terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Mais um Carnaval...


Mais um Carnaval... ~

Dias atrás, uma senhora –já de certa idade- queixava-se, numa loja, onde fui:

Oh! Já não é como antigamente. O Carnaval dos meus tempos é que era verdadeiro! Havia o Corso no Estoril, na Avenida da Liberdade. Tudo tão bonito!”
E lá ficou a suspirar pelos seus “good old times”.

Vim para casa a pensar nisso.

Sim. Tudo muda. Já dizia o grande Camões que tudo é feito de mudança...
Lembrei o soneto magnífico a que o tempo e a mudança não tiraram o encanto:

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades."

Mas isso não é negativo, pensei...
O poeta diz também: "tomando sempre novas qualidades", e mais adiante, "novidades".
E, mais adiante: " O tempo cobre o chão de verde manto./Que já coberto foi de neve fria!
Eu "leio" aqui qualidades como coisas boas, a Primavera que se segue ao Inverno, etc.
Deixemos o resto... Por que não?
Pensei nos carnavais da minha infância e adolescência. Só nessa altura, apreciei deveras o Carnaval.

Havia ainda os mascarados, é certo, mas já a minha avó dizia que nada era como tinha sido no tempo dela.
E falava dos carros enfeitados com flores de papel, puxados a cavalos, e, dentro, as "máscaras" com mantilhas, vestidos vistosos, os cabelos encaracolados a ferro quente, mascarilha negra de seda, irreconhecíveis.
E contava como se divertiam, as "partidas" que faziam, etc...
Para mim o melhor era o "dia-a-dia" do Carnaval, os dias e as noites.
Quando o meu avô passava ao serão e trazia sempre um “disfarce”, para nos divertir: um nariz, óculos e bigode à Groucho Marx, uma capa negra, uma "caraça" assustadora, enfim, pequenas coisas que eram uma brincadeira para nós.

Outras vezes acompanhava-nos, à noite, mascarados todos, ele, eu e as minhas irmãs, para ir de visita a amigos, cruzando grupos divertidos que nos saudavam e tentavam “meter medo”, pelas ruas da cidade cobertas de “confettis” (papelinhos era o que nós lhes chamávamos...) e serpentinas penduradas das sacadas dos prédios altos da Rua Direita, as luzes acesas detrás dos vidros, a música, os risos.

Ou sou eu, hoje, que "recordo" assim?
Que importa?

Tudo nos servia para nos vestirmos "de carnaval"...
Passávamos busca aos armários e gavetas da minha mãe a tirar tudo o que fosse seda e colorido para fora, pijamas, lenços écharpes e eis-nos princesas indianas, rainhas dos Orientes, sheiks do deserto, Madames Butterfly...

Vou-vos contar uma história desses tempos...
Eu gostava de me disfarçar sempre de homem: era sheik das arábias, ladrão de Bagdad, pirata, conforme o que encontrava nas tais gavetas da minha mãe...ou do meu pai.

Pintava um bigode de rolha queimada, carregava as sobrancelhas, punha um pano branco na cabeça, atava uma gravata, ou o cinto de seda torcida do robe do meu pai, e um lençol que era o manto a esvoaçar e sentia-me o Lawrence das Arábias!
E lá ia com as minhas irmãs e com o avô, a pavonear-me pela cidade ou a visitar a família.

Num ano desses, a minha mãe decidiu mandar fazer na costureira da nossa rua uns fatos de Carnaval a sério.

A pequenina ia vestida de “holandesa”, com uma sainha de seda até aos pés, azul, um aventalinho de renda e uma touca de cambraia de onde saíam as trancinhas louras.

Eu e a minha irmã mais velha iríamos mascaradas de “camponeses jugoslavos”.
Ela era a rapariga, linda num vestido de flores e ramagens de várias cores, camisa branca com folhos, botas vermelhas e uma coroa de espigas douradas cheias de fitas de várias cores a cair dos lados do seu cabelo muito bem penteado; eu, o rapaz, com umas calças largas de cetim negro apanhadas nos joelhos, um colete bordado com um “galão” verde e prateado e uma camisa de cambraia muito fina. Os sapatos eram uns escarpins de cetim preto com bordados iguais ao colete. No alto, uma calota também bordada, em cima dos caracóis.

Sim, dos caracóis...
Porque nessa manhã tínhamos ido arranjar o cabelo ao cabeleireiro, o Sr. Relvas, que tinha o seu salão de coiffure na Rua da Sé, perto da casa dos meus avós.
Quando me vi ao espelho, só me apetecia chorar: os meus cabelos lisos e curtos, ainda ontem, estavam agora em caracóis agarrados à cabeça: parecia um carneiro preto!

(O pior foi a ideia que a minha mãe teve de nos levar ao fotógrafo da terra. Para minha tristeza, depois de férias, vi-nos -vi-me- na montra do fotógrafo, em foto ampliada e colorida à mão. Estava imortalizada a minha imagem de carneirinho preto. )

E aqui fica a minha história de um carnaval de outros tempos, os meus, os nossos...
Que tal a fotografia? Eu e a minha irmã, nesse dia de Carnaval...

9 comentários:

  1. Não tenho boas memórias do Carnaval. Nem em miúda. Mas enche-me a alma o seu texto, os cheiros dos lugares partilhados...
    Beijinhos Imensos e sem máscaras!

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  2. Contigo é impossível ter máscara...
    Beijos muito amigos

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  3. Nunca gostei de me «mascarar»já tu bem te gostavas de te «disfarçar» e qualquer coisa servia e ficava sempre bem e nem quaiqueres caracóis ensombravam o teu divertimento,sempre fiquei com essa idéia....Agora com a«brasileção» do carnaval já não tem a mesma piada.Cada um tem o «carnaval» que quer ou que a vida lhe deixa ter...

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  4. Pois é verdade... Bem saudades às vezes tenho desses nossos carnavais. Fica a fotografia de recordação
    Um beijo

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  5. Bonita foto,valiosa recordaçâo.Eu também sempre gostei de me disfarçar,é como uma portunidade de sair fora de ti mesma,uma espece de catarsis,ser outra por uns momentos,um gato,uma bruxa, uma princesa...Sonhar,divertir-se sem fazer mal a ninguem.
    Maria,que a aprecia e respeita.

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  6. está muito gira na foto
    gly

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  7. A foto parece um postal! Está muito gira de facto..O carnaval nunca foi uma das minhas datas predilectas..mas la passei tbm alguns momenmtos engraçados..um beijo GRANDE

    MARTY;)

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  8. Já sei que a Valéria é que gosta...Pelos vistos é a única que me acompanharia nessas aventuras...

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  9. Um post adulto. Forma esplêndida, conteúdo de primeira escolha.
    Parabéns pela simplicidade.

    MFonseca

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