O
Outono vai chegar e há uma sensação de expectativa em mim. Como sempre houve, desde miúda.
Amava o tempo do Outono que trazia coisas de que gostava. A cor do céu, a luz menos forte, tamisada, as árvores que um vento fresquinho agitava, um pouco de chuva que corria pelos vidros. E eu ficava a ver a minha rua.
O próprio cansaço dos grandes
calores do nosso Verão alentejano faziam-me desejar a calma e o silêncio desta nova
estação.
Lembro-me do que pensava nesse tempo, e das histórias que gostaria ainda de contar. E outras que já contei.
O Outono vinha com a sua nevoazinha sobre os tectos das casas, logo de manhã.
Luz de Outono, de Isaac Levitan
Lembro-me do que pensava nesse tempo, e das histórias que gostaria ainda de contar. E outras que já contei.
O Outono vinha com a sua nevoazinha sobre os tectos das casas, logo de manhã.
Era já o tempo das aulas que tinham começado há pouco, os dias pareciam mais curtos e, na
rua Direita começava a cheirar a castanhas assadas.
Luar de Outono, Hiroshige
Num desses outonos, a professora de Português disse-nos para escrevermos uma redacção cujo tema era “O Outono e a melancolia”.
Fiquei surpreendida porque nos dias de Outono eu notava que havia em mim uma certa
melancolia. Estranhei que alguém me viesse dizer: “Fala-nos da tua melancolia!”
árvores despidas (MJF)
Gostava de escrever. Sempre gostei. O que escrevi na folha de pael não
sei bem o que foi, mas decerto falei da cor
dos dias, dos fins de tarde, da suavidade da temperatura, das luas cheias, dos céus quase brancos, atravessados por bandos de cegonhas.
árvores ono nevoeiro (MJF)
Os pinhais, que via da janela, pareciam poisados numa paisagem azulada de nevoeiro.
E os telhados da minha rua, com umas ervinhas que cresciam nos beirais. Como tudo era repousante e me deixava ficar
sonhadora, em contemplação. Pensativa,
encostada nos braços, sem saber em que pensava, de olhos perdidos nos espaços
abertos, com um sentimento de abandono e de tristeza que me era agradável. Seria isso a melancolia?, pensava.
árvores e nevoeiro (MJF)
O Outono na Corredoura (?), de Miguel Barrias
Falei dos campos e das árvores. Das cores dos troncos e da ramagem seca. Dos passeios que dava a sentir as folhas estalar debaixo dos pés. Ninguém escreve sobre o Outono sem falar das árvores e das folhas mortas que se juntam, no chão, em redor delas.
Há países onde as folhas ficam rubras como certas flores. Vem-me ao pensamento Kawabata, inigualável na delicadeza das suas descrições seja de paisagens que de sentimentos. Leio e releio Pays de Neige e encontro o contraste entre a beleza da paisagem, no Outono, e a fragilidade do homem. Numa linguagem de grande pureza, simples, numa poesia velada e transparente.
"A cortina das montanhas no horizonte, mostrava já as cores ricas do Outono ao pôr do sol, os seus vermelhos, os seus tons de ferrugem, diante dos quais -pensava Shimamura- aquele único toque de verde tímid, parecia ganhar, paradoxalmente, um tom de morte."
E, nessa janela, eu imagino o vento que arrastava num rodopio de tons de cobre, dourados, e, por vezes mesmo, vermelhos. E as árvores que teimavam em guardar as folhas verde!
Sem pensar na efemeridade do que via, nem na passagem do tempo que tudo vai destruindo. Nessa altura eu era uma criança quase, e tudo era belo e eu sabia que a Primavera ia voltar um dia.
Ouvia a canção de Prévert que me dizia coisas tão bonitas e falava do tempo dos amigos!
Há países onde as folhas ficam rubras como certas flores. Vem-me ao pensamento Kawabata, inigualável na delicadeza das suas descrições seja de paisagens que de sentimentos. Leio e releio Pays de Neige e encontro o contraste entre a beleza da paisagem, no Outono, e a fragilidade do homem. Numa linguagem de grande pureza, simples, numa poesia velada e transparente.
Etsuko Nagamatsu, Folhas vermelhas
"A cortina das montanhas no horizonte, mostrava já as cores ricas do Outono ao pôr do sol, os seus vermelhos, os seus tons de ferrugem, diante dos quais -pensava Shimamura- aquele único toque de verde tímid, parecia ganhar, paradoxalmente, um tom de morte."
Áceres no Outono (Japão, foto Yoshiyuki Sakano)
Japão, ramagens de ácer
Folhas caídas do Outono, de Syuji Hirai
o verde dos pinhais (MJF)
Menina e papagaio de papel (pintura na parede, pela minha mãe)
Ouvia a canção de Prévert que me dizia coisas tão bonitas e falava do tempo dos amigos!
