quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Um policial que vem do frio: "Fronteira Branca", de Matti Rönkä

"Fronteira Branca", de Matti Rönkä

pintura do finlandês Akseli-Gallen-Kallela (National Gallery, London,1905)




O livro de Mätti Rönkä (1) foi publicado em 2002, em Helsinki. Leio-o na edição francesa, L'Archipel, publicada em 2011. Uma boa ideia a seguir em Portugal. Deixo a sugestão...


De facto, trata-se de um escritor policial que vem da Finlândia, apresentador da televisão e novelista de sucesso. Romance vivo, sério onde aparece o seu investigador Viktor Kärppä, nascido na Rússia e ex-KGB.


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Mar Báltico, rio Svir

lago Onega

Tallin, capital da Estónia

Diverte-me esta nova experiência de policiais que vêm de outro mundo, que fala de uma realidade pouco conhecida, de um mundo perdido no Norte da Europa, no meio da neve, com as suas fronteiras brancas perto de São Petersburgo ou de Tallinn, no Mar Báltico.
S. Petersburgo e o rio Neva

O herói-narrador é um investigador que tem vários trabalhos diversos, ligações a fileiras menos “legais”, que costeia a “malavita” de Helsinki e arredores. Nasceu na Rússia, para onde os pais - finlandeses- tinham emigrado. Ali cresce e vive, faz a tropa, trabalha no KGB... até um dia fugir para a Finlândia.

Kärppä tem informadores como Anatoli Stepachine, ex-ginasta russo, depois atleta de circo, depois jongleur e palhaço...
Ou Ruchkov, que por vezes é seu “partner” em certos negócios. Ou Karpov, que mantém ligações com a Rússia, na Carélia.

a capital da Carélia hoje

É contratado por Aarne Larsson, para descobrir o paradeiro de Sirje, jovem imigrande da Estónia, casada com Aarne, rico livreiro finlandês, e desaparecida de casa, numa tarde de nevoeiro.

Sirje tem uma particularidade "perigosa": é irmã de Jaak Lillepuu, traficante de droga e coisas várias, pessoa perigosa, em todos os arredores do Mar Báltico .

“Um homem mau, muito mau”, diz um dos contactos de Viktor.

Kärppä percorre Helsinki, e nós com ele, a investigação leva-o pela cidade, passando pelos bairros com nomes estranhos Kikiselmi ou Hakaniemi,  ou Kisahalli e Kallio.



Ou pela rua Alpikattu, ou pela Pakila que num lado é a Pakila Dólares e do outro a Pakila Rublos, conforme quem lá vive.



Uma Helsinki enevoada que nos parece branca e gelada como as suas fronteiras. E as suas casas mobiladas com madeiras claras e sofás de linhas sóbrias pouco aquecem a alma de Kärppä. E talvez também não aqueçam a jovem Sirje que ele procura.


Akseli-Gallen-Kallela (1906)

Passeamos pelos ginásios, casas de jogo, encontramos Ruchkov, o russo, para quem Viktor costuma trabalha às vezes, e que é também seu informador pois conhece toda a realidade underground dos dois países.


Um fio de nostalgia da Rússia perdida percorre o livro, nas recordações do herói - que se sente dividido. Os sentimentos, o calor humano, a afectividade são do seu lado russo que, meio finlandês, se sente diferente.

“Gostava de poder voltar à casa da minha infância, que a minha mãe fosse professora e que o nosso apartamento fosse mobilado como os que via na televisão”, confessa auma amiga finlandesa.
Paisagem russa, Zinaida Serebriakova

"Não me digas que ainda tens uma mota Volga ou uma Oural! É isso a essência da nostalgia: queremos reproduzir as coisas tal como eram, ou o que achávamos importantes quando éramos crianças...”, responde-lhe ela.

Mas não nos enganemos. Viktor não é um saudoso da União Soviética: “Essa época em que tinha o meu cartão de adesão do Komsol (2) não me faz falta nenhuma!”

Faz-lhe falta talvez a  sensibilidade e a solidariedade das gentes russas. Isso sim.


A "distância" educada, a frieza da Finlândia, das suas ruas geladas e sem gente, à noite. De estrelas fixas e frias no céu escuro. Das janelas sem cortinas, silenciosas janelas onde ele vê os reflexos azuis dos écrans de televisão - que todos ligam, à mesma hora,  a mesma emissão, vendo os mesmos programas.

Parque em Helsinki

Lá longe, em Sortavala, na fronteira da sua Carélia (3) natal, a mãe verá as mesmas estrelas, sob o mesmo ar gélido, com a mesma lua pálida.  E isso faz-lhe companhia, aquece-lhe o peito.
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Carélia, à beira do rio Svir

A pobreza dessa zona fronteiriça fino-russa com as suas diferenças abissais que mostram a diferença enorme de nível de vida entre os dois países, ainda hoje o confrange.
Mas o comboio que chega de São Petersburgo para Konvola, perto, chama-se “Repin”, como o grande pintor.

Talvez isso também lhe aqueça o coração.

“O que é moral?”, interroga-se  Käppä. “Onde fica a fronteira entre o bem e o mal?”

“Quem trafica mas não agride, nem rouba ninguém, não será menos culpado do quem é rico e rouba e nunca ajuda ninguém, nem nunca é julgado?”

O meio onde se move é o dos pequenos tráficos, dos contrabandistas de produtos “anódinos” que ele desculpa, como por vezes revela ao comissário da Polícia, o elegante comissário Kohonen.

“Nada de drogas pesadas, nem de armas”...

Akseli-Gallen-Kallela, Winter

Sirje, a jovem desaparecida, leva-o a perder-se nas neves dos campos ode ficava o chalet dos Larsson, em Asikkala.

Akselli-Gallen- Kalella, Maria Gallen, mulher do pintor

Onde estará a bela, a ingénua Sirje?

E o suspense mantém-se do princípio ao fim...



(1)   Nascido em 9 de Setembro de 1959 na Carélia, não longe da fronteira russa, é um jornalista televisivo finlandês e romancista. Em 2006, recebe o Grande Prémio de Literatura Policial, na Finlândia. Em 2007 recebeu o prémio Glass Key concedido aos melhores escritores policiais nórdicos (A Chave de Vidro é o título de um dos grandes romances de Dashiell Hammett). E em 2008, recebe na Alemanha o Deutscher Krimi Preis

É conhecido com o nickname de “a voz da Finlândia” devido ao sucesso como apresentador.




(2) “Komsol” era a organização da juventude dependente do partido comunista da URSS.

 http://brasilfinlandia.blogspot.pt/2009/02/fotos-neve-em-helsinki-fev2008_3842.html Foi neste blog brasileiro, muito interessante, que encontrei as fotografias de Helsinki que utilizei.

2 comentários:

  1. As imagens são lindíssimas. Espero que vão traduzir o livro para português...

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  2. Não conhecia.
    As fotografias são lindas bem como a pintura escolhida. Boas leituras!
    Irei procurar.
    Obrigada, um beijinho! :))
    Ana

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