segunda-feira, 17 de junho de 2013

“ENCONTROS E DESENCONTROS”, DIZ O RATINHO POETA...




Não é fácil a relação humana... O afecto tem muito que se lhe diga e, muitas vezes, é o  ciúme, a sensação de sermos abandonados, que cria a maior parte dos problemas.

Bem dizia a Raposinha ao Principezinho: "Quando arranjas um amigo, tens de te preocupar com ele..."
É como uma flor que tem que ser regada com amor, com paciência, com compreensão, se não ela murcha e morre.

E os desencontros sucedem-se, com reencontros, ou não. Todos sentimos mais ou menos o mesmo nas nossas vidas, no dia a dia, em múltiplas situações.

Às vezes, tão Inesperadamente!
Desta vez foi o Ratinho  a trazer o problema para a mesa! Quase nem me falou quando chegámos de Coimbra.


- Por onde andaste? Deixaste-nos aqui e foste passear...

Estavam deitados na caminha e tapados com um lençolinho que eu fiz de uma almofada que a minha mãe bordou para a Gui, com o nome dela e umas rosinhas, quando nasceu. 


Dormiam? Abriram logo os olhos!


O Ratinho ralhava mas o Ouricinho calava-se, e olhava-me, com um ar sofredor.

- Ó Ratinho Poeta, desculpei-me, foram poucos dias  só!
- Que importa? É o abandono que nos magoa. Andamos sempre atrás de ti, sofremos contigo, rimos contigo e, de repente, desapareces! Não dizes nada!

O Ouricinho abanava a cabeça, dizendo que sim, que ele tinha razão.
Fiquei triste por eles. Claro que eu fora de passeio e não os levara. Desta vez, nem tinha pensado nisso, confesso. Tanta foi a confusão à partida, que -tendo sido planeada- até parecia ter sido improvisada à pressa: o Diogo tinha andado por cá...

- Sim. E não venhas com as desculpas do costume: estava cá o Diogo, preocupavas-te com ele, etc. Ele não teve culpa. Tu esqueceste-te de nos levar!
Agora, o Ouricinho avançou, olhou-me com os seus olhos doces, e disse:

-Sim, foi tão bom termo-nos encontrado. E agora, assim...abandonados!

Só me faltava que se pusessem a chorar. Mas o Ratinho é muito orgulhoso, nunca cairia numa dessas.

- Pois é, encontros... E desencontros!, murmurou, filosófico.

 "Colcha de Noivos" (séc. XVII): bordado de Castelo Branco  (*)

Eu protestei.

- Nunca me esqueço de vocês, mesmo bordado de (seria verdade?)E, quando vejo coisas bonitas, penso nos meus amigos (agora era verdade!)...E havia coisas tão lindas em Coimbra!

- Havia o quê, de tão especial?, perguntou o Ouricinho, zangado.

- Oh! Havia as ruas, havia o pôr do sol, pontes. E havia os estudantes, a preparar a serenata. Era Santo António...



Nada parecia impressioná-los.

- Só isso? Ruas, casas? Estudantes? Aqui também há!



O Ouricinho parecia desiludido.



- É muito!, disse eu. O cair da noite, as luzes, o "fado" de Coimbra, as guitarras, a música e as vozes no Café Santa Cruz...



E continuei: 

- E um lindo parque que se chamava "Quinta das Lágrimas" onde havia muito verde, muita água... Até vi madressilvas no bosque!


Como explicar melhor? A história do Príncipe e da Princesa ficava para lhes contar mais tarde...


- Sim, pode ter sido bonito, interrompeu-me o Ratinho. Mas tu dizes que sim, que te lembras... E nós, aqui em casa, sem ver ninguém, estávamos preocupados. Vai tanta confusão pelo mundo...

Eu pensava na calma da Quinta das lágrimas.

E o Ouricinho continuou o protesto do Poeta, agora mais suave:

- Pois é... Acidentes, inundações, guerras, rebeliões! Já viste o que por aí anda? Como é que nós não havíamos de estar preocupados!?

- Ó Ouricinho, fui só ali até Coimbra e voltei...
- Sim! E o comboio não podia descarrilar? Nunca se sabe... Não pensaste nisso?

- Era um comboio pacato... Fui a ler...

Edward Hopper, "A leitora no comboio"

O Ratinho sorria, ao ver como o Ouricinho se queixava, meigo, apelando para a minha ternura. 


O Ratinho achava que o seu amigo Dani era um bocadinho ingénuo, muito mais novo do que ele como era, inexperiente. Sentia uma forma de protecção por ele. Como se fosse uma criança e ele um jovenzinho que sabia tudo.

Ri, e peguei nos dois e abracei-os.

- Meus queridos! Estão sempre no meu coração...

O Ratinho aproveitou logo a deixa:
- Então, leva-nos já ali à varanda! Vimos passar as andorinhas, na janela do quarto, e elas disseram-nos que a Primavera chegou!


- Chegou, disse eu. Mas vem fria, muito fria. E o Inverno quase estragou as nossas plantas!


Agarrei-os com força e fomos ver as flores, o mar, as árvores que podemos espreitar da nossa varanda.


