Portalegre, cidade do Alto Alentejo (aguarela de MJFalcão)
Com uma ponta de amargura talvez. E com todo o
direito a tê-la, hoje que tudo parece querer voltar para trás, escreve assim o Sr. Jorge
Raimundo:
“Quando fui jovem, 11 anos, e era aprendiz de barbeiro na loja do Sr. Chaves, do Corro de Cima, espreitava esse edifício, o Liceu, e, sonhando, perguntava: porque não estou eu ali a estudar como os outros?
As crianças são
assim e, inocentemente, não via que já tinha o que era de meu direito, a 4ª classe.
Hoje voltou o mesmo
desastre, só que agora já não há o programa de inscrição voluntária aos cursos , aos exames para recuperar
os erros dos adultos.
Mas terão um lindo
diploma da 4ª classe. Obrigada, Sr. Passos Coelho.”
Liceu (Palácio dos Acciaioli) , entrada principal (MJF)
Respondi-lhe a contar
que tinha sido professora do ensino secundário, e falei um pouco das minhas aulas.
Sobretudo das aulas da noite, dos meus alunos-trabalhadores, da força de vontade com que se dedicavam a reaprender, com o desejo de conseguir mais, de melhorar, de ir estudar um dia –porque não?- para a Universidade.
E quantos deles o conseguiram! E agora?
Sobretudo das aulas da noite, dos meus alunos-trabalhadores, da força de vontade com que se dedicavam a reaprender, com o desejo de conseguir mais, de melhorar, de ir estudar um dia –porque não?- para a Universidade.
E quantos deles o conseguiram! E agora?
"Reparar um erro
dos adultos", como diz o Sr. Jorge Raimundo, quando não quiseram estudar?
Não. Não todos. muitos não tiveram sequer a oportunidade disso.
Muitos tentaram "recuperar" o direito - que não tiveram- de
estudar. Tal como o meu conterrâneo, Sr. Jorge Raimundo que via os outros meninos a ir para o Liceu enquanto ele, que gostaria de lá estar, não podia, porque o pai não tinha condições para lhe dar esses estudos.
E, assim, era aprendiz na barbearia do Sr. Chaves...
E, assim, era aprendiz na barbearia do Sr. Chaves...
Portalegre vista da serra de São Mamede
Dias depois recebi
outra mensagem:
“Senhora professora, levo-lhe à memória que, nesses tempos idos, recebi lições gratuitas de alguém malquisto no Liceu de Portalegre, na sua sala de explicações da Rua da Mouraria, onde muitos dos alunos eram filhos daqueles que o odiavam politicamente. O Homem era socialista, vejam lá! Deve saber de quem falo.
Nos anos vindouros, a
senhora e outras pessoas sensíveis terão
que repetir acções como estas, quando houver a falência do Ministério da
Educação.
Os meus respeitos,
Alguém que conheceu
bem o seu pai.”
Quem seria o tal professor? Lembro-me de ter ouvido lá em casa falar disso, mas não recordava o nome...
Hoje telefonei a uma amiga e consegui saber que esse professor do liceu (mal amado por alguns) era amado pelos seus alunos. Porque ela tinha sido sua aluna e lembrava-se dele!
Foi professor de Portugês e de Francês, era gentil, sorridente, e cumprimentava sempre na rua, "bom dia" ou" boa tarde", os seus alunos.
"E tinha umas mão bonitas!", disse-me essa amiga.
Penso que é meu dever e quero homenagear a sua atitude nobre! Era o Dr. Crespo.
Hoje telefonei a uma amiga e consegui saber que esse professor do liceu (mal amado por alguns) era amado pelos seus alunos. Porque ela tinha sido sua aluna e lembrava-se dele!
Foi professor de Portugês e de Francês, era gentil, sorridente, e cumprimentava sempre na rua, "bom dia" ou" boa tarde", os seus alunos.
capa do livro de Charlotte Brontë: O professor
"E tinha umas mão bonitas!", disse-me essa amiga.
