domingo, 22 de julho de 2012

Uma mão cheia de livros para férias...







Apesar de ter feito uma redução, penso que terão de ser as duas mãos bem cheias para férias.
Livros, outra vez? Sim, porque acredito que nos livros encontraremos muito do que um dia seremos – juntamente com o que vivermos, olharmos e ouvirmos! Mas tudo começa com a leitura.

Desde que dei conta que existia, vejo livros. Na casa onde passei infância e adolescência havia uma longa estante no corredor e sei que era um espaço que me atraía. 
livros, imagem da internet de Rossella Fumasoni

Lembro-me de estar sentada no chão, a espreitar os livros, a tirá-los dali, a folheá-los, a cheirá-los - porque gostava do cheiro dos livros velhos- e a ver as imagens - se as tinham. Voltava a guardá-los, arrumadinhos, depois de escolher um.

Havia ainda os livros novos que me ofereciam, com as páginas fechadas. E era  o encanto e a impaciência misturados, a abri-los com a faca da fruta.

Um dia deram-me uma faca "corta-papéis", do feitio de uma espada, que tinha também a função de "marcar" as folhas.
Era um cerimonial, até encontrar o "refúgio" onde decidia instalar-me.

o ratinho Poeta olhanndo para Pushkin, ao pé da "Guerra e Paz" de Tolstoi...

Impressionaram-me cedo os escritores russos: Tolstoi, Dostoievsky, talvez Gogol e “A Dama de Espadas” de Pushkin que recordo bem, na editorial Inquérito.

E outros escritores que a Inquérito publicava: “Contos Húngaros”, “Contos Romenos” - que traziam um pouco de novidade, sempre. Outros mundos, outras gentes.


Vieram depois os maravilhosos livros da colecção "Miniatura" (com lindíssimas capas,sobretudo de Infante do Carmo e de Bernardo Marques!) 

E chegaram os americanos: Steinbeck e “O Potro Vermelho”, Somerset Maugham e as “Histórias do Mares do Sul”, ou “Férias de Natal”, Hemingway e “As neves do Kilimanjaro”...



No quarto dos meus pais havia um armário, lacado  de azul claro, estilo anos 40, que me pareceu sempre muito ”moderno” e que tinha prateleiras onde a minha mãe guardava os livrinhos da "Vampiro"  que me deliciavam. 
A primeira leitura de Agatha Christie foi ali...

Continuei a ler e a viver num mundo de livros, quando me casei. 

Éramos muito jovens e, no 6º andar da nossa casa, eu com 17 anos e “ele” com 21,  a única riqueza era uma estante de mogno com os nossos livros, agora juntos, e algumas reproduções  de pinturas de Picasso e de Renoir. 
Renoir, "primeira saída"
Picasso
A minha cópia de Picasso...

E a vista sobre a cidade, na varandinha que “descobria” os telhados de Lisboa até ao rio.

A estante ainda dura! Só que se lhe juntaram mais umas oito!
a velha estante

Bem, mas hoje quero falar dos livros para férias! Ou para os que voltaram de férias e têm os fins de semana, ou um pouco da noite, para ler...




as novas estantes...

Recordo um livro cuja descoberta me entusiasmou: a “Correspondência” de George Sand e Flaubert. 


Livro magnífico com as cartas de dois seres fora do vulgar, maravilha de humanidade e sensibilidade, de atenção e amizade, de protecção e de ternura! 


Procurem-no, vale a pena! Seria mesmo um dos primeiros livros que aconselho, porque faz bem à alma de quem o lê...

A dada altura, diz Georges Sand: “Meu amigo, o que te posso desejar para o novo ano? Desejo-te tudo! E depois, o resto!”

Assim, leiam "tudo" o que puderem... E depois virá o "resto"!

Começo pelos que leio agora. Ou releio...

“O Bem e o Mal”, de Camilo, por exemplo, num velho exemplar que o meu pai me ofereceu, numas férias, tinha eu 12 anos.

Hoje releio-o com outro cuidado, mas o encantamento permanece.

 “Como consegue prender uma história de há séculos?


Dei uma olhadela a um livro de Eça, aliás “apenas” tradução de Haggarth que no fundo ele “reescreveu” segundo dizem e que não se esquece: As minas de Salomão”!

Há passagens que -sei lá porquê-  me recordam as descrições de “Paraíso Perdido”, de Milton: o Shangrila, o  “sítio perdido”, que desaparece depois da miragem e não mais se encontra.


Tenho atrás de mim, na estante, um livro que leio aos bocadinhos: Oliveira Martins e “A Inglaterra de hoje” (publicado em 1894). 


E imagino os Jogos Olímpicos, com o olhar “crítico” e o humor que o autor tem. E farto-me de rir.

Outro livro bom: “Poesias”, de Emily Dickinson, que leio numa edição bilingue italiana e é tão bela em inglês como no italiano...

E volto a aconselhar Steinbeck, Steinbeck, Steinbeck: para os que começam agora, para os que já o leram, para todos.

Milagre de São Francisco” (o inesquecível Tortilla Flat!), ou “O Inverno do nosso descontentamento", “A um deus desconhecido”:  são verdadeiras (re)descobertas!

Bernardo Marques, pormenor da capa de "A Lua e seis vinténs"

Outro escritor, sempre bom de ler, em todas as idades da vida: Somerset Maugham, que escreveu contos e romances que nos seguem pela vida fora: "Férias de Natal", "O Fio da Navalha", "A lua e seis vinténs" (sobre a vida de Gauguin).

Dirão: e nada de mais moderno?

A verdade é que pouco tenho encontrado "de interessante" nos “modernos”. E tenho procurado em vários países, é um momento pouco interessante que parece “repetir” o que já foi dito, mas numa visão vulgar de déjà vu. Ou sem “déjà vu”, o que ainda é pior.
Talvez a falha seja minha, que não consigo ver nada... 