Corria um ventinho fresco, as buganvílias tinham florido, as malvas lilás, que trouxe da Praia do Magoito, espreitavam, sempre espertas. 

O aloendro bordado de Castelo Branco "Colcha de noivos" (*)tinha umas flores brancas desmaiadas e frágeis e os troncos não tinham força para os segurar.


"Lá tenho de as atar com um cordel"..., pensei. 
E os ibiscos quase não tinham rebentado. Um ou outro botão...



O Inverno fora agreste e as flores tinham sofrido muito. Pareciam encolhidas com frio...

Só brilhavam, coloridas, as malvas vermelhas. E as cor de rosa vivo que eram tão bonitas, ao pé da flor do alho!

Sim, porque eu tenho alhos plantados na minha varanda... (Sim, até por causa dos vampiros que por aí andam!)




"As flores simples são as mais resistentes..."

E as rosinhas de toucar, corajosas,  tentavam endireitar-se e trepar pela parede.

- Tão bonitas, exclamou o Ratinho! Olha, uma flor nova!!!

- São gladíolos, expliquei.
- Nunca tinha visto!, entusiasmou-se o Poeta. Tão delicados!


- Voltaram a viver com o sol!, disse o Ouricinho, melancólico. É assim a beleza da Primavera...

E treparam os dois pelas folhas rijas ...
- Não caiam!

"Voltaram a viver com o sol! É assim a beleza da Primavera..." Mais um poeta cá em casa, pensei.


(*) NOTA: Esta "Colcha de Noivos" (séc. XVII)foi-nos oferecida, no dia do casamento, por José Régio, meu grande Amigo, que nunca esqueço!

10 comentários:

  1. Rio-me sempre e fico comovida com estas histórias!
    Diz coisas muito importantes pela boca destes curiosos resmungões! Bem...resmungões, não, porque na verdade só um é resmungão! O Ratinho Poeta! O Ouricinho é bem mais tranquilo. É inocente e pacato!
    Mas para a próxima leve-os lá...
    São uns mimados, não passam sem si, é o que é!

    Apesar do rigor do Inverno que parece que ainda por cá anda, as suas plantas estão lindas. Sabe o nome de todas...eu não sei nada, acho que andei a chamar lírios a outra flor completamente diferente. Ignorância!

    Resumindo: mais um post lindo e cheio de ternura para matar a saudade destes malandritos que há tanto tempo andavam desaparecidos!

    Um beijinho grande e obrigada por mais uma linda história!

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    1. Conheceste logo o bordado de Castelo Branco! Já pus uma nota no texto. Foi José Régio que nos deu a colcha como prenda de casamento. É muito valiosa. Tenho-a guardada, mas há dias tirei-a para a mostrar à Gui e ao Diogo...
      És sempre aqui benvinda!!!

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  2. Gosto muito, muito, destes posts com o ratinho e o ouricinho. Em próxima viagem será melhor não os esquecer :)
    um beijinho
    Gábi

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    1. Penso sempre em ti quando ponho uma história com "eles".... beijinhos. Vou levá-los, prometo!

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  3. Já por aqui estou outra vez! A descansar a vista e o espírito neste texto e fotos tão bonitas. Ali em cima é bordado de Castelo Branco, não é?

    Gosto de tudo aqui! Apetece-me levar o post!!

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  4. Ufa! Alegro-me de que tenham acabado todos em boa sintonia entre as plantas da varanda que comçam a rebentar. Aqui tem estado um tempo maravilhoso, hoje refrescou um pouco. O tempo anda louco, mas com o que está a passar por aí, somos umas priveligiadas, tu no teu Estoril e eu no meu Puerto.
    Assim que, brindemos por um bom dia!
    Beijinho

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    1. "Eles" são assim, mas já os vou conhecendo... As plantas bem querem florescer, mas por aqui a Primavera ainda vai devagar! Hoje está a chuviscar e já apanhei uma molha!
      Bom dia de sol para ti!
      beijinhos

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  5. Uma bela viagem

    em todos os seus apeadeiros

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  6. QUEREMOS PASSEAR!
    QUEREMOS PASSEAR!

    Então a Maria João vai passear e não leva os nossos amiguinhos?!
    No próximo domingo já sabe, não se pode esquecer... Mala de viagem com eles!!
    Sentiram-se abandonados e esquecidos, coitadinhos!! E com razão!
    Eles que nos dão tantas alegrias!!

    A varanda está muito bonita, assim florida!
    Como eles ficam felizes lá... Mas não se esqueça de os recolher, pois podem constipar e depois é só trabalho e paninhos quentes!
    Ha, ha, ha!!

    Um beijinho muito especial para todos.:))

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  7. Saudações Mrs. Facão e uma vez mais meus sinceros agradecimentos pelo carinho e nostálgica visita de sempre nos refugio da musica "Âmago" do meu cantinho. Viver é uma dádiva e viver com sabedoria e saúde do corpo e alma para quem zela é um prelúdio, um adagio vigorado além de trazer beneficias da longevidade. A beleza esta nos olhos de quem olha ao longe com o coração livre de argumentos próprios ainda mais sobre a natureza dos valores. Fique na paz, seja feliz e cuide-se - Namaste.

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