Penso que é meu dever e quero homenagear a sua atitude nobre! Era o Dr. Crespo.
Mas o tempo tudo repõe no seu lugar e hoje deixo dois testemunhos de pessoas que o conheceram a falaram da sua dignidade de professor e de Homem e da sua humanidade!
O professor do filme "Clube dos Poetas Mortos"
Nem toda a gente fez o que este Homem bom fez: ensinou gratuitamente os miúdos que não podiam estudar!
Se pudesse, e fosse necessário, eu gostaria de fazer como ele, Sr. Jorge Raimundo, meu Amigo!
E lamento muito que o professor não tenha o "estatuto" de respeito que em tempos teve, porque um professor deve sempre ser respeitado...
(Deixo este belo desenho de Faty Bernardo, outra conterrânea, que acho lindo: "Rua do Comércio". Espero que ela mo permita!)
Se pudesse, e fosse necessário, eu gostaria de fazer como ele, Sr. Jorge Raimundo, meu Amigo!
O Coreto da minha terra (MJFalcão)
E lamento muito que o professor não tenha o "estatuto" de respeito que em tempos teve, porque um professor deve sempre ser respeitado...
(Deixo este belo desenho de Faty Bernardo, outra conterrânea, que acho lindo: "Rua do Comércio". Espero que ela mo permita!)
Também ouvi falar muito do Dr. Crespo, uma figura que a nossa cidade injustiçou!
ResponderEliminarBeijinhos
Querida Maria João,
ResponderEliminarQue beleza de história. O Dr. Crespo era alentejano ou foi por opção viver para Portalegre para seguir o seu ofício.
Esta postagem é uma homenagem a todos os professores.
Hoje em dia menos valorizados do que ontem. Porém, é com estas histórias que a moral se levanta, o prazer de ensinar desperta e o afecto cresce.
Beijinho. :))
Não podemos permitir que voltem aqueles tempos malditos em que as crianças tinham que passar pelo que passou o Sr. Jorge Raimundo. Em Celorico nem sequer havia Liceu, e os meus pais começaram a preparar sózinhos crianças que logo se examinavam na Guarda. Logo uma senhora com dinheiro montou um colégio, e a minha mãe no fim das aulas, dava classes em casa aos mais atrasados, de graça, claro. No verão dava-as no jardim, mas no inverno punha-os à volta da camila, e quem se lixava era o meu pai, coitado, que se encontrava com a casa cheia de "rapaziada" um dia sim e outro também. Como as pessoas humildes são muito agradecidas, pagavam " em género", que era o que podiam. Ao meu pai passava-lhe a mesma coisa com a veterinária. Também como tu me sinto muito orgulhosa dos pais que tive, em todos os aspectos da vida foram maravilhosos. Nem toda a gente tem essa sorte!
ResponderEliminarAs pessoas boas e simples são muito mais felizes.
Que tal vai tudo?
Um beijo graaaande.
A história das lições da tua mãe é muito bonita!Imagino-a a ensinar, no jardim, dia sim, dia sim... E o teu pai à espera, enquanto dava uma ajuda noutro campo. A generosidade é uma coisa maravilhosa!
Eliminarbeijinhos
Maria João, bem haja, por partilhar esta troca de correspondência com o sr. Jorge Raimundo.
ResponderEliminarTal como a Ana já escreveu, esta postagem é uma homenagem a todos os professores, e bem a merecem!
Infelizmente, o tempo em que as crianças tinham de trabalhar em vez de estudar, está a voltar. Ou melhor, no passado ainda tinham onde trabalhar, agora nem isso! Agora ainda estamos pior!!
Será que os nossos governantes têm noção do mal que têm feito a este país?
Daqui, sobressai também, a bondade, generosidade do Dr. Crespo!
Beijinhos.:))