"Encontrei"  Le Clézio há uns anos e gostei. O Prémio Nobel 2008 foi premiado por “escrever sobre um mundo de novos destinos, da aventura poética e do êxtase sensual, explorador de uma humanidade que existe para além e abaixo da civilização reinante.”

De facto, “Printemps et autres saisons” ou “La Ronde et autres faits-divers”, "Désert" são histórias que falam de “outras” pessoas, de "outros" mundos, que  fazem parte da mesma humanidade... 
A Dom Quixote publicou "Deserto".




E mais?


A trilogia da irlandesa Edna O´Brien e “As raparigas da província”, e "a Luz da noite" ou Katherine Mansfield e “O Insustentável peso da Solidão” - antologia de contos tirados de Préludes e Bliss, na editora Coisas de Ler. Histórias dolorosas de uma sensibilidade à flor da pele. Este livrinho ofereceu-mo a minha ex-aluna Kuty e guardo-o com ternura.



Flannery O'Connor

Ou a realidade nua e crua de Flannery O’ Connor em  “Um bom homem é difícil de encontrar” (Cavalo de Ferro, tradução de Clara Pinto Correia);


-  o “calor humano”  e a ternura do olhar de  Carson McCullers e do seu “O Coração é um caçador solitário” (Editorial Presença);




-  a tristeza da sua “A Balada do Café Triste” (Relógio d’Água); 


- ou Truman Capote e “Harpa de Ervas”.


Ou, recentemente, Joyce Carol Oates e o romance “Nós éramos os Mulvaney”. Encontrei na internet outros livros dela traduzidos, mas este não. 



Existe “Rapariga negra, rapariga branca”, na Sextante Editores, e “A fé de um escritor”, na Casa das Letras.

Para os que estão interessados, saiu há pouco o seu último romance “Memórias de uma Viúva”, livro autobiográfico, que foi já traduzido em Espanha. Por cá, penso que ainda não.

São todos eles livros que nos “reconciliam” com a humanidade dos homens (passe a redundância) e com a riqueza dos sentimentos.

Outros livros que me atraem - e leio a toda a hora-  são os policiais! Estes contos de Raymond Chandler são uma preciosidade. Muitos deles foram depois "desenvolvidos" em romances.

Patricia Cornwell

De momento leio Patricia Cornwell, “At Risk”, porque além do suspense que mantém sempre, escreve muito bem e Ruth Rendell e/ou Barbara Vine (que é pseudónimo de R.Rendell). 
Li há pouco um livro terrível de Joyce Carol Oates com o pseudónimo “policial” de Rosamund Smith.



E o incontornável Simenon, que me acompanha há tantos anos e com quem aprendi o meu "francês" coloquial! Desta vez não um livro policial com Maigret, mas um livro “negro” (ele próprio lhes chamava os seus livros negros) “Ceux de la soif”- o isolamento de uns numa ilha – as Galápagos- e as explosões de violência interior, nesse mesmo universo quase concentracionário...

Para deixar uma nota alegre, guardo um livro de Hugo Pratt, comprado na Livraria Lumière: “A balada do mar salgado”!



(*) A editora Cavalo de Ferro publicou vários livros de Flannery O’ Connor:


Sobre Carson Mc Cullers:

Sobre Le Clézio:

Sobre Joyce Carol Oates:

Sobre Truman Capote, onde se fala da nova tradução (2012), com o acordo ortográfico... que não vou comprar.



6 comentários:

  1. Ler é uma forma de gozar enriquecendo-nos por dentro.
    Por muito que a gente leia, é sempre mais o que fica por ler, por isso perder o tempo com um livro que não nos aporte nada é uma perca de tempo irrecuperável. (Tu disso sabes mais do que eu, que para isso leste muito mais).
    Beijinhos grandes

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  2. Que post tao inspirador, MJ! Temos alguns gostos em comum, e também partilho do seu gosto pelos policiais, leitura que associo muito ao período de férias! Há algumas semanas, comprei o último das aventuras do Poirot, "The Curtain", para ler nas férias.
    Beijinhos e Boas Férias! :-)

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  3. Adorei este post.
    Adorei as fotos das estantes. Que inveja...
    Adorei a sua versão do menino com a pomba de Picasso. Tão bonita.

    Tenho alguns livros dos que refere e já ficaram aqui apontados outros tantos para comprar. Ando há imenso tempo atrás do "Coração Solitário Caçador" e nunca consegui encontrá-lo e agora vejo com alegria que há uma edição da Presença, que julgo que deve ser nova. Andei a ver na Wook e não encontrei.

    É como diz a Maria, "...é sempre mais o que fica para ler." Que aborrecimento!

    Um beijinho grande e obrigada por tão lindo post

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  4. Acho que vou outra vez de férias, depois destas magníficas sugestões literárias!!... E, as tentações são tantas, tantas...
    Se viessem acompanhados pelo tempo para lê-los, como já referiu a Isabel!
    Beijinhos e parabéns por mais este belo post!

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  5. Querida MJ,
    Adorei esta postagem que interliga os livros com a arte.
    Gostei destas escolhas. Algumas minhas conhecidas. Achei graça à escolha do "Fio da Navalha", já o li há uns anos, não sei se está na hora de o reler.
    Fiquei como nome de Edna pois nunca li nada dela e a correspondência de Georges Sand com Flaubert porque também ainda não li. Há outras escolhas que aqui apresenta que são interessantes mas estes foram os que mais fixei.
    Ai as estantes!!!, cá em casa também há esse problema... Embora agora estejam um pouco melhor.
    Beijinhos e obrigada pelas duas mãos cheias de livros. :)))
    As fotos estão lindas.

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