mary Cassatt, Leitura no jardim

Traz-nos os amigos, os livros, as pinturas, a arte que nos emociona e transforma uma tarde cinzenta num dia de sol.
Oded, Céu e mar

A palavra cheia de ternura que nos vem ajudar! Ah, sim acredito que isso existe numa vida.
que devemos estender a mão para os outros, acredito também! E que vale a pena lutar por isso mesmo. 
Chagall, Les amants et le claire de Lune

Será que, depois de escrever tudo isto, vou acabar o dia...optimista? Terá sido do luar desta noite de Setembro?
Arthur Dove, A lua e o mar

7 comentários:

  1. ~~~
    ~ É verdade que o mundo tem evoluído...
    ~ Para trás ficaram inumanidades, como a morte pela cruz, os gladiadores,
    o empalamento, a escravatura nas galés, os servos da gleba, o pelourinho,
    inquisição, mortes na fogueira, escravatura africana, perseguições religiosas,
    o arianismo, a bomba atómica e muitas mais...

    ~ No entanto, tem sido uma caminhada lentíssima...

    ~ Solidária com a sua preocupação e considerações.
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

    ~ Gostava de ter a sua opinião sobre o livro de Shavit.

    ~~~ Beijinhos. ~~~
    ~ ~ ~ ~ ~

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    1. Sim, tem sido uma lenta caminhada, Majo. Ainda lá está ao fundo o Ideal. Mas o meio de lá chegar é a Utopia...
      Quando acabar o livro do Shavit quero falar dele. Bom fim de semana!

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  2. Tudo se move
    porque rego e alimento as minhas utopias
    Não creio
    acredito
    e já é tanto

    Bj

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  3. Gostei imenso de ler este post e de ver as lindíssimas pinturas que escolheu, principalmente as de Chagall.

    Estava a ler e a pensar: serei pessimista ou optimista?...

    Creio que no meu dia-a-dia sou uma pessoa bastante optimista, mas em relação à humanidade...sou um bocado pessimista. Talvez no fundo seja uma avaliação egoísta de uma pessoa egoísta...não sei...mas tenho as minhas reservas...

    A humanidade vai evoluindo, é certo, porque de vez em quando aparecem pessoas extraordinárias que lançam sementes que germinam, mas por outro lado são muitos mais os que vão pisando essas sementes germinadas.

    Não sei, mas a humanidade ainda tem muito caminho a percorrer até à utopia...às vezes duvido.

    Um beijinho grande :)

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    1. Pois é, querida Isabel, vai evoluindo e vao involuindo. O homem é um ser cheio de paradoxos! Egoísmo/generosidade; Luz/sombra; Bem/mal...
      "Há os que lançam sementes que germinam, mas por outro lado são muitos mais os que vão pisando essas sementes germinadas."
      Pensamento positivo: há sempre umas sementes que germinam fora do sítio onde esses põem os pés!
      Beijinhos

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  4. Lindas pinturas. Às vezes apetece sublimar a cruel condição humana no encantamento dum quadro, que é sempre belo.
    Bom finde

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  5. Maria João,
    Compreendo bem esse sentimento, essa angústia quando olhamos em redor e pensamos naquilo por que lutamos.

    Tenho por princípio ser optimista mas caio muitas vezes no silêncio e vazio. Então espero que algo me faça renascer, como a sua escrita, neste registo, o Botticelli de quem sou amante, o seu livrinho de Salmos que é uma doçura para a vista, o Chagall, o grande Chagall com quem convivi nestas férias.
    Beijinho grato por este momento.
    Vamos votar, para ter a esperança de que o mundo possa mudar...:))

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