quinta-feira, 31 de março de 2016

Kadish para um sobrevivente do Holocausto, o escritor Imre Kertész

Morreu em Budapeste o escritor Imre Kertész, Prémio Nobel em 2002 e um dos últimos sobreviventes do Holocausto", leio no jornal La Stampa. 
O Kaddish (*) para um escritor, pensei...


Sabia que era um judeu húngaro e que, aos 14 anos (1944) estivera em Auschwitz-Birkenau e em de cuja experiência fala no livro “Ser sem Destino” (**). 

aos 14 anos 
Kertész era um homem empenhado, actual, um indesejado para o governo anti-semita e fascista de Viktor Orbàn, um desiludido da Europa sobre a qual escreveu palavras duras: 
 Viktor Orbàn
«A Europa, uma entidade que possivelmente só existiu até ao momento em que teve um Parlamento comum». 

Penso que pouco se falou dele. Depois do ano 2002 - ano em que foi o vencedor do Nobel de Literatura- e da euforia desses momentos, a seguir... quem o leu? Teve o sucesso que merecia?
No entanto era um criador e um escritor e um pensador sério. Kertész costumava dizer que a “arte não serve para julgar as pessoas, mas sim para recriar um instante”.

Tinha 86 anos. Vivera intensamente de certeza. Pensara na sua experiência trágica com honestidade e interrogava-se. E indignava-se. 
Na secção de Literatura da revista francesa 'Marianne', escreve Guy  Konopnicki:

“Se tivesse nascido 50 anos antes, teria escrito na língua alemã, como outros judeus da mittel-europa, Kafka ou Joseph Roth. Foi reconhecido tardiamente, este escritor invulgar. Vinha da literatura dum mundo destruído: a dos judeus da Europa Central. Que de Praga, a Lemberg ou Budapeste, tinham formado a elite do Império Austro Húngaro.”  
Praga
Budapeste, Chain Bridge (liga Buda a Pest)
O escritor interrogava-se sempre: Qual é a minha história particular? Quem sou? O que sou?" 
Indignado e insatisfeito, desabafava, no livro 'Detective Story': "Falar não é suficiente. As palavras não esclarecem nada. Terei que bater. Mas bater em quê. Ou em quem?" 

Por outro lado, o articulista de La Stampa explicava: "Para ele,  a sua experiência do ‘lager’ não fora uma chegada a nada, mas sim "um ponto de partida" para conhecer a Europa de hoje, e "o homem em absoluto".
Sobre o Julgamento de Nurimberga (1946), como judeu húngaro que era, e “vencido” pois, pensava que tudo era mais complicado: “o mundo das vítimas e dos carrascos e logo também o da condenação tremenda estão fora das aulas dos tribunais.” 
o depoimento do nazi Hermann Göring
Nos últimos tempos, perante os acontecimentos europeus e mundiais que se sucedem, tragicamente,  escrevia, lúcido: "a liberdade é o perigo mais grave que rodeia ao homem, porque a liberdade é a conquista definitiva que nos torna imbelli.”
O artigo termina, com certo pessimismo:
"A sua obra-prima é, talvez, “O Século Infeliz”, o 'fechar do círculo', a pedra tumular de uma civilização – a europeia- que a partir do mito do século XVIII, o das "luzes", o da ‘razão’, construiu o seu último ‘mito’"


Dali para a frente tudo se limitou a uma 'evolução', depois 'involução' e, finalmente, 'desentendimento' sanguinário.

Como não dar-lhe razão?! Vou já lê-lo! Façam o mesmo - se o não fizeram ainda!


(*) O Kaddish é o nome dado à oração dedicada à memória dos falecidos, dando ênfase à glória e Deus. Normalmente é lida pelos filhos.
(**) Em 2005, o realizador húngaro, Lajos Koltai, adaptou ao cinema o seu livro Ser sem Destino. 
Koltai trabalhou com outro húngaro famoso Szabo Istvan e com o italiano Giuseppe Tornatore. 

4 comentários:

  1. Apesar de ser Prémio Nobel, acho que não me lembro de ouvir falar nele. Também fiquei com vontade de ler alguma coisa dele, depois de ler o seu post. Vou ver o que há no Wook.

    Um beijinho grande:)

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  2. Tenho um livro dele.
    Vi a notícia no jornal da noite e fez-me impressão. Agora, neste momento, não consigo ler o tema holocausto.
    Mas vou ler um dos títulos que indica e que ainda não li.
    Beijinho. :))

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    1. Ana, há momentos em que não se suportam certas coisas, percebo-te bem. Um beijinho

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