Tinham-se passado uns dias tranquilos cá por casa.
O Verão
não havia meio de chegar, nem o tempo que surgia todas as manhãs era "nada" de conhecido ou
previsível. Vivia-se o dia a dia, à espera.
Dias de calor, noites frias. Tudo se misturava desde a Primavera ao
Outono.
Não sei com que se entretiveram os dois, mas a verdade é que
o Ratinho e o Ouricinho andavam contentes, descobrindo novas brincadeiras e
novos objectos - e amigos. O Ouricinho descobriu-se "narcisista", sempre ao espelho...
"Quanto tempo vai durar o sossego?", pensava eu com os
meus botões.
Ouvia-os falar no meu escritório.
Um dia foi mesmo um espanto enorme: era o Ratinho!
- Viste que coisa mais pequenina, ó Dany?
- Onde?
Ouvi os passos saltitantes do ouricinho a treparem pela
estante.
- Ah! Que maravilha! É um cão?
- Será um cão, mas eu acho que só pode ser um mini-cão...
Riram-se.
- E simpático! Achas que fala?
O Ratinho observou bem o pequeno animal de vidro veneziano, e
comentou, irónico, fingindo-se convencido:
- Fala, fala. Mas fala italiano...
O Ouricinho debruçava-se sobre o ser minúsculo:
- Queres falar, cãozinho? O que é que falas? Hablas italiano...?
O Ratinho desatou a rir:
- Isso é espanhol! Deves perguntar: “tu
parli italiano?”
E para espanto de todos, o cãozinho disse:
- Sì, ma parlo solo venezian...
Foi uma risada. E lá ficaram na brincadeira.
Mas como eu disse acima, ia durar pouco a calma...
Ontem, voltaram da varanda a protestar.
- Queres deixar estragar os tomatitos? Olha que já estão
maduros!
Claro que é sempre o Ratinho que começa, mas o Ouricinho não
lhe fica atrás. Parecia um relógio de repetição...
- E bem maduros... Tenho aqui outro que tinhas lá na cozinha. Junta-se...
- Se não os colhes, caem e não os aproveitas para uma boa
salada!
- Sim, eu gosto de salada!
O Dany repetia tudo. Tinham razão desta vez. É verdade que eles têm razão muitas
vezes, devo confessar...
E estava-se ali tão bem na varanda, à sombra... Fui buscar um alguidar de plástico pequenino, mas o Ratinho
disse:
- Não! Um cesto é melhor. Ficam mais à vontade...
- Ok, chefe!, respondi, a provocá-lo.
- Não sou teu chefe bem sabes... Nem quero! Mandar em ti deve
ser terrível, porque és muito teimosa...
Enquanto trazia o prato da cozinha, mais a tesoura da
poda, no bolso do avental vermelho, novinho, ainda me vinha a rir.
- Hihihi! Tanta coisa
no avental, divertia-se o Ratinho.
- Assim não deixa cair as coisas, faz ela muito bem! Não é
como tu que andas a espalhar tudo pela casa...
Era o Ouricinho a defender-me. Ou a provocar o seu amigo
Ratinho?
Lá organizámos a “colheita”. Três tomates maduros, apenas.
Pensei que o ano passado fora bem melhor: tinha colhido logo 5 de uma vez e,
pouco depois, os outros dois restantes.
- Um ano “magro” para o tomate!, lamentei-me.
- Bem vês, disse logo o ratinho, é a crise! Quem é que não
fala nisso? A crise, a crise... Eu cá acho que a crise serve de desculpa para tudo. E quem
pode mais, prejudica o que pouco tem. Foi sempre assim...
Encolhia os ombros pequeninos, resignado. Estávamos na
cozinha a preparar a salada. Tínha trazido um belo ramalhete de basílico
perfumado.
Basílico ou manjericão? Tanto fazia... Era tão bom!
- Ó Ratinho Poeta, nada de desanimar! E nada de
resignação, que não leva a nada.
O quê? Era o Ouricinho quem falava!
- Ora, ora, Dany! Como é que tu sabes isso?, espantei-me.
- Disseste-mo tu! Indignemo-nos! Nada de resignados, mas sim indignados...
- É verdade! O Ratinho parecia aliviado de um peso. Eu sei,
eu sei! Foi até o Hessel que começou a dizer essas coisas e toda a gente foi atrás
dele...
Tinha razão o Ratinho. Tinham razão os dois...
- É bem verdade. Não vamos resignarmos e aceitar a crise sem luta. As
coisas dependem do que fizermos com elas!
Sentira-me mais animada com o que os meus amigos diziam.
- Indignemo-nos! E cheiremos este ramo de basílico já agora
para tudo esquecer, exclamei.
Eles riram em coro.
- Como o Stéphane Hessel!
Desataram às
gargalhadas.
O Ratinho quis ser o último a falar:
- Que lindo prato de salada!
E o Ouricinho debruçou-se para cheirar...
Só faltou o mozzarella...
ResponderEliminarLinda história!
Beijos
Raul
Pois foi... E até a tinha no frigorífico...
EliminarFartei-me de rir!
ResponderEliminarAdorei! Adorei!
A quinta foto e a sexta estão o MÁXIMO!!
Aquele olhar do ouricinho em cima do cãozito...está vivo!!
Adoro estes post. Sabedoria, graça e ternura à mistura...lindo.
A saladinha está apetitosa!
Um beijinho grande e obrigada por este post delicioso.
(Também andava por ali uma galinha...)
Obrigada Isabel! Agora já não falo mais de tomate! Mas do Ratinho e Ouricinho, sim...
ResponderEliminarEsero bem que sim!!
EliminarO Ratinho e Ouricinho já são personagens sem as quais não passamos!...
Maria João, parece que a estou a ver a construir a história... Simplesmente deliciosa!! Brilhante mesmo!! Isto publicado entretinha miúdos e graúdos (aliás como já entretém...)!!
ResponderEliminarOs meus parabéns.
Será que tem consciência do quanto estas histórias são especiais?! Têm mesmo muita qualidade e bom gosto.
Bravo!! Beijinhos.
Obrigada, Cláudia! Neste caso, são aqueles dois bichinhos que me "inspiram" e me levam a escrever... Estou sempre a observá-los e eles a fazer coisas...
ResponderEliminarbeijinhos
Gosto muito destes posts com o ratinho :) parecem-me de verdade, enternecem-me e fazem-me sorrir e às vezes rir.
ResponderEliminarum beijinho
Gábi
E quando é que dão sossego???
ResponderEliminarEsses dois, vou te contar, sempre as voltas com uma novidade, um cheiro, uma gracinha.
O pior é que estão lindos.
bjs nossos