Pensava como na canção: "ah,
como gostava que te lembrasses dos tempos felizes em que éramos amigos. Nesse tempo a vida era mais bela e o sol brilhava mais do que hoje. As folhas
mortas apanhavam-se com a pá. Vês?, não me esqueci…"
E cantarolava, encostada à janela:
Etsuko Nagamatsu
E cantarolava, encostada à janela:
“Ah! je voudrais tant que tu te
souviennes
des jours heureux nous étions amis...
Dans ce temps-là la vie était
plus belle
et le soleil plus brillant qu’aujourd’hui...
Les feilles mortes se ramassent à
la pelle,
tu vois je n’ai pas oublié...”
O
Outono vai chegar dentro de dias, disfarçado de Verão, é certo, mas há já um ventinho fresco que agita suavemente as folhas e que, de noite, faz zunir a roupa estendida nos varais.
E virão os dias que nos descansam. Os dias em que me sinto próxima de mim mesma e de outros tempos.
E virão os dias que nos descansam. Os dias em que me sinto próxima de mim mesma e de outros tempos.
Dia de vento, por Hocusai
Kawabata está na Livraria Lumière
Letra
do poeta Jacques Prévert, música de
Joseph Kosma (1945), canta Yves Montand
Gosto das cores outonais mas o Outono traz-me tristeza. Lembro-me que só achava graça ao Outono quando o vento fazia rodopiar as folhas, aí a dança alegrava-me.
ResponderEliminarA melancolia é um estado que nos invade e que o sol nos faz esquecer.
Faz-me impressão a morte das árvores, mas a regeneração é necessária.
Daí, a Primavera me atrair mais, é o acordar, o recomeço...
No entanto, reconheço que todas as estações têm a sua beleza há é que a encontrar.
Tudo lindo mas adorei a pintura da sua mãe.
Gosto de Kawabata.
Beijinhos. :))
Que maravilha de post!
ResponderEliminarAté eu, que adoro o Verão, este ano estou com vontade que chegue o Outono, pois o Verão foi demasiado quente por estas bandas. Mas continuo a preferir o Verão. Também gosto do Outono, e da tal melancolia que traz, a vontade de um certo recolhimento, de introspecção. O mal do Outono é que...antecede o frio do Inverno! E eu odeio o frio:(
Gostei de todas as imagens e de todas as suas fotos. Acho que há aqui fotos excelentes, mas gostei especialmente da 4ª a contar de cima "Árvores despidas". E adorei o desenho na parede, feito pela sua mãe. Tão lindo:) Já tive vontade de pintar uma parede, mas ainda nunca tive coragem. Acho que um dia pinto.
Um beijinho grande e bom Outono, quase, quase a chegar...
Pois é, Isabel, eram lindas as pinturas da minha mãe. Aflige-me hoje pensar que a casa foi vendida e que essa parede - que era o quarto dos netos lá na quinta- foi pura e simplesmente "apagada" - pintada de branco ou de outra cor. Tudo é efémero... Até a arte seja ela qual for está à mercê das contingências da vida,,,
EliminarRestam umas fotografias dos "meninos" a brincar, feitas ao acaso sem pensar que iriam desaparecer. Beijinhos
É pena, na verdade tudo tem um tempo, mas pelo menos tem as fotos e agora a recordação vai ficar aqui e permanecer. Pelo menos enquanto houver blogosfera! :)
EliminarA sua mãe também era talentosa. Lembram-me os desenhos das histórias infantis da Maria Keil.
Beijinhos:)
Esqueci-me de dizer que gostei das mudanças aqui no visual do blogue!
ResponderEliminarBeijinhos e bom fim-de-semana:)
Muito romântico. Gostei especialmente do Dia de Vento de Hocusai e da pintura da tua Mãe na parede, que achei mimosa e subtil. Gostaria de ter recordações assim da minha, mas não pintava...
ResponderEliminarFeliz finde, bjinho.
Boa tarde, Maria João!
ResponderEliminarDo que eu gosto mais, são das cores do outono, que são magníficas!
De kawabata também gosto e já li vários livros dele.
Um beijinho e bom fim de semana.
..."Tu és folha de Outono, voante pelo jardim... deixo-te a minha saudade - a melhor parte de mim e vou por este caminho, certa de que tudo é vão. Que tudo menos o vento, menos que as folhas do chão..." (Cecília Meireles)
ResponderEliminarO Outono é mesmo assim, faz ter saudades de tudo, do que tivémos e não tivémos, do que talvez nunca teremos... Eu pessoalmente adoro o Outono ! E de sentir as folhas de todas as cores debaixo dos pés... Bom domingo, beijinhos, Mamé