segunda-feira, 21 de março de 2016

José Régio e "Fado do silêncio"


Marc Chagall, O poeta com pássaros 

No Dia Mundial da Poesia, lembro o nosso grande Poeta, José Régio, que não me canso de admirar!

FADO DO SILÊNCIO

"Quisera, uma vez na vida,
Dizer em metro e medida
Nem sei que velha ferida
Que me queima devagar.

(Ai e ó ai, acipreste
Que fazes sombra no chão!
A sombra que hoje me deste,
Quero-a com mais duração…)

Quase que vou-me a dizê-la,
Mas já é outra, não ela,
Que eu tenho medo daquela
não ser de a poder contar…

- Toca a rebate na torre,
Sem que ninguém lá chegasse!
Ou é anjinho que morre,
Ou é poeta que nasce…

Uma só vez!, mais nenhuma,
Quisera provar que em suma,
De tantas penas, só uma,
Só essa!, me há-de matar.

(Ai e ó ai, acipreste
Que fazes sombra ao comprido!
O bem que me ora fizeste,
Quero-o bem mais estendido…)

Morre-me a voz na garganta,
Que te tanta pena, tanta,
Só essa tanto me espanta
Que me tira a voz e o ar!...

- A rosa branca esfolhou-se
Logo que o vento a abanou.
Boquinha de riso doce,
Mal sorria e já chorou

Quisera, uma vez ao menos,
Mostrar sem ser por acenos,
Como os outros são pequenos
A par desse meu pesar!

(Ai e ó ai, acipreste
Que fazes sombra na estrada!
A sombra que hoje me deste,
Quero-a bem mais dilatada…)

Vou-me a dizer, não me atrevo,
Vou-me a escrever, nada escrevo,
Vou-me a falar, mas não devo,
Posto devesse falar…

- Caíu do céu uma estrela,
Quando olhavas o sol posto.
Não fugiste da janela…,
Caiu, e queimou-te o rosto.

Quisera, ao menos um dia,
triunfar dessa agonia
Que, muda, mais me entibia,
Me afoga de eu a calar!

(Ai e ó ai, acipreste
Que fazes sombra até fora!
O bem que me ora fizeste,
Quero-a com outra demora…)

Atiro os braços e caem,
Grito e os meus gritos não saem,
Dou ais que em ecos se esvaem
De ais eu não pude soltar…

Fonte do adro calado,
Não chores alto ao cair!
Há quem durma descansado,
Deixa quem dorme dormir…

Uma só vez nesta vida,
quisera, em metro e medida,
Dizer a velha ferida
Que me queima, devagar!

(Ai e ó ai, acipreste
Que fazes sombra no muro!
A sombra que hoje me deste,
Quero-a por todo o futuro…)

Mas se ao próprio chão da vala
Começar a desvendá-la,
Na boca me há de tapá-la
A terra que me tragar…"

desenho de Júlio, para este Fado 

3 comentários:

  1. Maria João, e ainda bem que lembra José Régio!
    ... e Júlio, o fabuloso Júlio que tanto gosto!
    Beijinhos.:))

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  2. Não conhecia. Gostei.
    um beijinho
    Gábi

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  3. Não conhecia, é muito bonito ( conheço o Poema do Silêncio que também é dele).
    Ai a poesia! Que seríamos nós sem ela...

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